sexta-feira, 1 de novembro de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

PEC da Segurança é necessária para combater crime

O Globo

Encontro de Lula com governadores abre caminho para ação integrada

Foi oportuno o encontro do presidente Luiz Inácio Lula da Silva com 13 governadores nesta quinta-feira em Brasília para discutir a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Segurança, conjunto de medidas elaborado pelo ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, que amplia o papel do governo federal na área e cria bases para maior integração no combate à violência. Lula disse que a PEC é o início da discussão. A proposta só avançará se houver diálogo com os estados.

A PEC tem muitos méritos. O maior é tirar o governo federal da apatia e conferir-lhe o protagonismo necessário para traçar diretrizes e coordenar o combate a organizações criminosas que impõem o terror. Embora a segurança pública seja tarefa constitucional dos estados, Brasília não pode se omitir, uma vez que há muito o problema ultrapassou os limites locais. Facções como o Primeiro Comando da Capital (PCC), de São Paulo, ou o Comando Vermelho (CV), do Rio, controlam rotas internacionais do tráfico, atuam em diferentes estados e até no exterior, como multinacionais do crime. Evidentemente, os estados sozinhos não têm como enfrentá-las. Desde a promulgação da Constituição de 1988, a criminalidade mudou.

O texto propõe incluir na Constituição o Sistema Único de Segurança Pública (Susp), modelo semelhante ao SUS. Embora tenha sido criado em 2018, ele ainda não funciona plenamente. Como acontece na saúde, ele poderia facilitar a integração entre as três esferas de governo, dando maior agilidade às decisões. A Polícia Federal (PF) e a Polícia Rodoviária Federal (PRF) teriam atribuições ampliadas, especialmente no combate às organizações criminosas. É positiva a ideia de transformar a PRF em polícia ostensiva com a missão de atuar também em ferrovias, hidrovias e áreas indígenas.

A iniciativa inclui também a integração das bases de dados. É um absurdo que registros de ocorrência e informações sobre antecedentes criminais ainda hoje não sejam compartilhados entre os entes federativos. Isso só dificulta a atuação das forças de segurança e facilita a dos criminosos. É importante, ainda, a atuação do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) nas investigações sobre lavagem de dinheiro. No combate ao crime organizado, o cerco às finanças das quadrilhas é o modo mais eficaz de desbaratá-las.

Ainda que tardio, o reconhecimento do governo federal é um avanço. Em gestões petistas anteriores, a segurança sempre foi tratada como tabu. Temia-se levar o desgaste para dentro do Palácio do Planalto. Mas, cedo ou tarde, a conta sempre chega a Brasília. A segurança é um dos pontos de vulnerabilidade do governo Lula, mostram pesquisas de opinião. É também uma das maiores preocupações dos brasileiros.

Há resistências contra a PEC. Parte dos governadores reagiu temendo esvaziamento das polícias locais. Mas trata-se de assunto de Estado que não deve ser contaminado pela luta política. A ideia da PEC é que as forças federais se ocupem prioritariamente das organizações criminosas, como tráfico e milícia. Ela não exime os estados de suas responsabilidades na segurança. Há hesitações também dentro do Planalto. O texto foi enviado à Casa Civil em junho e até agora pouco avançou. É fundamental que governo federal e estados busquem um consenso para atuação coordenada na segurança. O modelo atual não tem funcionado. A PEC é uma oportunidade de aperfeiçoá-lo.

Suspeitas de corrupção no Judiciário precisam ser investigadas com rapidez

O Globo

Acusações de venda de sentença em Mato Grosso do Sul e no STJ exigem firmeza das instituições

Na semana passada, o ministro Francisco Falcão, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), autorizou uma operação da Polícia Federal (PF) com 44 mandados de busca e apreensão para investigar denúncias de corrupção, lavagem de dinheiro, formação de organização criminosa, extorsão e falsificação de escrituras públicas no Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul. O STJ autorizou o afastamento de cinco desembargadores, e o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) instaurou processos administrativos para avaliar a conduta dos suspeitos.

