PEC da Segurança é necessária para combater crime
O Globo
Encontro de Lula com governadores abre
caminho para ação integrada
Foi oportuno o encontro do presidente Luiz
Inácio Lula da
Silva com 13 governadores nesta quinta-feira em Brasília para discutir a
Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Segurança, conjunto de medidas
elaborado pelo ministro da Justiça, Ricardo
Lewandowski, que amplia o papel do governo federal na área e cria
bases para maior integração no combate à violência.
Lula disse que a PEC é o início da discussão. A proposta só avançará se houver
diálogo com os estados.
A PEC tem muitos méritos. O maior é tirar o governo federal da apatia e conferir-lhe o protagonismo necessário para traçar diretrizes e coordenar o combate a organizações criminosas que impõem o terror. Embora a segurança pública seja tarefa constitucional dos estados, Brasília não pode se omitir, uma vez que há muito o problema ultrapassou os limites locais. Facções como o Primeiro Comando da Capital (PCC), de São Paulo, ou o Comando Vermelho (CV), do Rio, controlam rotas internacionais do tráfico, atuam em diferentes estados e até no exterior, como multinacionais do crime. Evidentemente, os estados sozinhos não têm como enfrentá-las. Desde a promulgação da Constituição de 1988, a criminalidade mudou.
O texto propõe incluir na Constituição o
Sistema Único de Segurança Pública (Susp), modelo semelhante ao SUS. Embora
tenha sido criado em 2018, ele ainda não funciona plenamente. Como acontece na
saúde, ele poderia facilitar a integração entre as três esferas de governo,
dando maior agilidade às decisões. A Polícia Federal (PF) e a Polícia
Rodoviária Federal (PRF) teriam atribuições ampliadas, especialmente no combate
às organizações criminosas. É positiva a ideia de transformar a PRF em polícia
ostensiva com a missão de atuar também em ferrovias, hidrovias e áreas
indígenas.
A iniciativa inclui também a integração das
bases de dados. É um absurdo que registros de ocorrência e informações sobre
antecedentes criminais ainda hoje não sejam compartilhados entre os entes
federativos. Isso só dificulta a atuação das forças de segurança e facilita a
dos criminosos. É importante, ainda, a atuação do Conselho de Controle de
Atividades Financeiras (Coaf) nas investigações sobre lavagem de dinheiro. No
combate ao crime organizado, o cerco às finanças das quadrilhas é o modo mais
eficaz de desbaratá-las.
Ainda que tardio, o reconhecimento do governo
federal é um avanço. Em gestões petistas anteriores, a segurança sempre foi
tratada como tabu. Temia-se levar o desgaste para dentro do Palácio do
Planalto. Mas, cedo ou tarde, a conta sempre chega a Brasília. A segurança é um
dos pontos de vulnerabilidade do governo Lula, mostram pesquisas de opinião. É
também uma das maiores preocupações dos brasileiros.
Há resistências contra a PEC. Parte dos
governadores reagiu temendo esvaziamento das polícias locais. Mas trata-se de
assunto de Estado que não deve ser contaminado pela luta política. A ideia da
PEC é que as forças federais se ocupem prioritariamente das organizações
criminosas, como tráfico e milícia. Ela não exime os estados de suas
responsabilidades na segurança. Há hesitações também dentro do Planalto. O
texto foi enviado à Casa Civil em junho e até agora pouco avançou. É
fundamental que governo federal e estados busquem um consenso para atuação
coordenada na segurança. O modelo atual não tem funcionado. A PEC é uma
oportunidade de aperfeiçoá-lo.
Suspeitas de corrupção no Judiciário precisam
ser investigadas com rapidez
O Globo
Acusações de venda de sentença em Mato Grosso
do Sul e no STJ exigem firmeza das instituições
Na semana passada, o ministro Francisco
Falcão, do Superior Tribunal de Justiça (STJ),
autorizou uma operação da Polícia Federal (PF) com 44 mandados de busca e
apreensão para investigar denúncias de corrupção, lavagem de dinheiro, formação
de organização criminosa, extorsão e falsificação de escrituras públicas no
Tribunal de Justiça de Mato Grosso
do Sul. O STJ autorizou o afastamento de cinco desembargadores, e o
Conselho Nacional de Justiça (CNJ) instaurou processos administrativos para
avaliar a conduta dos suspeitos.
