sexta-feira, 4 de outubro de 2024

Bruno Carazza- Disputa municipal será prévia para 2026?

Valor Econômico

Apesar de evidências de influência sobre pleito seguinte, não é bom partidos contarem com isso

Eleições municipais são bons preditores do resultado para as eleições federais dali a dois anos, revelam os estudos empíricos. E é nessa máxima que se fiam deputados federais e senadores, a ponto de suspenderem por meses o seu trabalho no Congresso Nacional para se dedicarem a pedir voto para aliados que disputam prefeituras e vagas nas Câmaras municipais de todo o país.

Existem muitos caminhos pelos quais a política local afeta a nacional (e vice-versa). Carreiras políticas, alianças, cabos eleitorais, estruturas partidárias, descentralização de recursos orçamentários, execução de políticas e obras públicas, distribuição dos fundos partidário e eleitoral, preferências do eleitorado - essas são apenas algumas das armas do arsenal à disposição de partidos e candidatos para turbinar campanhas no plano municipal, estadual e federal.

A visão de que eleições não são fatos isolados, mas se enquadram numa disputa contínua por poder, em rodadas sucessivas que se alternam com novos ou velhos jogadores a cada dois anos, é comprovada por diversas pesquisas acadêmicas aplicadas. Em 2012, por exemplo, George Avelino, Ciro Biderman e Leonardo Barone demonstraram que a eleição de prefeitos em 2008 teve um forte efeito sobre os resultados no pleito estadual de 2010, indicando que uma boa base municipal traz benefícios para seus partidos nas eleições posteriores.

Mais recentemente, Tiago Ventura mostrou que o controle de prefeituras melhora o desempenho partidário nas disputas para a Câmara dos Deputados, e isso se dá por meio não apenas dos apoios políticos, mas também pelo acesso a verbas que seus correligionários, em nível federal, destinam com maior intensidade para os municípios administrados por políticos da mesma legenda. Ou seja, as conexões entre o plano local (prefeitos) e o nacional (deputados e senadores) se dá numa via de mão dupla, reforçando os laços políticos em busca de votos.

Analisando as relações entre o desempenho partidário nas eleições municipais de 2020 e a composição das bancadas na Câmara dos Deputados que emergiu das urnas em 2022, é possível identificar alguns padrões interessantes, mesmo sem utilizar a sofisticação econométrica dos estudos citados acima, que aplicaram modelos de regressão descontínua para captar a relação causal entre as performances municipal e estadual/federal.

Para correlacionar os êxitos de cada partido em 2020 com o número de cadeiras conquistadas por eles na Câmara em 2022, utilizei três variáveis: número de prefeitos eleitos pela sigla, tamanho do eleitorado que passou a ser governado por eles e quantidade de candidatos que conseguiram uma vaga de vereador.

Para minha surpresa, a afinidade mais poderosa e com o maior capacidade de explicação dessa correlação entre os desempenhos local e federal veio do número de vereadores eleitos, seguida da quantidade de prefeituras alcançadas e, com menor força, mas ainda assim com elevado nível de significância estatística, o percentual da população administrada por cada partido.

Uma das possíveis explicações para essa relação mais intensa entre o total de vereadores e prefeitos eleitos e a formação de bancadas de seu partido no Congresso nas eleições seguintes poderia advir do fato de que muitos políticos locais fazem uma rápida transição para o plano federal no curto intervalo de dois anos. O fenômeno acontece, mas não é tão representativo assim.

Nas eleições de 2022, 35 prefeitos, vereadores e vice-prefeitos eleitos dois anos antes conseguiram migrar para Brasília e, pelo voto, conquistaram uma cadeira de deputado federal. Essa forma de acesso, do local para o federal, representou 6,8% das vagas na Câmara dos Deputados, índice muito semelhante ao de 2018 (6%).

PT e PL mostraram que a força local é importante, mas não decisiva para a lógica nacional

Muitos partidos contam com essa estratégia de tentar promover quadros que se destacaram nas eleições municipais em busca de ampliar sua presença federal. Isso é mais comum em siglas pequenas e médias, tanto à direita quanto à esquerda. Há dois anos, Podemos e Psol elegeram um quarto de suas bancadas (de 12 deputados cada um) a partir de vereadores ou vice-prefeitos.

Entre os partidos grandes, a tática de apostar no local para reforçar os quadros federais dali a dois anos funcionou relativamente bem para o PT: dos 69 deputados eleitos em 2022, sete eram vereadores no exercício de suas funções (pouco mais de 10%). Em 2018, só dois vereadores fizeram essa transição, de uma bancada total de 54 deputados eleitos pelo partido de Lula naquele ano.

Se a “promoção” de políticos locais para o nível federal não se dá de forma rápida - o mais comum é uma carreira mais longa, não raro com estágios nas Assembleias Legislativas estaduais - é preciso investigar outras ferramentas pelas quais essas projeções do resultado das urnas nos municípios acontecem sobre a eleição para a Câmara.

A primeira pista está no fato de que porte e perfil dos partidos importam. A correlação entre desempenho municipal está associada ao tamanho da bancada no Congresso é mais forte entre PSD, União Brasil, PP e MDB - não por acaso, partidos que dominam a distribuição de verbas orçamentárias, além de terem boas estruturas de diretórios municipais em muitos Estados do Brasil.

PT e PL, por terem como lideranças os líderes mais populares da história brasileira recente, elegeram um quantitativo de deputados muito maior do que sua votação na disputa municipal anterior justificaria, mostrando que a força local é importante, mas não decisiva para a lógica nacional.

Por fim, a trajetória do PSDB vai na direção contrária. Embora os tucanos tenham ido muito bem nas eleições municipais de 2020 (elegendo 7,5% dos vereadores e conquistado 9,5% das prefeituras do país, responsáveis por governar 16,5% do eleitorado nacional), o partido só elegeu 13 deputados em 2022 (2,5% dos assentos na Câmara).

O derretimento do PSDB no curto intervalo de dois anos demonstra que as evidências de que a eleição municipal serve de prévia do pleito federal não estão imunes à acirrada competição partidária, aos erros e acertos de estratégias e às mudanças de preferências do eleitorado.

 

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