segunda-feira, 21 de outubro de 2024

Miguel de Almeida - PT. o fim?

O Globo

Partido envelheceu, e os trabalhadores já não são mais os mesmos

Talvez a frase inspirada em Gore Vidal — o PT é como uma velha senhora: tem muito passado e nenhum futuro — possa causar arrepios num ou noutro militante renitente. Mas não é injusta. Basta a patacoada do partido em apoio à vitória forjada de Nicolás Maduro, até em oposição à reticência diplomática abraçada por Lula da Silva, para entender como a velhice traz bico de papagaio.

Criado em São Paulo, em 1980, quando ainda não havia caixa eletrônico, numa exótica reunião de sindicalistas, religiosos de esquerda e professores universitários, o PT no recente primeiro turno abocanhou apenas três prefeituras no interior do estado — Santa Lúcia (candidato único); Lucianópolis (2.255 habitantes); e Matão (79.033 almas). Foi o mesmo número alcançado pelo risível Novo.

Existem esperanças em mais três cidades no segundo turno. Entre elas, Diadema, a primeira cidade tomada pelo partido na eleição de 1982, então com 228.663 habitantes, com 23 mil votos para Gílson Menezes. Aquela vitória lendária deu emprego a muita gente — começava então o estilo de administração petista. Esqueça o mérito, vale a filiação e, agora, o conceito sempre ampliado de cotas — fala-se no momento na inclusão de indígenas cadeirantes com TDAH.

Lamente o polo do ABC — lá o PT perdeu de cara já no primeiro turno. Envelheceu o partido, e os trabalhadores já não são mais os mesmos. Talvez ali pela região esteja um dos motivos da cautela dos eleitores. A robotização da produção é um fato, enquanto os líderes ainda falam de CLT e contribuição sindical. Uau.

Em meados da década de 1970, sob a severa ditadura de Ernesto Geisel, as greves nas montadoras e nas fábricas de autopeças desafiavam o regime em torno da reivindicação por melhores salários. As multinacionais vendiam aquelas latas ultrapassadas e apoiavam-se num falso índice inflacionário desmascarado pelo Dieese de Walter Barelli, cujo número era bem superior. Era hora de dividir os lucros.

À frente de uma massa de trabalhadores com maior formação profissional — em geral técnica —, Lula da Silva, ele mesmo torneiro mecânico, comandava paralisações históricas. Em dias, foi incensado por deputados da oposição, professores universitários e religiosos ligados a Dom Paulo Evaristo Arns, arcebispo de São Paulo. Deu cana para todos os dirigentes sindicais, mas o Brasil passava a enxergar o final da ditadura. Logo vieram as greves e passeatas estudantis, o que não ocorria desde o fim da década de 1960. Foi o embrião do PT.

Na eleição para o governo paulista em 1982, Lula da Silva ficou em quarto lugar, com quase 11% dos votos. O professor Franco Montoro elegeu-se com mais de 49%. Não era uma decepção eleitoral, porque Lula escandiu ao país sua imagem de operário engajado, barbudo, com propostas radicais. O mito de trabalhador foi alterado apenas na eleição de 2002, quando ele suavizou seu discurso, aparou a barba, incorporou o empresário José Alencar à Vice-Presidência e ganhou a Presidência da República.

Começou ali a desconexão entre Lula da Silva e o PT. Para ele, sobraria a função de ser pragmático, aprender a formar maiorias políticas ao entregar alguns anéis e adoçar propostas de esquerda, além de nomear Henrique Meirelles para o Banco Central, enquanto o partido permaneceu sempre sectário e imune a mudanças sociais e econômicas vindas com o final da ditadura militar. Lula é de centro.

É quando voltamos ao apoio do PT à eleição fraudada na Venezuela e à disputa do segundo turno em São Paulo com Guilherme Boulos, do PSOL, na cabeça de chapa, e Marta Suplicy, antes secretária internacional do atual prefeito Ricardo Nunes, como vice. Marta voltou ao PT depois de votar pelo impeachment de Dilma Rousseff, a Única. Foi um arranjo eleitoral de última hora, dado que o partido não renovou seus quadros. Os paulistanos notaram a mutreta e quase deixam Boulos e Marta fora do segundo turno. Foram salvos por cerca de 50 mil votos de diferença para Pablo Marçal. Parece que apenas um maremoto provocará a vitória da insólita dupla. Em Porto Alegre — sinta o desespero dos gaúchos —, o prefeito que deixou a cidade inundada por semanas deverá derrotar a candidata petista, a sempre estridente Maria do Rosário! Como em São Paulo, será uma derrota não de Lula, mas do PT.

O partido agora se refugia no Nordeste, num movimento ocorrido anteriormente com a Arena, partido da ditadura militar, que reinou apenas nos cafundós depois da queda do regime. Sem ser uma rima, soa como um enclave, não uma solução.

 

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