A PF afirma que os desembargadores sob
investigação usavam escritórios de filhos advogados para negociar sentenças,
com “a intenção de burlar os mecanismos de rastreamento de fluxo de dinheiro”,
como o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf). Há evidências de
que até venda de gado foi usada para justificar a movimentação ilegal de
recursos.
A PF encontrou R$ 2,7 milhões em dinheiro
vivo com o desembargador Júlio Roberto Siqueira Cardoso, aposentado em junho e
alvo da operação. Ele é acusado de ter favorecido uma advogada casada com outro
juiz em troca de mais de R$ 5 milhões. De acordo com a PF, revogou uma sentença
que ele próprio proferira, “sem qualquer fundamentação concreta”. Também é alvo
da PF o advogado Felix Jayme Nunes da Cunha, acusado de ser intermediário das
negociatas. Em mensagens interceptadas pela PF, ele fala em “leilão” de magistrados.
Noutro processo, a Procuradoria-Geral da
República (PGR) investiga a venda de sentenças em pelo menos quatro gabinetes
do próprio STJ. A ação tramita sob sigilo no Supremo Tribunal Federal (STF),
sob relatoria do ministro Cristiano Zanin. Um antigo funcionário do STJ é
suspeito de ter montado um esquema para vender sentenças em dois gabinetes do
tribunal. Outro servidor foi afastado depois de instaurado processo
administrativo disciplinar. “Espero que em breve nós tenhamos isso definido”,
disse ao GLOBO o presidente do STJ, ministro Herman Benjamin.
Legislativo e Executivo costumam ser
atingidos por escândalos de corrupção com frequência. No Judiciário, eles são
raros, mas têm se tornado mais comuns. Além desses dois casos, a Corregedoria
do CNJ afastou em agosto os desembargadores Sebastião de Moraes Filho e João
Ferreira Filho, de Mato Grosso. Antes já afastara os desembargadores Ivo de
Almeida em São Paulo e João Rigo Guimarães, ex-presidente do Tribunal de
Justiça do Tocantins.
As investigações abertas para apurar
suspeitas de venda de sentenças na Justiça de Mato Grosso do Sul e no STJ são
necessárias para preservar a legitimidade do Judiciário como instância
independente mediadora de conflitos. Mas os incontáveis recursos permitidos
pela legislação brasileira dificultam a tramitação dos processos. As
instituições responsáveis precisam ser firmes nas punições. Que não fiquem na
costumeira aposentadoria compulsória do magistrado, que soa mais como prêmio
que penalidade.
País deve ser célere em regular plataformas
digitais
Valor Econômico
Arcabouço regulatório deverá ser adaptável e dinâmico, capaz de se adequar a um setor da economia que vive sob mudanças constantes
O cerco às práticas anticompetitivas das
grandes plataformas digitais está se fechando em todo o mundo e começou a
avançar também no Brasil, com a recente proposta de regulação apresentada pelo
Ministério da Fazenda. O texto, que se baseia nas melhores experiências
internacionais, prevê o fortalecimento do Conselho Administrativo de Defesa
Econômica (Cade) e propõe regras para proteger os consumidores brasileiros do
poder excessivo detido por empresas como Meta, Google, Amazon, Apple e
Microsoft no mercado global.
O projeto da Fazenda foi revelado na esteira
de um crescente escrutínio sobre as práticas das chamadas “big techs” nos
Estados Unidos e na Europa. Na Justiça americana, o Google enfrenta diferentes
ações por abusar de seu monopólio nas buscas on-line e na loja de aplicativos
do Android, além de estar na mira do Departamento de Justiça, que cogita até
separar os negócios de sua controladora, a Alphabet. No front europeu, as
empresas têm sido alvo de multas históricas. Em setembro, a Apple viu um acordo
tributário com a Irlanda ser considerado ilegal e foi obrigada a desembolsar 13
bilhões de euros em compensação.