A PF afirma que os desembargadores sob investigação usavam escritórios de filhos advogados para negociar sentenças, com “a intenção de burlar os mecanismos de rastreamento de fluxo de dinheiro”, como o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf). Há evidências de que até venda de gado foi usada para justificar a movimentação ilegal de recursos.

A PF encontrou R$ 2,7 milhões em dinheiro vivo com o desembargador Júlio Roberto Siqueira Cardoso, aposentado em junho e alvo da operação. Ele é acusado de ter favorecido uma advogada casada com outro juiz em troca de mais de R$ 5 milhões. De acordo com a PF, revogou uma sentença que ele próprio proferira, “sem qualquer fundamentação concreta”. Também é alvo da PF o advogado Felix Jayme Nunes da Cunha, acusado de ser intermediário das negociatas. Em mensagens interceptadas pela PF, ele fala em “leilão” de magistrados.

Noutro processo, a Procuradoria-Geral da República (PGR) investiga a venda de sentenças em pelo menos quatro gabinetes do próprio STJ. A ação tramita sob sigilo no Supremo Tribunal Federal (STF), sob relatoria do ministro Cristiano Zanin. Um antigo funcionário do STJ é suspeito de ter montado um esquema para vender sentenças em dois gabinetes do tribunal. Outro servidor foi afastado depois de instaurado processo administrativo disciplinar. “Espero que em breve nós tenhamos isso definido”, disse ao GLOBO o presidente do STJ, ministro Herman Benjamin.

Legislativo e Executivo costumam ser atingidos por escândalos de corrupção com frequência. No Judiciário, eles são raros, mas têm se tornado mais comuns. Além desses dois casos, a Corregedoria do CNJ afastou em agosto os desembargadores Sebastião de Moraes Filho e João Ferreira Filho, de Mato Grosso. Antes já afastara os desembargadores Ivo de Almeida em São Paulo e João Rigo Guimarães, ex-presidente do Tribunal de Justiça do Tocantins.

As investigações abertas para apurar suspeitas de venda de sentenças na Justiça de Mato Grosso do Sul e no STJ são necessárias para preservar a legitimidade do Judiciário como instância independente mediadora de conflitos. Mas os incontáveis recursos permitidos pela legislação brasileira dificultam a tramitação dos processos. As instituições responsáveis precisam ser firmes nas punições. Que não fiquem na costumeira aposentadoria compulsória do magistrado, que soa mais como prêmio que penalidade.

País deve ser célere em regular plataformas digitais

Valor Econômico

Arcabouço regulatório deverá ser adaptável e dinâmico, capaz de se adequar a um setor da economia que vive sob mudanças constantes

O cerco às práticas anticompetitivas das grandes plataformas digitais está se fechando em todo o mundo e começou a avançar também no Brasil, com a recente proposta de regulação apresentada pelo Ministério da Fazenda. O texto, que se baseia nas melhores experiências internacionais, prevê o fortalecimento do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) e propõe regras para proteger os consumidores brasileiros do poder excessivo detido por empresas como Meta, Google, Amazon, Apple e Microsoft no mercado global.

O projeto da Fazenda foi revelado na esteira de um crescente escrutínio sobre as práticas das chamadas “big techs” nos Estados Unidos e na Europa. Na Justiça americana, o Google enfrenta diferentes ações por abusar de seu monopólio nas buscas on-line e na loja de aplicativos do Android, além de estar na mira do Departamento de Justiça, que cogita até separar os negócios de sua controladora, a Alphabet. No front europeu, as empresas têm sido alvo de multas históricas. Em setembro, a Apple viu um acordo tributário com a Irlanda ser considerado ilegal e foi obrigada a desembolsar 13 bilhões de euros em compensação.

