Valor Econômico
Tarifa zero se expandiu pelas mãos da direita. A questão é saber o que determinou a dianteira
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva mal
tinha tomado posse quando o presidente da Câmara Municipal de São Paulo, Milton
Leite (União), disse que se o prefeito Ricardo Nunes não adotasse a tarifa zero
perderia para Guilherme Boulos. A proposta seria adotada um ano depois, aos
domingos.
Manda-chuva da política local desde 2017,
quando o ex-prefeito João Doria o apoiou para presidir a Câmara, Leite tem suas
ligações no setor de transportes sob a lupa do Ministério Público do Estado,
mas a sugestão também tinha faro político.
Apontava para a adoção de uma política pública que, reclamada pelas manifestações de junho de 2013, se espraiou sob gestões à direita. Em toda campanha, os candidatos eram acossados sobre reajuste de tarifa. Desta vez, nem precisou. Permanecerá congelada. A meta é expandir a gratuidade.
É um movimento que aparenta solapar, pelas
bases municipais, a linha divisória da política brasileira que atribui à
direita políticas excludentes. O transporte de ônibus se presta ao laboratório
dessas ideias em movimento. A saúde tem gestão tripartite, bem como a educação.
O ônibus é municipal e, por isso, sua gestão é a que melhor se presta à
avaliação de como os partidos deixam sua marca na administração local.
Desde 2013, as prefeituras têm avançado nas
políticas de gratuidade. A experiência pioneira foi do PT, em Conchas (SP),
cidade de 18 mil habitantes que adotou a tarifa zero em 1992. Prefeituras de
esquerda foram aquelas majoritariamente convertidas à tarifa zero até a
pandemia quando os contratos foram virados ao avesso. Hoje 136 municípios
adotam algum tipo de tarifa zero e, em 116 deles, os ônibus rodam a semana toda
de graça. Desse total, 62 o fizeram ao longo dos últimos quatro anos. Apenas um
deles, Goiás, no Estado homônimo, é gerido pelo PT.
Das seis capitais do bloco, Belo Horizonte
(MG), Florianópolis (SC), Maceió (AL), São Luís (MA), São Paulo (SP) e Palmas
(TO), apenas esta última não adota uma versão mitigada da tarifa zero. Nenhuma
delas é governada pela esquerda.
A tarifa zero tende a se expandir se os
candidatos cumprirem o prometido. Calculam-se mais de 600 candidatos em todo o
país que incorporaram a gratuidade em seu programa de governo. Fica de fora da
lista candidaturas como a de Guilherme Boulos (PSol), que tem falado em
expandir para o sábado (hoje só vale aos domingos), mas não incluiu a proposta
em seu programa.
Ainda que se considere o peso proporcionalmente muito maior da base municipalista conservadora no país, fica evidente que esta bandeira deixou de ter cor partidária. Ou melhor, tem, e é de direita. Não está claro, porém, quem dita esta dianteira.
Muitos dos municípios que hoje bancam a tarifa zero têm receitas extras, como os royalties (Maricá e Ilha Solteira), ou são pólos econômicos/turísticos que favorecem arrecadação elevada (Araçariguama, Holambra, Balneário Camboriú, Caucaia, Canoas). Em grandes cidades, a gratuidade ainda não se mostrou viável. A não ser para as empresas de transporte.
A proximidade entre essas empresas e os dois
parlamentares paulistas que mais defendem a tarifa zero, Milton Leite e o
deputado federal Jilmar Tatto (PT), ambos ouvidos como testemunhas na
investigação do MP-SP sobre as ligações do PCC com empresas de transporte
municipais, é apenas o começo de uma história que, pra encurtar, pode se dizer
que começou na pandemia.
Como o movimento despencou, foi preciso que a
prefeitura paulistana aumentasse o subsídio. Finda a pandemia, a subvenção, que
chegou a 70% da operação, tinha ficado tão confortável que entraram em campo os
arquitetos de sua ampliação.
A gratuidade amplia o uso porque há uma
demanda reprimida pela renda. A dúvida é se a saída é a tarifa zero ou o
subsídio a públicos específicos. É só o começo do embate.
A criação do bilhete único na gestão Marta
Suplicy, que contagiou o transporte municipal do país, foi o fato mais
determinante para que Lula a convidasse de volta ao PT e à chapa de Boulos. Um
terço do eleitorado de São Paulo era criança ou não tinha nascido quando Marta
implantou o bilhete único. Por isso, não estranharia que, nessa campanha, esta
bandeira tenha sido incorporada à paisagem e a ex-prefeita tenha percorrido
ruas vazias nas carreatas desta semana, ao lado de Boulos, na zona leste da
capital.
Já Nunes gerencia um legado irregular. A
tarifa zero aos domingos ampliou o uso mas reduziu a frota, o que aborreceu
quem dela se serve para trabalhar. Construiu um décimo dos corredores acordados
mas propõe gratuidade para mães com filhos em creche.
Por outro lado, adotou uma política errática
para a renovação da frota. Não cumpriu a meta de troca por ônibus elétricos
porque, de fato, não há disponibilidade nas fábricas, mas um bom planejamento
teria permitido alternativas como o gás biometano.
A empresa que primeiro se arvorou a contratar ônibus elétricos em São Paulo foi a Transwolff, alvo da operação do MP-SP que investiga a participação do PCC no transporte municipal. E o vereador mais entusiasta da renovação da frota é, sempre ele, Milton Leite. É este o pedágio da expansão de um transporte mais inclusivo e ambientalmente sustentável. E o pior é que o da fronteira seguinte, os espetaculares teleféricos de Pablo Marçal, é ainda mais alto.
A adoção da tarifa zero, fantasiada de benefício público que é, na verdade atende a ouuutro$$$ interesses: a) lavagem de dinheiro do crime organizado; b) suprir o "caixa de campanha" dos prefeitos, via "contribuições" dos empresários de ônibus; c) evitar os politicamente custosos aumentos de tarifa (com índices de inflação baixos, os aumentos de tarifa deveriam ser irrisórios. E isso não interessa nem aos prefeitos nem aos empresários). Como ninguém fiscaliza nem contesta o repasses bilionários feitos "aos poucos", a tarifa zero virou arma da direita e deixou de ser da esquerda.
ResponderExcluirTeleférico em Sampa.
ResponderExcluirTá.