Diante da conclusão de que a lei de defesa da
concorrência é insuficiente para lidar com as “big techs” e com a dinâmica de
rápida mudança promovida pelo mercado de tecnologia, a Secretaria de Reformas
Econômicas elaborou um estudo após consultar dez países que já estabeleceram
padrões de regulação concorrencial para as plataformas digitais. Houve também
uma consulta pública para reunir contribuições de especialistas, da sociedade
civil e do setor privado. A ideia é tentar estabelecer um modelo “flexível”, nem
tão rígido como o “ex ante”, da União Europeia (UE), que exige uma série de
pré-requisitos para que as plataformas operem no bloco, e mais proativo que a
regulação “ex post” dos Estados Unidos, que pune posteriormente as empresas a
depender da conduta adotada.
Segundo a proposta, haverá regras específicas
para cada plataforma que seja considerada “sistemicamente relevante”. Esta
seleção será feita pelo Cade com base em critérios qualitativos e de
faturamento mínimo, tanto global como local, que serão definidos por lei, uma
forma de excluir empresas de menor porte da regulação mais rígida. Número de
usuários, o acesso a um grande volume de dados pessoais e comerciais, além de
integrações verticais e poder de mercado associado a efeitos de rede, também
serão considerados na análise.
A Fazenda prevê que a tendência é que sejam
enquadradas na classificação as sete empresas que hoje são reguladas de forma
assimétrica por serem consideradas “gatekeepers” pelo Digital Markets Act da
UE: Amazon, Apple, Booking, ByteDance (controladora do TikTok), Meta (dona de
Facebook, Instagram e WhatsApp) e Microsoft. Haverá também a possibilidade, a
critério do Cade, de que empresas com consolidação no mercado brasileiro sejam
analisadas de forma especial.
Não resta dúvida de que há amplo abuso do
poder de mercado por parte destas megacorporações globais, prova disso é o
número cada vez maior de decisões judiciais desfavoráveis a elas em diferentes
países. O rol de ações que podem ser consideradas anticompetitivas e que a
Fazenda quer coibir no Brasil é amplo, indo desde acordos de exclusividade,
passando pela autopreferência - os privilégios à oferta de produtos e serviços
da própria empresa em detrimento dos concorrentes em marketplaces -, até as
“killer aquisitions”, que ocorrem quando grandes companhias compram pequenos
negócios inovadores para evitar que, no futuro, estes se tornem concorrentes.
Há desafios, porém, para que a proposta de
regulação vire realidade. O primeiro deles é de ordem política. O Projeto de
Lei das Redes Sociais, outro tema urgente para o país, está parado na Câmara
dos Deputados desde abril, quando foi tirado de pauta após grande pressão das
plataformas sobre os parlamentares. Um acerto da Fazenda é focar exclusivamente
na regulação concorrencial, sem entrar no mérito de moderação de conteúdo, para
evitar que o projeto também acabe mofando nas gavetas de Brasília, em prejuízo
para os consumidores brasileiros. Será preciso também dotar o Cade, um tribunal
administrativo pouco acostumado a regular as operações diárias de empresas, de
capacidade de técnica e operacional para dar conta da missão. Prevê-se a
criação de uma unidade especializada e monitoramento das empresas em conjunto
com a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e a Autoridade Nacional de
Proteção de Dados (ANPD).
Ainda que mais debates e ajustes à proposta sejam necessários, deve haver celeridade para que a regulação entre em vigor e coíba o vale-tudo que hoje prevalece no mundo digital. O governo vai na direção correta ao apresentar um modelo intermediário entre o que existe nos EUA e na Europa, já que é preciso proteger os consumidores sem sufocar a inovação, uma das preocupações que uma regulação rígida e burocrática em excesso gera no setor privado. Além disso, o arcabouço regulatório deverá ser adaptável e dinâmico, capaz de se adequar a um setor da economia que vive sob mudanças constantes.