Diante da conclusão de que a lei de defesa da concorrência é insuficiente para lidar com as “big techs” e com a dinâmica de rápida mudança promovida pelo mercado de tecnologia, a Secretaria de Reformas Econômicas elaborou um estudo após consultar dez países que já estabeleceram padrões de regulação concorrencial para as plataformas digitais. Houve também uma consulta pública para reunir contribuições de especialistas, da sociedade civil e do setor privado. A ideia é tentar estabelecer um modelo “flexível”, nem tão rígido como o “ex ante”, da União Europeia (UE), que exige uma série de pré-requisitos para que as plataformas operem no bloco, e mais proativo que a regulação “ex post” dos Estados Unidos, que pune posteriormente as empresas a depender da conduta adotada.

Segundo a proposta, haverá regras específicas para cada plataforma que seja considerada “sistemicamente relevante”. Esta seleção será feita pelo Cade com base em critérios qualitativos e de faturamento mínimo, tanto global como local, que serão definidos por lei, uma forma de excluir empresas de menor porte da regulação mais rígida. Número de usuários, o acesso a um grande volume de dados pessoais e comerciais, além de integrações verticais e poder de mercado associado a efeitos de rede, também serão considerados na análise.

A Fazenda prevê que a tendência é que sejam enquadradas na classificação as sete empresas que hoje são reguladas de forma assimétrica por serem consideradas “gatekeepers” pelo Digital Markets Act da UE: Amazon, Apple, Booking, ByteDance (controladora do TikTok), Meta (dona de Facebook, Instagram e WhatsApp) e Microsoft. Haverá também a possibilidade, a critério do Cade, de que empresas com consolidação no mercado brasileiro sejam analisadas de forma especial.

Não resta dúvida de que há amplo abuso do poder de mercado por parte destas megacorporações globais, prova disso é o número cada vez maior de decisões judiciais desfavoráveis a elas em diferentes países. O rol de ações que podem ser consideradas anticompetitivas e que a Fazenda quer coibir no Brasil é amplo, indo desde acordos de exclusividade, passando pela autopreferência - os privilégios à oferta de produtos e serviços da própria empresa em detrimento dos concorrentes em marketplaces -, até as “killer aquisitions”, que ocorrem quando grandes companhias compram pequenos negócios inovadores para evitar que, no futuro, estes se tornem concorrentes.

Há desafios, porém, para que a proposta de regulação vire realidade. O primeiro deles é de ordem política. O Projeto de Lei das Redes Sociais, outro tema urgente para o país, está parado na Câmara dos Deputados desde abril, quando foi tirado de pauta após grande pressão das plataformas sobre os parlamentares. Um acerto da Fazenda é focar exclusivamente na regulação concorrencial, sem entrar no mérito de moderação de conteúdo, para evitar que o projeto também acabe mofando nas gavetas de Brasília, em prejuízo para os consumidores brasileiros. Será preciso também dotar o Cade, um tribunal administrativo pouco acostumado a regular as operações diárias de empresas, de capacidade de técnica e operacional para dar conta da missão. Prevê-se a criação de uma unidade especializada e monitoramento das empresas em conjunto com a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD).

Ainda que mais debates e ajustes à proposta sejam necessários, deve haver celeridade para que a regulação entre em vigor e coíba o vale-tudo que hoje prevalece no mundo digital. O governo vai na direção correta ao apresentar um modelo intermediário entre o que existe nos EUA e na Europa, já que é preciso proteger os consumidores sem sufocar a inovação, uma das preocupações que uma regulação rígida e burocrática em excesso gera no setor privado. Além disso, o arcabouço regulatório deverá ser adaptável e dinâmico, capaz de se adequar a um setor da economia que vive sob mudanças constantes.

Faniquito de Maduro indica que algo de correto o Brasil fez

Folha de S. Paulo

Ditadura ataca Itamaraty e Amorim após veto no Brics; Lula, aliado até pouco tempo, trabalha com redução de danos

O governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) preferiu o silêncio, ao menos até aqui, ao ser grosseiramente provocado pela ditadura de Nicolás Maduro. A convocação a Caracas do embaixador venezuelano no Brasil —evidente sinal de contrariedade e primeiro passo para potencial rompimento de relações bilaterais— não levou a uma medida recíproca do Itamaraty.

