quinta-feira, 31 de outubro de 2024

A voz rouca de Bolsonaro - William Waack

O Estado de S. Paulo

Quadro político e judicial limita as opções do ex-presidente para se livrar de denúncias

O grande teste imediato para averiguar o peso político de Jair Bolsonaro e seu papel na direita é saber se consegue mobilizar no Legislativo forças suficientes para compensar o que enfrentará no Judiciário. Simplificando, é anistia versus denúncia. As articulações no Legislativo estão criando um tipo de geringonça política na qual Bolsonaro “comanda” um agrupamento nutrido. Porém, é apenas um entre pelo menos outros três.

A leitura dos fatos feita pelos operadores desse “Centrão radical” (na expressão do cientista político Carlos Pereira) – um amálgama que se acomoda em qualquer lado – é a de que Bolsonaro tem peso significativo, porém se afastando da condição de fator dominante nesse setor do espectro político. Em outras palavras, dado o fato de que Bolsonaro depende do Legislativo para se livrar da cadeia e voltar a disputar eleições, as raposas felpudas na Câmara entendem que o capitão lhes deve mais e não o contrário (não existe gratidão em política). O Senado talvez venha a ser mais sorridente para Bolsonaro e o que ele significa, mas só em 2026.

É possível que o Judiciário só trate da aguardada denúncia contra o ex-presidente próximo do carnaval, ou seja, com as Casas Legislativas sob nova direção. Essa dilatação do prazo (inicialmente, falava-se em fim de novembro) para encerramento dos inquéritos e formulação de denúncia por parte da Procuradoria-Geral da República não altera o que se tem como dado seguro: uma peça de acusação robusta.

Dados o número de inquéritos, a quantidade de investigados e a linha do tempo (que provavelmente abrangerá os dois últimos anos da Presidência de Bolsonaro), a denúncia promete ser longa e sua principal linha de ataque, a “preparação para golpe de Estado”. É algo difícil de ser provado na Justiça, ao contrário do julgamento político e moral, e depende da composição meticulosa de fatos e indícios capazes de “contar uma história” de maneira convincente.

Não que a Segunda Turma do STF, que receberá a denúncia, precise de muito convencimento. É óbvio que a tarefa da defesa de Bolsonaro será a de “desmontar” o todo a partir de partes, mas não se sabe em detalhes o que caiu nas mãos da Polícia Federal e da Abin durante os inquéritos. As Forças Armadas permanecerão caladas.

O ambiente político depois das eleições municipais sugere ser ilusório o surgimento de uma atmosfera de alta pressão no Legislativo capaz de moderar a aguardada dura resposta “institucional” do MPF e do Judiciário aos anos de Bolsonaro – “institucional” entendido aqui como julgamento político no sentido amplo dessa expressão. Resta talvez a voz rouca das ruas, que anda meio apagada.

 

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