Faniquito de Maduro indica que algo de
correto o Brasil fez
Folha de S. Paulo
Ditadura ataca Itamaraty e Amorim após veto
no Brics; Lula, aliado até pouco tempo, trabalha com redução de danos
O governo de Luiz Inácio Lula da
Silva (PT)
preferiu o silêncio, ao menos até aqui, ao ser grosseiramente provocado
pela ditadura de Nicolás
Maduro. A convocação a Caracas do embaixador venezuelano no Brasil
—evidente sinal de contrariedade e primeiro passo para potencial rompimento de
relações bilaterais— não levou a uma medida recíproca do Itamaraty.
Tampouco mereceram reação do Palácio do
Planalto os impropérios emitidos em comunicado do regime contra o veto ao
ingresso da Venezuela no
fórum do Brics —um
acerto tardio da diplomacia
brasileira.
Em boa medida, o faniquito de Maduro ajuda
Lula no plano doméstico, ao explicitar a fissura em uma relação de cumplicidade
vexatória com o autoritarismo chavista. Só estarão incomodados petistas e
outras forças da esquerda nativa que até hoje fazem vista grossa para os
desmandos do aliado ideológico.
A quietude do governo tem seu sentido
diplomático. De um lado, evidencia que não caberá ao Brasil tensionar as
relações bilaterais ao ponto do rompimento. De outro, reforça a convicção de
que, embora a confiança em Maduro tenha acabado, ao menos um fio de diálogo há
de ser preservado ante interesses comuns das duas nações fronteiriças.
Trata-se de alguma redução de danos depois
que o governo Lula operou tolamente como fiador do Acordo de Barbados, de 2023,
pelo qual o ditador venezuelano prometeu eleições justas e transparentes neste
ano —e, para surpresa de quase ninguém, fraudou
de modo escancarado o resultado das urnas favorável à oposição.
A reação inicial brasileira foi cobrar a
divulgação das atas do pleito, o que nunca aconteceu, e não reconhecer a
vitória de Maduro. Depois, veio a negativa ao acesso da Venezuela ao Brics.
Houve razões adicionais para tanto. A onda de
repressão violenta a manifestações populares contra o resultado oficial da
eleição, com prisão e
tortura até de crianças, e a escalada de perseguição a políticos
oposicionistas não puderam ser ignoradas pela diplomacia brasileira.
Já os vitupérios do regime mergulham num
ridículo digno do pior populismo continental. Tome-se o comunicado da
chancelaria venezuelana na quarta (30), que acusa o Brasil de conspirar contra
a Venezuela, o Itamaraty de atuar a serviço dos Estados
Unidos e o embaixador Celso Amorim, assessor especial da
Presidência, de ser
um "mensageiro do imperialismo americano".
A paciência e a condução cautelosa da
diplomacia brasileira certamente continuarão a ser testadas pelo caudilho. O
desafio maior, porém, virá em janeiro, quando começa o novo mandato de Maduro,
e o Brasil terá de definir se e como manterá o diálogo bilateral com um governo
cuja legitimidade não reconhece.
Eis o saldo da reverência do PT e de suas
administrações a um regime que há muito solapou a democracia, destruiu a
economia e produziu miséria inaudita.
Mais e menos arriscadas cirurgias de catarata
Folha de S. Paulo
Alto número de pessoas que perderam a visão
em mutirões evidencia que gestores precisam aumentar controle de qualidade
De 48 pacientes submetidos à cirurgia de
catarata, no final de setembro deste ano, por meio de mutirão numa maternidade
em Parelhas (RN), ao menos 15 apresentaram quadro infeccioso e 8 tiveram de
remover o globo ocular.
Trata-se de fenômeno trágico silencioso, como
mostra levantamento da Folha. Nos últimos 15 anos, ao menos 276 pessoas
no país perderam a visão, parcial ou totalmente (incluindo retiradas
do globo ocular), em mutirões.
O número expõe precariedade técnica e em
infraestrutura e dificuldades para diminuir filas para cirurgias eletivas (não
urgentes) no sistema público de saúde.