Tampouco mereceram reação do Palácio do Planalto os impropérios emitidos em comunicado do regime contra o veto ao ingresso da Venezuela no fórum do Brics —um acerto tardio da diplomacia brasileira.

Em boa medida, o faniquito de Maduro ajuda Lula no plano doméstico, ao explicitar a fissura em uma relação de cumplicidade vexatória com o autoritarismo chavista. Só estarão incomodados petistas e outras forças da esquerda nativa que até hoje fazem vista grossa para os desmandos do aliado ideológico.

A quietude do governo tem seu sentido diplomático. De um lado, evidencia que não caberá ao Brasil tensionar as relações bilaterais ao ponto do rompimento. De outro, reforça a convicção de que, embora a confiança em Maduro tenha acabado, ao menos um fio de diálogo há de ser preservado ante interesses comuns das duas nações fronteiriças.

Trata-se de alguma redução de danos depois que o governo Lula operou tolamente como fiador do Acordo de Barbados, de 2023, pelo qual o ditador venezuelano prometeu eleições justas e transparentes neste ano —e, para surpresa de quase ninguém, fraudou de modo escancarado o resultado das urnas favorável à oposição.

A reação inicial brasileira foi cobrar a divulgação das atas do pleito, o que nunca aconteceu, e não reconhecer a vitória de Maduro. Depois, veio a negativa ao acesso da Venezuela ao Brics.

Houve razões adicionais para tanto. A onda de repressão violenta a manifestações populares contra o resultado oficial da eleição, com prisão e tortura até de crianças, e a escalada de perseguição a políticos oposicionistas não puderam ser ignoradas pela diplomacia brasileira.

Já os vitupérios do regime mergulham num ridículo digno do pior populismo continental. Tome-se o comunicado da chancelaria venezuelana na quarta (30), que acusa o Brasil de conspirar contra a Venezuela, o Itamaraty de atuar a serviço dos Estados Unidos e o embaixador Celso Amorim, assessor especial da Presidência, de ser um "mensageiro do imperialismo americano".

A paciência e a condução cautelosa da diplomacia brasileira certamente continuarão a ser testadas pelo caudilho. O desafio maior, porém, virá em janeiro, quando começa o novo mandato de Maduro, e o Brasil terá de definir se e como manterá o diálogo bilateral com um governo cuja legitimidade não reconhece.

Eis o saldo da reverência do PT e de suas administrações a um regime que há muito solapou a democracia, destruiu a economia e produziu miséria inaudita.

Mais e menos arriscadas cirurgias de catarata

Folha de S. Paulo

Alto número de pessoas que perderam a visão em mutirões evidencia que gestores precisam aumentar controle de qualidade

De 48 pacientes submetidos à cirurgia de catarata, no final de setembro deste ano, por meio de mutirão numa maternidade em Parelhas (RN), ao menos 15 apresentaram quadro infeccioso e 8 tiveram de remover o globo ocular.

Trata-se de fenômeno trágico silencioso, como mostra levantamento da Folha. Nos últimos 15 anos, ao menos 276 pessoas no país perderam a visão, parcial ou totalmente (incluindo retiradas do globo ocular), em mutirões.

O número expõe precariedade técnica e em infraestrutura e dificuldades para diminuir filas para cirurgias eletivas (não urgentes) no sistema público de saúde.

O caso potiguar levou o Conselho Brasileiro de Oftalmologia (CBO) a publicar um guia para gestores, profissionais de saúde e a população com o objetivo de reforçar a proteção dos pacientes e evitar eventos adversos graves em cirurgias de catarata por meio de mutirões.

De acordo com a entidade, os procedimentos precisam ser feitos em estabelecimentos que têm histórico na prestação desse serviço, de preferência em centros cirúrgicos oftalmológicos.

Unidades móveis, tendas ambulatoriais ou ambientes hospitalares de outras áreas da saúde —como a maternidade em Parelhas— são contraindicados porque aumentam consideravelmente os riscos de infecção.

