terça-feira, 15 de outubro de 2024

Joel Pinheiro da Fonseca - As 'PECs anti-STF vêm de necessidade real

Folha de S. Paulo

O STF toma hoje o protagonismo no debate público, e é preciso discutir o assunto

Vivemos um conflito entre Congresso e Supremo. De um lado, o Supremo barra as emendas parlamentares e cobra maior transparência, no que presta um serviço ao país. De outro, com duas PECs —a das decisões monocráticas e a que susta decisões da corte—, o Congresso busca limitar o poder do Supremo, no que também está correto. O fato de esse conflito ser o motivador de medidas de ambos os lados —o Supremo, não menos do que o Congresso, também atua politicamente— não as invalida.

Seria um privilégio se um comitê de sábios se sentasse, sem pressões políticas, para discutir a relação ideal entre os Poderes e então a implementasse com total liberdade. Mas essa discussão de ideias pura jamais vai acontecer. Todo debate sobre a sociedade se dá em meio a conflitos políticos conjunturais, e é graças a isso que pautas, mesmo as mais importantes, avançam.

No mínimo, o debate é necessário. O Supremo toma, hoje, o protagonismo no debate público. Supostamente, embora tenha a palavra final, o Supremo é inerte e só age quando provocado por alguém. Nos inquéritos de ofício que ainda correm —os "inquéritos da democracia"—, nem isso é verdade. Mesmo deixando-os de lado, no entanto, é fato que o Supremo é provocado sobre todo e qualquer tema.

Não há lei minimamente polêmica que algum partido não ingresse com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, dando ao Judiciário a palavra final. Resta ao Supremo escolher, dentre os diversos assuntos que lhes serão propostos, qual deseja intervir. E, como não faltam possibilidades interpretativas em nossa Constituição, praticamente qualquer decisão encontrará sua justificativa jurídica.

A sociedade aguarda a prometida autocontenção que, até agora, não veio. Sem algum tipo de limite externo, provavelmente não virá. Se o limite não vier do Legislativo, de onde mais virá? O próprio governo considera o Supremo como mais um aliado político seu em uma série de pautas que lhe trariam desgaste no Congresso. Isso deveria ser uma aberração, mas hoje é parte banal do dia a dia.

Mesmo entre quem reconhece a pertinência de se rediscutir o papel do Supremo há um certo melindre de que, ao fazê-lo, estaríamos alimentando uma pauta do bolsonarismo. É como se essa corrente política tornasse qualquer pauta tóxica pelo simples fato de defendê-la. Só que o bolsonarismo está aí, é uma força relevante no Congresso e não deve ir embora tão cedo, goste-se dele ou não. Se formos esperar que ele —e a maciça opinião pública que ele representa— desapareça para só então considerar projetos que contrariem a esquerda e o Supremo, podemos já abrir mão de discutir o país.

Das duas PECs, a das decisões monocráticas parece bastante razoável. Só de ter que formar maiorias no plenário e ouvir votos contrários a sociedade já sairia ganhando. A outra PEC, ao colocar o Congresso como, na prática, uma corte superior ao Supremo, parece excessiva. O fato de a decisão sustada por dois terços do Congresso voltar ao STF, exigindo agora o voto de 9 dos 11 ministros para ser validada, não muda essa questão; constrangeria ministros a introduzir ainda mais considerações políticas em seus votos. Seja como for, o debate é importante e não deveria ser boicotado por envolver disputa política —toda questão importante envolve.

 

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