O caso potiguar levou o Conselho Brasileiro
de Oftalmologia (CBO) a publicar um guia para gestores, profissionais de saúde
e a população com o objetivo de reforçar a proteção dos pacientes e evitar
eventos adversos graves em cirurgias de catarata por meio de mutirões.
De acordo com a entidade, os procedimentos
precisam ser feitos em estabelecimentos que têm histórico na prestação desse
serviço, de preferência em centros cirúrgicos oftalmológicos.
Unidades móveis, tendas ambulatoriais ou
ambientes hospitalares de outras áreas da saúde —como a maternidade em
Parelhas— são contraindicados porque aumentam consideravelmente os riscos de
infecção.
Ademais, o poder público deve diagnosticar a
real necessidade de oferecer esse modelo de atendimento rápido em larga escala.
Isso porque, segundo a presidente do CBO, Wilma Lelis, os efeitos da doença
podem ser diminuídos com uso de óculos, e a melhoria proporcionada pela
cirurgia se dá em qualquer período no qual o paciente seja operado.
O ideal seria que os procedimentos fossem
realizados utilizando a estrutura do SUS, que vem
expandindo o número de cirurgias de catarata. Em 2023, foram 896,1 mil, ante
411,5 mil em 2013. Mas a fila para esse procedimento é a maior entre as
cirurgias eletivas. No ano passado, 167,5 mil
pessoas estavam na espera.
Em janeiro de 2023, o governo
federal lançou o Programa Nacional de Redução das Filas (PNRF) para
cirurgias eletivas, consultas e exames. Segundo o Ministério da
Saúde, entre março e outubro do mesmo ano, o programa atingiu 72% da
meta de realização de procedimentos, com 350,2 mil.
Para que nenhum brasileiro perca a visão devido a uma cirurgia tão simples como a de catarata, gestores têm a obrigação de aliar quantidade e qualidade. O PNRF deve avançar, e mutirões precisam seguir as orientações técnicas com base em evidências.
Masoquismo diplomático
O Estado de S. Paulo
Enquanto Maduro sobe o tom das chacotas e
insultos não só contra Lula e Amorim, mas contra o Brasil, Lula e Amorim põem
panos quentes, provando que sua fidelidade canina resiste a tudo
A ditadura chavista da Venezuela jamais deu a
mínima para o Brasil de Lula da Silva, a não ser na exata medida de seus
interesses. Nicolás Maduro, como Hugo Chávez antes dele, aproveitou-se da
benevolência ideológica do lulopetismo enquanto aprofundava sua tirania. No
momento em que essa benevolência deixou de ser relevante para a Venezuela, que
hoje se ampara confortavelmente na suserania de Rússia e China, o Brasil passou
a ser humilhado publicamente e sem dó por Maduro.
No gesto mais recente de hostilidade, como
reação ao veto do Brasil ao ingresso da Venezuela no Brics, o déspota chavista
convocou o representante brasileiro na embaixada em Caracas para prestar
esclarecimentos e chamou seu embaixador em Brasília para uma consulta, o que,
na liturgia diplomática, é um último passo antes do rompimento. Os chavistas
demonstraram particular irritação com uma declaração de Celso Amorim, o
chanceler brasileiro de facto, segundo a qual há “um mal-estar” nas
relações entre Brasil e Venezuela desde que o regime venezuelano se recusou a
comprovar a alegada vitória de Maduro nas eleições presidenciais, como
solicitado pelo governo brasileiro. Para Caracas, Amorim, que jamais condenou
nem mesmo em termos brandos a evidente degeneração da democracia sob o regime
chavista, é nada menos que um “mensageiro do imperialismo norte-americano”.
O mínimo que o governo brasileiro deveria
fazer seria convocar seu embaixador em Caracas, num gesto de reciprocidade,
como sugere o protocolo diplomático. Mas até agora reina o mais absoluto
silêncio, como se já não fossem suficientes as seguidas agressões de Maduro ao
Brasil e a seu governo.
Maduro já acusou o Brasil de ter dado uma
“punhalada nas costas” por ter vetado a Venezuela no Brics. Além disso, já
mandou seus bate-paus intimidarem diplomatas brasileiros responsáveis pela
custódia da embaixada argentina em Caracas, disse que o sistema eleitoral
brasileiro é fraudulento e ameaça invadir um país vizinho, a Guiana, passando
pelo Brasil, se necessário.