Ademais, o poder público deve diagnosticar a real necessidade de oferecer esse modelo de atendimento rápido em larga escala. Isso porque, segundo a presidente do CBO, Wilma Lelis, os efeitos da doença podem ser diminuídos com uso de óculos, e a melhoria proporcionada pela cirurgia se dá em qualquer período no qual o paciente seja operado.

O ideal seria que os procedimentos fossem realizados utilizando a estrutura do SUS, que vem expandindo o número de cirurgias de catarata. Em 2023, foram 896,1 mil, ante 411,5 mil em 2013. Mas a fila para esse procedimento é a maior entre as cirurgias eletivas. No ano passado, 167,5 mil pessoas estavam na espera.

Em janeiro de 2023, o governo federal lançou o Programa Nacional de Redução das Filas (PNRF) para cirurgias eletivas, consultas e exames. Segundo o Ministério da Saúde, entre março e outubro do mesmo ano, o programa atingiu 72% da meta de realização de procedimentos, com 350,2 mil.

Para que nenhum brasileiro perca a visão devido a uma cirurgia tão simples como a de catarata, gestores têm a obrigação de aliar quantidade e qualidade. O PNRF deve avançar, e mutirões precisam seguir as orientações técnicas com base em evidências.

Masoquismo diplomático

O Estado de S. Paulo

Enquanto Maduro sobe o tom das chacotas e insultos não só contra Lula e Amorim, mas contra o Brasil, Lula e Amorim põem panos quentes, provando que sua fidelidade canina resiste a tudo

A ditadura chavista da Venezuela jamais deu a mínima para o Brasil de Lula da Silva, a não ser na exata medida de seus interesses. Nicolás Maduro, como Hugo Chávez antes dele, aproveitou-se da benevolência ideológica do lulopetismo enquanto aprofundava sua tirania. No momento em que essa benevolência deixou de ser relevante para a Venezuela, que hoje se ampara confortavelmente na suserania de Rússia e China, o Brasil passou a ser humilhado publicamente e sem dó por Maduro.

No gesto mais recente de hostilidade, como reação ao veto do Brasil ao ingresso da Venezuela no Brics, o déspota chavista convocou o representante brasileiro na embaixada em Caracas para prestar esclarecimentos e chamou seu embaixador em Brasília para uma consulta, o que, na liturgia diplomática, é um último passo antes do rompimento. Os chavistas demonstraram particular irritação com uma declaração de Celso Amorim, o chanceler brasileiro de facto, segundo a qual há “um mal-estar” nas relações entre Brasil e Venezuela desde que o regime venezuelano se recusou a comprovar a alegada vitória de Maduro nas eleições presidenciais, como solicitado pelo governo brasileiro. Para Caracas, Amorim, que jamais condenou nem mesmo em termos brandos a evidente degeneração da democracia sob o regime chavista, é nada menos que um “mensageiro do imperialismo norte-americano”.

O mínimo que o governo brasileiro deveria fazer seria convocar seu embaixador em Caracas, num gesto de reciprocidade, como sugere o protocolo diplomático. Mas até agora reina o mais absoluto silêncio, como se já não fossem suficientes as seguidas agressões de Maduro ao Brasil e a seu governo.

Maduro já acusou o Brasil de ter dado uma “punhalada nas costas” por ter vetado a Venezuela no Brics. Além disso, já mandou seus bate-paus intimidarem diplomatas brasileiros responsáveis pela custódia da embaixada argentina em Caracas, disse que o sistema eleitoral brasileiro é fraudulento e ameaça invadir um país vizinho, a Guiana, passando pelo Brasil, se necessário.

Por muito menos, Lula da Silva condicionou um encontro com o presidente da Argentina, Javier Milei, a um pedido de desculpas do colega porque este o chamou de “corrupto” e deixou vago o posto de embaixador do Brasil em Israel depois que o último ocupante do posto foi supostamente humilhado pelo governo israelense.

