Folha de S. Paulo
O STF toma hoje o protagonismo no debate
público, e é preciso discutir o assunto
Vivemos um conflito entre Congresso e Supremo.
De um lado, o Supremo barra as emendas parlamentares e cobra maior
transparência, no que presta um serviço ao país. De outro, com duas PECs —a
das decisões monocráticas e a que susta decisões da corte—, o Congresso busca
limitar o poder do Supremo, no que também está correto. O fato de esse conflito
ser o motivador de medidas de ambos os lados —o Supremo, não menos do que o
Congresso, também atua politicamente— não as invalida.
Seria um privilégio se um comitê de sábios se sentasse, sem pressões políticas, para discutir a relação ideal entre os Poderes e então a implementasse com total liberdade. Mas essa discussão de ideias pura jamais vai acontecer. Todo debate sobre a sociedade se dá em meio a conflitos políticos conjunturais, e é graças a isso que pautas, mesmo as mais importantes, avançam.
No mínimo, o debate é necessário. O Supremo
toma, hoje, o protagonismo no debate público. Supostamente, embora tenha a
palavra final, o Supremo é inerte e só age quando provocado por alguém. Nos
inquéritos de ofício que ainda correm —os "inquéritos da
democracia"—, nem isso é verdade. Mesmo deixando-os de lado, no entanto, é
fato que o Supremo é provocado sobre todo e qualquer tema.
Não há lei minimamente polêmica que algum
partido não ingresse com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, dando ao
Judiciário a palavra final. Resta ao Supremo escolher, dentre os diversos
assuntos que lhes serão propostos, qual deseja intervir. E, como não faltam
possibilidades interpretativas em nossa Constituição,
praticamente qualquer decisão encontrará sua justificativa jurídica.
A sociedade aguarda a prometida autocontenção
que, até agora, não veio. Sem algum tipo de limite externo, provavelmente não
virá. Se o limite não vier do Legislativo, de onde mais virá? O próprio governo considera
o Supremo como mais um aliado político seu em uma série de pautas que lhe
trariam desgaste no Congresso. Isso deveria ser uma aberração, mas hoje é parte
banal do dia a dia.
Mesmo entre quem reconhece a pertinência de
se rediscutir o papel do Supremo há um certo melindre de que, ao fazê-lo,
estaríamos alimentando uma pauta do bolsonarismo. É
como se essa corrente política tornasse qualquer pauta tóxica pelo simples fato
de defendê-la. Só que o bolsonarismo está aí, é uma força relevante no
Congresso e não deve ir embora tão cedo, goste-se dele ou não. Se formos
esperar que ele —e a maciça opinião pública que ele representa— desapareça para
só então considerar projetos que contrariem a esquerda e o Supremo, podemos já
abrir mão de discutir o país.
Das duas
PECs, a das decisões monocráticas parece bastante razoável. Só
de ter que formar maiorias no plenário e ouvir votos contrários a sociedade já
sairia ganhando. A outra PEC, ao colocar o Congresso como, na prática, uma
corte superior ao Supremo, parece excessiva. O fato de a decisão sustada por
dois terços do Congresso voltar ao STF, exigindo
agora o voto de 9 dos 11 ministros para ser validada, não muda essa questão;
constrangeria ministros a introduzir ainda mais considerações políticas em seus
votos. Seja como for, o debate é importante e não deveria ser boicotado por
envolver disputa política —toda questão importante envolve.
Estamos vivendo tempos estranhos,ainda bem que temos o Supremo.
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