Por muito menos, Lula da Silva condicionou um
encontro com o presidente da Argentina, Javier Milei, a um pedido de desculpas
do colega porque este o chamou de “corrupto” e deixou vago o posto de
embaixador do Brasil em Israel depois que o último ocupante do posto foi
supostamente humilhado pelo governo israelense.
À ditadura venezuelana, contudo, Lula dedica
as mais variadas vênias, numa espécie de masoquismo diplomático. Não faz muito
tempo, o presidente brasileiro estendeu o tapete vermelho a Nicolás Maduro. Na
ocasião, para espanto mesmo de governos de esquerda latino-americanos, criticou
“a narrativa que se construiu contra a Venezuela, de antidemocracia e do
autoritarismo” e sugeriu ao companheiro ditador que fabricasse uma “narrativa
infinitamente melhor do que a que eles têm contado contra você” e “virar esse jogo
para que a gente possa vencer definitivamente”.
Depois, quando a roubalheira da eleição
venezuelana já estava clara para o mundo todo, Lula afirmou não ter visto “nada
de anormal” naquela votação – celebrada pelo PT como uma “jornada pacífica,
democrática e soberana” que deu a “vitória” a Maduro. Depois, uma nota do Foro
de São Paulo subscrita pelo PT acusou as “forças de extrema direita” de “atacar
os resultados da eleição presidencial venezuelana e a vitória do presidente
Nicolás Maduro”.
O ditador Maduro, portanto, pode ficar
tranquilo. Aparentemente, não há insulto ou humilhação capaz de lanhar a
fidelidade canina de Lula, Amorim e seus sequazes ao regime chavista – que
ademais, não se pode esquecer, deve nada menos que US$ 1,5 bilhão ao Brasil e
aparentemente não tem a menor intenção de pagar. O máximo que pode acontecer é
um certo “mal-estar”, como sugeriu Amorim. Para isso, contudo, Maduro já deu o
remédio: é só tomar “chá de camomila”.
Cozinhando a anistia a Bolsonaro
O Estado de S. Paulo
Por vias tortas, Lira fez bem ao frear o
projeto que, a título de perdoar golpistas, livraria o ex-presidente. Ao País
interessa que os que vilipendiaram a Constituição não fiquem impunes
Em uma manobra política nada sutil, o
presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), criou uma comissão especial para
tratar do projeto de lei (PL) que concede anistia aos golpistas do 8 de
Janeiro. A decisão foi anunciada no dia em que se previa a votação da matéria
na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), onde a aprovação era dada como
certa, haja vista que a CCJ foi colonizada por bolsonaristas empedernidos, a
começar por sua presidente, Caroline de Toni (PL-SC).
Da CCJ, o projeto tóxico seguiria para o
plenário da Câmara, um problema para Lira no momento em que ele tenta construir
um consenso em torno do deputado Hugo Motta (Republicanos-PB) como seu sucessor
na presidência da Casa. Como se sabe, a anistia, ao menos em público, opõe PL e
PT, partidos fundamentais para o eventual sucesso da candidatura do ungido pelo
parlamentar alagoano.
Quem está minimamente familiarizado com os
métodos de Lira sabe que, quando ele decide criar uma comissão especial sobre
qualquer tema, sua intenção não é outra senão jogar a discussão desse tema para
as calendas. Logo, por vias tortas, ou seja, motivado por seu interesse
particular, não pelo interesse público, Lira acabou prestando um serviço ao
País ao tirar de circulação, ao menos por ora, um projeto de lei indecente que
nem sequer deveria ter sido proposto caso houvesse mais respeito pela
Constituição de 1988 neste país – e, tendo sido, jamais deveria ter chegado tão
longe, a ponto de ser discutido com espantosa naturalidade.