À ditadura venezuelana, contudo, Lula dedica as mais variadas vênias, numa espécie de masoquismo diplomático. Não faz muito tempo, o presidente brasileiro estendeu o tapete vermelho a Nicolás Maduro. Na ocasião, para espanto mesmo de governos de esquerda latino-americanos, criticou “a narrativa que se construiu contra a Venezuela, de antidemocracia e do autoritarismo” e sugeriu ao companheiro ditador que fabricasse uma “narrativa infinitamente melhor do que a que eles têm contado contra você” e “virar esse jogo para que a gente possa vencer definitivamente”.

Depois, quando a roubalheira da eleição venezuelana já estava clara para o mundo todo, Lula afirmou não ter visto “nada de anormal” naquela votação – celebrada pelo PT como uma “jornada pacífica, democrática e soberana” que deu a “vitória” a Maduro. Depois, uma nota do Foro de São Paulo subscrita pelo PT acusou as “forças de extrema direita” de “atacar os resultados da eleição presidencial venezuelana e a vitória do presidente Nicolás Maduro”.

O ditador Maduro, portanto, pode ficar tranquilo. Aparentemente, não há insulto ou humilhação capaz de lanhar a fidelidade canina de Lula, Amorim e seus sequazes ao regime chavista – que ademais, não se pode esquecer, deve nada menos que US$ 1,5 bilhão ao Brasil e aparentemente não tem a menor intenção de pagar. O máximo que pode acontecer é um certo “mal-estar”, como sugeriu Amorim. Para isso, contudo, Maduro já deu o remédio: é só tomar “chá de camomila”.

Cozinhando a anistia a Bolsonaro

O Estado de S. Paulo

Por vias tortas, Lira fez bem ao frear o projeto que, a título de perdoar golpistas, livraria o ex-presidente. Ao País interessa que os que vilipendiaram a Constituição não fiquem impunes

Em uma manobra política nada sutil, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), criou uma comissão especial para tratar do projeto de lei (PL) que concede anistia aos golpistas do 8 de Janeiro. A decisão foi anunciada no dia em que se previa a votação da matéria na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), onde a aprovação era dada como certa, haja vista que a CCJ foi colonizada por bolsonaristas empedernidos, a começar por sua presidente, Caroline de Toni (PL-SC).

Da CCJ, o projeto tóxico seguiria para o plenário da Câmara, um problema para Lira no momento em que ele tenta construir um consenso em torno do deputado Hugo Motta (Republicanos-PB) como seu sucessor na presidência da Casa. Como se sabe, a anistia, ao menos em público, opõe PL e PT, partidos fundamentais para o eventual sucesso da candidatura do ungido pelo parlamentar alagoano.

Quem está minimamente familiarizado com os métodos de Lira sabe que, quando ele decide criar uma comissão especial sobre qualquer tema, sua intenção não é outra senão jogar a discussão desse tema para as calendas. Logo, por vias tortas, ou seja, motivado por seu interesse particular, não pelo interesse público, Lira acabou prestando um serviço ao País ao tirar de circulação, ao menos por ora, um projeto de lei indecente que nem sequer deveria ter sido proposto caso houvesse mais respeito pela Constituição de 1988 neste país – e, tendo sido, jamais deveria ter chegado tão longe, a ponto de ser discutido com espantosa naturalidade.

Que fique claro: não há vivalma em Brasília genuinamente preocupada com o infortúnio jurídico-penal da horda que assaltou a Praça dos Três Poderes naquele dia fatídico. Esse projeto de anistia visa a livrar a cara de apenas uma pessoa: Jair Bolsonaro.

Não foi por outra razão que Bolsonaro resolveu fazer uma blitz no Congresso no dia 29 passado – ao que parece, sem ter sido convidado por ninguém. No afã de demonstrar ter uma força política como outrora já teve, o ex-presidente disse para quem quisesse ouvir que “apoiou” a criação da tal comissão especial porque nela vê a “oportunidade” de negociar a inclusão de seu nome entre os anistiados – afinal, o nome de Bolsonaro não é mencionado no projeto de anistia original, e nem poderia, pois o ex-presidente nem sequer é réu, que dirá condenado no processo sobre a tentativa de golpe que tramita no Supremo Tribunal Federal (STF).

