Valor Econômico
A hiperglobalização fracassou em grande parte devido a sua ambição de regulamentar excessivamente as políticas com repercussões internacionais
Com todos os principais países comerciais
recorrendo cada vez mais a ações unilaterais para promoverem seus próprios
objetivos sociais, econômicos, ambientais e de segurança, a economia mundial
precisa desesperadamente de uma estrutura normativa clara para determinar as
regras do jogo. Um ponto de partida útil é que todos concordem, em princípio,
em não adotar políticas que beneficiam uns países à custa do empobrecimento de
outros, ou seja, políticas de “empobrecer o vizinho”.
Isso pode parecer razoável, mas será viável? Não estão os países dependendo com muita frequência destas políticas para serem convencidos a mudar de atitude?
Na verdade, não, eles não estão. A percepção
de que estão está enraizada em uma confusão conceitual entre políticas com
repercussões transfronteiriças adversas e políticas que são realmente do tipo
“empobreça seu vizinho”. De fato, seria inútil - e contraproducente - tentar
disciplinar todas as políticas do primeiro tipo. Felizmente, as medidas que
beneficiam uns países às custas dos outros constituem apenas um pequeno
subconjunto dessas políticas.
A hiperglobalização fracassou em grande parte
devido a sua ambição de regulamentar excessivamente as políticas com
repercussões internacionais. Ao focarmos nas políticas que genuinamente
“empobreçam o vizinho”, podemos atacar a verdadeira fonte do problema e avançar
mais nas negociações internacionais.
Para entender a importância desta distinção,
considere o caso clássico em que a política de um país produz danos no
exterior, especificamente ao enfraquecer os termos de troca de outro país
(preços das exportações em relação às importações). Inicialmente formalizado
por Jagdish Bhagwati, este cenário de “pauperização do comércio” foi
posteriormente usado por Paul Samuelson para argumentar que o crescimento
econômico da China poderia prejudicar os Estados Unidos.
Consideremos duas políticas em particular.
Primeiro, quando o governo chinês subsidia a pesquisa e o desenvolvimento que
aumentam a competitividade do país em produtos de alta tecnologia e baixam seus
preços nos mercados globais, os EUA e outras economias avançadas são
prejudicados, porque estas são as áreas de sua vantagem comparativa. No
entanto, apesar do prejuízo, não consideraríamos adequado pedir à China que
retirasse esses subsídios porque nossa intuição nos diz que o apoio à P&D é
uma ferramenta legítima para promover o crescimento, mesmo que outros sofram
perdas.
A segunda política é a proibição de
exportação de terras raras e outros minerais essenciais dos quais a China é o
principal fornecedor global. Ela se beneficia ao aumentar os preços nos
mercados mundiais e tornar seus exportadores mais competitivos devido ao acesso
a insumos mais baratos. Mas esse é um exemplo claro de uma política do tipo
“empobreça seu vizinho”. Os ganhos da China são o resultado de um exercício de
poder de monopólio global que impõe perdas a produtores estrangeiros.
Considera-se que uma política é do tipo
“empobreça seu vizinho” quando o benefício proporcionado à economia nacional só
é possível graças ao prejuízo que gera a terceiros. Joan Robinson cunhou o
termo na década de 1930 para descrever políticas como a desvalorização
competitiva, que, em uma situação de desemprego generalizado, transfere o
emprego de países estrangeiros para a economia doméstica. As políticas do tipo
“empobreça seu vizinho” são geralmente de soma negativa para o mundo como um
todo.
Distinguir esse tipo de política pode ser
difícil na prática porque é provável que nenhum país as admita. No entanto,
esclarecer quais medidas que são verdadeiramente questionáveis e restringir o
escopo das disputas provavelmente levaria a melhores resultados econômicos.
Isso também contribuiria para políticas melhores, pois os governos seriam
incentivados a participar de discussões mais produtivas sobre o que estão
fazendo, por que estão fazendo e as prováveis consequências.
Aplicando a distinção ao mundo real,
verifica-se que a maior parte das políticas industriais da China e dos EUA é,
na verdade, do tipo "enriqueça também seu vizinho". O exemplo mais
claro é a ampla gama de subsídios verdes que a China implementou nas últimas
duas décadas
Aplicando esta perspectiva ao mundo real,
verifica-se que a maior parte das políticas industriais da China e dos EUA hoje
não é do tipo “empobreça seu vizinho”. Na verdade, muitas deveriam ser
consideradas medidas que “enriquecem também o vizinho”.
O exemplo mais claro é a ampla gama de
políticas industriais verdes que a China implementou nas últimas duas décadas
para baixar o preço da energia solar e eólica, das baterias e dos veículos
elétricos. Essas políticas têm sido duplamente benéficas para a economia
mundial. Geram repercussões na inovação, reduzindo os custos para os produtores
mundiais e baixando os preços para os consumidores. Além disso, elas também
aceleram a transição dos combustíveis fósseis para os renováveis, compensando
parcialmente a ausência da precificação do carbono.
Quando as políticas industriais visam
adequadamente as externalidades e as falhas de mercado - como no caso dos
subsídios verdes - elas não são motivo de preocupação. E embora possamos
levantar preocupações legítimas sobre os casos em que essas condições não são
atendidas, o fato é que os custos de políticas industriais ineficientes são
suportados principalmente a nível interno. São os contribuintes e consumidores
nacionais que pagam na forma de impostos e preços mais altos. Políticas
industriais ruins são menos do tipo “empobreça seu vizinho” e mais do tipo
“empobreça a si mesmo”.
É claro que outros países também podem ter
custos. Mas isso não significa que seja desejável que os parceiros comerciais
tenham voz ativa. Não é realista nem razoável esperar que os governos sejam
mais receptivos a argumentos dos outros países sobre o que é bom para eles do
que as suas próprias convicções. Os parceiros comerciais são sempre livres para
impor suas próprias salvaguardas, mesmo quando as políticas às quais estão
respondendo não sejam de “empobrecer seu vizinho”.
Por exemplo, se um governo estiver preocupado
com a segurança nacional ou com consequências adversas para o mercado de
trabalho local, deve ter a liberdade de introduzir restrições à exportação ou
tarifas para atender a essas preocupações. O ideal é que essas respostas sejam
bem calibradas e direcionadas estritamente ao objetivo doméstico declarado, em
vez de serem concebidas para punir países que não estejam envolvidos em
políticas que beneficiam uns às custas de outros.
Distinguir o pequeno número de medidas que
empobrecem o vizinho da vasta gama de outras políticas com repercussões
transfronteiriças é um primeiro passo importante para aliviar as tensões
comerciais. Fazer isso permitirá que as negociações internacionais se
concentrem nos problemas reais, deixando os governos livres para prosseguirem
objetivos políticos legítimos a nível interno. Trabalhar em prol de um mundo de
autoajuda traduz-se, em grande medida, numa boa economia e em boas políticas.
O Trump vem aí e vai botar ordem no Puteiro brasileiro também
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