Que fique claro: não há vivalma em Brasília
genuinamente preocupada com o infortúnio jurídico-penal da horda que assaltou a
Praça dos Três Poderes naquele dia fatídico. Esse projeto de anistia visa a
livrar a cara de apenas uma pessoa: Jair Bolsonaro.
Não foi por outra razão que Bolsonaro
resolveu fazer uma blitz no Congresso no dia 29 passado – ao que parece, sem
ter sido convidado por ninguém. No afã de demonstrar ter uma força política
como outrora já teve, o ex-presidente disse para quem quisesse ouvir que
“apoiou” a criação da tal comissão especial porque nela vê a “oportunidade” de
negociar a inclusão de seu nome entre os anistiados – afinal, o nome de
Bolsonaro não é mencionado no projeto de anistia original, e nem poderia, pois
o ex-presidente nem sequer é réu, que dirá condenado no processo sobre a
tentativa de golpe que tramita no Supremo Tribunal Federal (STF).
Nessa tentativa de afetar uma relevância
política que sua condição de inelegível desmente, Bolsonaro, ao contrário,
sinalizou fraqueza, para não dizer desespero. São esperadas para breve a
conclusão do inquérito da Polícia Federal (PF) sobre o 8 de Janeiro e a
subsequente manifestação da Procuradoria-Geral da República, que pode culminar
no oferecimento de denúncia contra Bolsonaro ao Supremo. O ex-presidente sabe
que o tempo não joga a seu favor no campo jurídico, o que explica sua ânsia de
aparentar um protagonismo político sem o qual, é certo, não apenas verá mantida
sua inelegibilidade, sem anistia alguma, como, para piorar, sentirá a espada da
Justiça penal cada vez mais pesada sobre sua cabeça.
No seio da sociedade, é perfeitamente
discutível se as penas impostas pelo STF a alguns golpistas foram compatíveis
com a gravidade dos crimes que cometeram. Há não poucos casos de sentenças de
até 17 anos de prisão em regime fechado. O que é absolutamente inconstitucional
é o Congresso se arvorar, por meio desse projeto de lei, em revisor de decisões
do Poder Judiciário por percebê-las como “excessivas”. Numa República, isso é
inconcebível por ferir de morte o princípio da separação de Poderes. Ademais, a
prosperar esse projeto absurdo, o Congresso abastardaria o instituto da anistia
em nome de um bando que decidiu se insurgir contra um resultado eleitoral
legítimo.
Que Lira, Motta, Valdemar Costa Neto,
Bolsonaro e até parlamentares do PT tenham concordado com o adiamento da
tramitação do PL da Anistia diz muito sobre o que os motiva. Para o País, é
inaceitável o perdão aos golpistas. Todos eles.
As ‘masmorras’ do Brasil
O Estado de S. Paulo
Alta incidência de tuberculose em prisões
expõe um Brasil que reluta em sair do atraso
A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) publicou
uma pesquisa na revista The Lancet Public Health há poucos dias
demonstrando que cerca de 37% dos casos de tuberculose no Brasil têm origem na
transmissão do bacilo de Koch em prisões. Dos 85.523 casos de tuberculose
registrados no País entre 1990 e 2019, período base para o estudo, 31 mil casos
estão diretamente relacionados ao contágio intramuros.
Combinados, esses dois fatores – as condições
subumanas em que vivem os presos sob custódia do Estado e a alta incidência nas
prisões de uma doença contagiosa para a qual, vale lembrar, há vacina para
prevenir consequências mais graves – expõem um Brasil que reluta em sair do
atraso.
O estudo da Fiocruz, realizado em parceria
com instituições da Colômbia e do Peru, cruzou dados sobre encarceramento e
incidência de tuberculose dos seis países que, juntos, concentram 80% da
população carcerária e registram o maior número de casos de tuberculose na
América Latina: Argentina, Brasil, Colômbia, El Salvador, México e Peru.
Malgrado ser a maior economia e o país mais desenvolvido da região em diversas
áreas, o Brasil só não está em pior situação do que El Salvador. Uma vergonha.