Nessa tentativa de afetar uma relevância política que sua condição de inelegível desmente, Bolsonaro, ao contrário, sinalizou fraqueza, para não dizer desespero. São esperadas para breve a conclusão do inquérito da Polícia Federal (PF) sobre o 8 de Janeiro e a subsequente manifestação da Procuradoria-Geral da República, que pode culminar no oferecimento de denúncia contra Bolsonaro ao Supremo. O ex-presidente sabe que o tempo não joga a seu favor no campo jurídico, o que explica sua ânsia de aparentar um protagonismo político sem o qual, é certo, não apenas verá mantida sua inelegibilidade, sem anistia alguma, como, para piorar, sentirá a espada da Justiça penal cada vez mais pesada sobre sua cabeça.

No seio da sociedade, é perfeitamente discutível se as penas impostas pelo STF a alguns golpistas foram compatíveis com a gravidade dos crimes que cometeram. Há não poucos casos de sentenças de até 17 anos de prisão em regime fechado. O que é absolutamente inconstitucional é o Congresso se arvorar, por meio desse projeto de lei, em revisor de decisões do Poder Judiciário por percebê-las como “excessivas”. Numa República, isso é inconcebível por ferir de morte o princípio da separação de Poderes. Ademais, a prosperar esse projeto absurdo, o Congresso abastardaria o instituto da anistia em nome de um bando que decidiu se insurgir contra um resultado eleitoral legítimo.

Que Lira, Motta, Valdemar Costa Neto, Bolsonaro e até parlamentares do PT tenham concordado com o adiamento da tramitação do PL da Anistia diz muito sobre o que os motiva. Para o País, é inaceitável o perdão aos golpistas. Todos eles.

As ‘masmorras’ do Brasil

O Estado de S. Paulo

Alta incidência de tuberculose em prisões expõe um Brasil que reluta em sair do atraso

A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) publicou uma pesquisa na revista The Lancet Public Health há poucos dias demonstrando que cerca de 37% dos casos de tuberculose no Brasil têm origem na transmissão do bacilo de Koch em prisões. Dos 85.523 casos de tuberculose registrados no País entre 1990 e 2019, período base para o estudo, 31 mil casos estão diretamente relacionados ao contágio intramuros.

Combinados, esses dois fatores – as condições subumanas em que vivem os presos sob custódia do Estado e a alta incidência nas prisões de uma doença contagiosa para a qual, vale lembrar, há vacina para prevenir consequências mais graves – expõem um Brasil que reluta em sair do atraso.

O estudo da Fiocruz, realizado em parceria com instituições da Colômbia e do Peru, cruzou dados sobre encarceramento e incidência de tuberculose dos seis países que, juntos, concentram 80% da população carcerária e registram o maior número de casos de tuberculose na América Latina: Argentina, Brasil, Colômbia, El Salvador, México e Peru. Malgrado ser a maior economia e o país mais desenvolvido da região em diversas áreas, o Brasil só não está em pior situação do que El Salvador. Uma vergonha.

Aqui não se está tratando “apenas”, por assim dizer, de uma tragédia isolada na área da saúde pública. Está-se diante de mais um sintoma de um problema estrutural muito mais grave: a degradação do sistema prisional brasileiro. Por variadas razões, algumas impublicáveis, impera no Brasil uma máxima segundo a qual quanto piores forem as condições de vida dos apenados, ou mesmo dos presos provisórios, melhor para a sociedade – ou pelo menos para aquela parte da sociedade que confunde justiça com vingança. É como diz um conhecido aforismo: “O grau de civilização de uma sociedade pode ser medido pela maneira como trata seus prisioneiros”.

As prisões brasileiras, frequentemente tratadas como “masmorras”, são conhecidas pela superlotação e por suas condições insalubres, e não apenas para os internos, mas também para os servidores do sistema penitenciário. A superlotação, em particular, é corolário de uma política de encarceramento massivo que, nas últimas três décadas, fez a população carcerária saltar de cerca de 90 mil para 755.274 presos – a maioria homens, pretos e pobres condenados por tráfico de drogas envolvendo pequenas quantidades de entorpecente.

