quarta-feira, 4 de setembro de 2024

Zeina Latif - Celebração incompleta

O Globo

Desempenho da economia vem surpreendendo positivamente, mas expansão de gastos públicos traz preocupação

desempenho da economia vem surpreendendo positivamente desde 2021, depois de muitos anos de decepção. É o que mostram as discrepâncias entre as projeções dos analistas para o PIB a cada início de ano e os resultados efetivos.

Com o crescimento de 1,9% no primeiro semestre deste ano em relação ao semestre anterior, descontada a sazonalidade, a história se repete agora. Mantido o atual patamar do PIB no segundo semestre (variando apenas conforme o padrão sazonal), a alta de 2,5% em 2024 já estará garantida, ante projeção de 1,5% ao final de 2023.

Outra boa notícia é o crescimento mais disseminado entre setores e regiões do país nos últimos anos, além da queda do desemprego. Os vários vagões da locomotiva estão em movimento.

Para além de fatores pontuais, como a recuperação do Rio Grande do Sul (a destruição de capital instalado não contrai o PIB, mas os gastos de socorro e reconstrução, sim), as razões das surpresas são debatidas entre os economistas.

Parte pode decorrer da retomada das reformas estruturais em 2016, o que significa ganho de potencial de crescimento de longo prazo; parte pode ser fruto do expansionismo fiscal.

Separar o que é ganho estrutural, com ampliação da capacidade produtiva do país, e o que é estímulo governamental à demanda é insumo essencial para o trabalho do Banco Central no controle da inflação. Avanços na oferta de bens, serviços e infraestrutura significa menor risco inflacionário diante de estímulos à demanda.

As duas explicações para as surpresas com o crescimento da economia não são excludentes. O debate está mais na importância relativa de cada uma. Para muitos, o fato de o investimento estar muito baixo indicaria pouca contribuição das reformas.

No entanto, a tendência dos últimos anos tem sido mais benigna, com crescimento acumulado do investimento desde a inflexão no primeiro trimestre de 2017 (28%) superior ao do PIB (16%). Paralelamente, a produtividade da economia ensaia uma recuperação, como apontado pelo Ibre-FGV.

É inegável, porém, uma boa dose de artificialismo por conta da expansão de gastos públicos, o que traz preocupação. Os excessos fiscais machucam muito o ambiente macroeconômico por conta da necessidade de financiar a dívida pública crescente, o que exige juros mais altos e prejudica a iniciativa privada.

Uma peculiaridade do Brasil é que a política fiscal é pro-cíclica – quando a economia vai bem, os gastos do governo sobem –, quando o ideal seria que ela fosse anticíclica, suavizando o ciclo econômico. Quando o consumo das famílias está muito aquecido e o desemprego baixo, recomenda-se o governo segurar os gastos para evitar aumento da inflação e ao mesmo tempo assegurar uma trajetória não explosiva da dívida pública. Essa boa prática tem sido frequentemente desconsiderada, tendo sido observada de forma consistente apenas nos governos FHC e Michel Temer.

Enquanto isso, muitas regras fiscais reforçam a característica pro-cíclica da política fiscal, como as atuais, com a vinculação de despesas a variáveis sensíveis ao comportamento do PIB. É o caso dos gastos com Previdência associados ao salário-mínimo, e este ao crescimento do PIB; e as despesas com educação e saúde, que estão vinculados às receitas do governo, também impactadas pelo PIB. São necessárias mudanças nessas regras.

Como dramático agravante, temos a baixa qualidade do gasto público e seu financiamento por meio de um sistema tributário complexo e repleto de distorções. Isso significa pior alocação de recursos na economia e menor potencial de crescimento.

O governo minimiza o problema, apesar de o aumento de gastos ser muito rápido, inclusive como proporção do PIB, enquanto busca caminhos do lado da receita para zerar o déficit primário, como prometido. A fórmula de ajuste importa. Pode-se até evitar um desequilíbrio fiscal grave, mas não se constrói a boa reputação de compromisso com a disciplina fiscal.

Isso torna a tarefa do BC mais difícil. Mesmo que venha ser possível manter a Selic estável, voltar a cortá-la estará fora do radar por um bom tempo.

E repetindo velhos padrões, quando a economia vai bem, reformas são adiadas e, pior, muitas vezes se reavivam vícios do passado, como agora, com o dirigismo estatal, o loteamento de cargos e o uso indevido de fundos de pensão das estatais.

Cedo ou tarde essas escolhas cobram seu preço, trazendo decepções.

Um comentário:

ADEMAR AMANCIO disse...

Lendo e aprendendo.