quinta-feira, 17 de outubro de 2024

Dani Rodrik - O teste do ‘empobreça seu vizinho’

Valor Econômico

A hiperglobalização fracassou em grande parte devido a sua ambição de regulamentar excessivamente as políticas com repercussões internacionais

Com todos os principais países comerciais recorrendo cada vez mais a ações unilaterais para promoverem seus próprios objetivos sociais, econômicos, ambientais e de segurança, a economia mundial precisa desesperadamente de uma estrutura normativa clara para determinar as regras do jogo. Um ponto de partida útil é que todos concordem, em princípio, em não adotar políticas que beneficiam uns países à custa do empobrecimento de outros, ou seja, políticas de “empobrecer o vizinho”.

Isso pode parecer razoável, mas será viável? Não estão os países dependendo com muita frequência destas políticas para serem convencidos a mudar de atitude?

Na verdade, não, eles não estão. A percepção de que estão está enraizada em uma confusão conceitual entre políticas com repercussões transfronteiriças adversas e políticas que são realmente do tipo “empobreça seu vizinho”. De fato, seria inútil - e contraproducente - tentar disciplinar todas as políticas do primeiro tipo. Felizmente, as medidas que beneficiam uns países às custas dos outros constituem apenas um pequeno subconjunto dessas políticas.

A hiperglobalização fracassou em grande parte devido a sua ambição de regulamentar excessivamente as políticas com repercussões internacionais. Ao focarmos nas políticas que genuinamente “empobreçam o vizinho”, podemos atacar a verdadeira fonte do problema e avançar mais nas negociações internacionais.

Para entender a importância desta distinção, considere o caso clássico em que a política de um país produz danos no exterior, especificamente ao enfraquecer os termos de troca de outro país (preços das exportações em relação às importações). Inicialmente formalizado por Jagdish Bhagwati, este cenário de “pauperização do comércio” foi posteriormente usado por Paul Samuelson para argumentar que o crescimento econômico da China poderia prejudicar os Estados Unidos.

Consideremos duas políticas em particular. Primeiro, quando o governo chinês subsidia a pesquisa e o desenvolvimento que aumentam a competitividade do país em produtos de alta tecnologia e baixam seus preços nos mercados globais, os EUA e outras economias avançadas são prejudicados, porque estas são as áreas de sua vantagem comparativa. No entanto, apesar do prejuízo, não consideraríamos adequado pedir à China que retirasse esses subsídios porque nossa intuição nos diz que o apoio à P&D é uma ferramenta legítima para promover o crescimento, mesmo que outros sofram perdas.

A segunda política é a proibição de exportação de terras raras e outros minerais essenciais dos quais a China é o principal fornecedor global. Ela se beneficia ao aumentar os preços nos mercados mundiais e tornar seus exportadores mais competitivos devido ao acesso a insumos mais baratos. Mas esse é um exemplo claro de uma política do tipo “empobreça seu vizinho”. Os ganhos da China são o resultado de um exercício de poder de monopólio global que impõe perdas a produtores estrangeiros.

Considera-se que uma política é do tipo “empobreça seu vizinho” quando o benefício proporcionado à economia nacional só é possível graças ao prejuízo que gera a terceiros. Joan Robinson cunhou o termo na década de 1930 para descrever políticas como a desvalorização competitiva, que, em uma situação de desemprego generalizado, transfere o emprego de países estrangeiros para a economia doméstica. As políticas do tipo “empobreça seu vizinho” são geralmente de soma negativa para o mundo como um todo.

Distinguir esse tipo de política pode ser difícil na prática porque é provável que nenhum país as admita. No entanto, esclarecer quais medidas que são verdadeiramente questionáveis e restringir o escopo das disputas provavelmente levaria a melhores resultados econômicos. Isso também contribuiria para políticas melhores, pois os governos seriam incentivados a participar de discussões mais produtivas sobre o que estão fazendo, por que estão fazendo e as prováveis consequências.

Aplicando a distinção ao mundo real, verifica-se que a maior parte das políticas industriais da China e dos EUA é, na verdade, do tipo "enriqueça também seu vizinho". O exemplo mais claro é a ampla gama de subsídios verdes que a China implementou nas últimas duas décadas

Aplicando esta perspectiva ao mundo real, verifica-se que a maior parte das políticas industriais da China e dos EUA hoje não é do tipo “empobreça seu vizinho”. Na verdade, muitas deveriam ser consideradas medidas que “enriquecem também o vizinho”.

O exemplo mais claro é a ampla gama de políticas industriais verdes que a China implementou nas últimas duas décadas para baixar o preço da energia solar e eólica, das baterias e dos veículos elétricos. Essas políticas têm sido duplamente benéficas para a economia mundial. Geram repercussões na inovação, reduzindo os custos para os produtores mundiais e baixando os preços para os consumidores. Além disso, elas também aceleram a transição dos combustíveis fósseis para os renováveis, compensando parcialmente a ausência da precificação do carbono.

Quando as políticas industriais visam adequadamente as externalidades e as falhas de mercado - como no caso dos subsídios verdes - elas não são motivo de preocupação. E embora possamos levantar preocupações legítimas sobre os casos em que essas condições não são atendidas, o fato é que os custos de políticas industriais ineficientes são suportados principalmente a nível interno. São os contribuintes e consumidores nacionais que pagam na forma de impostos e preços mais altos. Políticas industriais ruins são menos do tipo “empobreça seu vizinho” e mais do tipo “empobreça a si mesmo”.

É claro que outros países também podem ter custos. Mas isso não significa que seja desejável que os parceiros comerciais tenham voz ativa. Não é realista nem razoável esperar que os governos sejam mais receptivos a argumentos dos outros países sobre o que é bom para eles do que as suas próprias convicções. Os parceiros comerciais são sempre livres para impor suas próprias salvaguardas, mesmo quando as políticas às quais estão respondendo não sejam de “empobrecer seu vizinho”.

Por exemplo, se um governo estiver preocupado com a segurança nacional ou com consequências adversas para o mercado de trabalho local, deve ter a liberdade de introduzir restrições à exportação ou tarifas para atender a essas preocupações. O ideal é que essas respostas sejam bem calibradas e direcionadas estritamente ao objetivo doméstico declarado, em vez de serem concebidas para punir países que não estejam envolvidos em políticas que beneficiam uns às custas de outros.

Distinguir o pequeno número de medidas que empobrecem o vizinho da vasta gama de outras políticas com repercussões transfronteiriças é um primeiro passo importante para aliviar as tensões comerciais. Fazer isso permitirá que as negociações internacionais se concentrem nos problemas reais, deixando os governos livres para prosseguirem objetivos políticos legítimos a nível interno. Trabalhar em prol de um mundo de autoajuda traduz-se, em grande medida, numa boa economia e em boas políticas.

 

Um comentário:

Anônimo disse...

O Trump vem aí e vai botar ordem no Puteiro brasileiro também