Como não houve as devidas adequações de infraestrutura predial para acomodar esse crescimento vertiginoso da população carcerária, era óbvio que a aglomeração de indivíduos em condições precárias logo transformaria as prisões em focos de transmissão de doenças, e não só respiratórias. A tuberculose, tão temida no início do século 20, é só uma dessas moléstias.

Se, no que concerne à segurança pública, a submissão dos presos a um regime de tratamento degradante não se reverte em mais tranquilidade para a sociedade em geral, o mesmo vale para a saúde pública. O absoluto descaso do Estado com as condições sanitárias dos presídios – não só tolerado, como apoiado por essa mesma sociedade – expõe toda a população ao risco de contrair doenças que, há muito, deveriam estar extintas.

Novembro Azul, a vez dos homens

Correio Braziliense

O câncer de próstata, segundo tumor mais incidente entre os homens (perde apenas para o de pele), mata em média 47 brasileiros diariamente

Passado o Outubro Rosa, chegamos ao Novembro Azul e suas campanhas e orientações sobre a saúde masculina. A revista The Lancet, uma das publicações científicas mais renomadas do mundo, divulgou recentemente um estudo desenvolvido pela Comissão de Câncer de Próstata que prevê, até 2040, a duplicação global de casos da doença, chegando a 2,9 milhões de pessoas diagnosticadas, assim como um aumento de 85% no número de óbitos , chegando a 700 mil por ano. Trata-se de um prognóstico que vai no sentido contrário à evolução dos avanços no tratamento da doença. 

câncer de próstata, segundo tumor mais incidente entre os homens (perde apenas para o de pele), foi responsável, em 2023, por 17.093 mortes no Brasil — uma média de 46 óbitos por dia —, segundo o Sistema de Informações sobre Mortalidade do Ministério da Saúde. Grande parte desses números se deve ao aumento da expectativa de vida dos brasileiros e aos diagnósticos tardios, o que limita as opções de tratamento, dificultando a remissão da doença. 

Para a campanha Novembro Azul, a Sociedade Brasileira de Urologia (SBU) preparou um material que reforça a importância da realização de exames de rotina, assim como do acompanhamento por especialista, evitando o câncer de próstata ou permitindo que ele seja descoberto em estágio inicial. Nesses casos, as chances de cura são maiores, podendo chegar a

Embora nas capitais brasileiras e polos mais populosos o serviço prestado pelo Sistema Único de Saúde (SUS) inclua atendimentos para casos de câncer de próstata, é grande a parcela de municípios sem estrutura adequada de assistência a esses pacientes. Em alguns casos, nem a informação correta chega à população. Além disso, o fator sociocultural — que contribui para que os homens não cuidem da saúde geral e não façam exames específicos, como o toque retal —  interfere em alto grau nas estatísticas.

Fato é que a saúde masculina é subestimada pelos próprios envolvidos. Um outro levantamento realizado pela SBU sobre a percepção do homem a respeito da sua saúde mostra que somente 32% dos entrevistados acima de 40 anos se consideram realmente preocupados com a própria saúde e 46% só vão ao médico quando sentem algo. Em se tratando do câncer de próstata, porém, a maioria dos casos é assintomática nas fases iniciais.

É fundamental, portanto, que os governos tracem estratégias que possam lidar com essa atitude masculina, ou a falta dela. Mas não bastam apenas campanhas ou iniciativas esparsas comandadas por entidades ligadas ao SUS. É preciso uma mudança de costumes. A adoção de melhores hábitos de vida, incluindo atividade física e alimentação adequada, aliada ao frequente acompanhamento e intervenção médica, se for necessária, são cuidados imprescindíveis e que dependem também de um comprometimento individual. Caso contrário, as previsões para 2040 se tornarão uma realidade

 


 



 

 

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