Aqui não se está tratando “apenas”, por assim
dizer, de uma tragédia isolada na área da saúde pública. Está-se diante de mais
um sintoma de um problema estrutural muito mais grave: a degradação do sistema
prisional brasileiro. Por variadas razões, algumas impublicáveis, impera no
Brasil uma máxima segundo a qual quanto piores forem as condições de vida dos
apenados, ou mesmo dos presos provisórios, melhor para a sociedade – ou pelo
menos para aquela parte da sociedade que confunde justiça com vingança. É como
diz um conhecido aforismo: “O grau de civilização de uma sociedade pode ser
medido pela maneira como trata seus prisioneiros”.
As prisões brasileiras, frequentemente
tratadas como “masmorras”, são conhecidas pela superlotação e por suas
condições insalubres, e não apenas para os internos, mas também para os
servidores do sistema penitenciário. A superlotação, em particular, é corolário
de uma política de encarceramento massivo que, nas últimas três décadas, fez a
população carcerária saltar de cerca de 90 mil para 755.274 presos – a maioria
homens, pretos e pobres condenados por tráfico de drogas envolvendo pequenas
quantidades de entorpecente.
Como não houve as devidas adequações de
infraestrutura predial para acomodar esse crescimento vertiginoso da população
carcerária, era óbvio que a aglomeração de indivíduos em condições precárias
logo transformaria as prisões em focos de transmissão de doenças, e não só
respiratórias. A tuberculose, tão temida no início do século 20, é só uma
dessas moléstias.
Se, no que concerne à segurança pública, a
submissão dos presos a um regime de tratamento degradante não se reverte em
mais tranquilidade para a sociedade em geral, o mesmo vale para a saúde
pública. O absoluto descaso do Estado com as condições sanitárias dos presídios
– não só tolerado, como apoiado por essa mesma sociedade – expõe toda a
população ao risco de contrair doenças que, há muito, deveriam estar extintas.
Novembro Azul, a vez dos homens
Correio Braziliense
O câncer de próstata, segundo tumor mais
incidente entre os homens (perde apenas para o de pele), mata em média 47
brasileiros diariamente
Passado o Outubro Rosa, chegamos ao Novembro Azul e
suas campanhas e orientações sobre a saúde masculina. A revista The Lancet,
uma das publicações científicas mais renomadas do mundo, divulgou recentemente
um estudo desenvolvido pela Comissão de Câncer de Próstata que prevê, até 2040,
a duplicação global de casos da doença, chegando a 2,9 milhões de pessoas
diagnosticadas, assim como um aumento de 85% no número de óbitos , chegando a
700 mil por ano. Trata-se de um prognóstico que vai no sentido contrário à
evolução dos avanços no tratamento da doença.
O câncer de
próstata, segundo tumor mais incidente entre os homens (perde apenas
para o de pele), foi responsável, em 2023, por 17.093 mortes no Brasil — uma
média de 46 óbitos por dia —, segundo o Sistema de Informações sobre
Mortalidade do Ministério da Saúde. Grande parte desses números se deve ao
aumento da expectativa de vida dos brasileiros e aos diagnósticos tardios, o
que limita as opções de tratamento, dificultando a remissão da doença.
Para a campanha Novembro Azul, a Sociedade
Brasileira de Urologia (SBU) preparou um material que reforça a importância da
realização de exames de rotina, assim como do acompanhamento por especialista,
evitando o câncer de próstata ou permitindo que ele seja descoberto em estágio
inicial. Nesses casos, as chances de cura são maiores, podendo chegar a
Embora nas capitais brasileiras e polos mais
populosos o serviço prestado pelo Sistema Único
de Saúde (SUS) inclua atendimentos para casos de câncer de
próstata, é grande a parcela de municípios sem estrutura adequada de
assistência a esses pacientes. Em alguns casos, nem a informação correta chega
à população. Além disso, o fator sociocultural — que contribui para que os
homens não cuidem da saúde geral e não façam exames específicos, como o toque
retal — interfere em alto grau nas estatísticas.
Fato é que a saúde masculina é subestimada
pelos próprios envolvidos. Um outro levantamento realizado pela SBU sobre a
percepção do homem a respeito da sua saúde mostra que somente 32% dos
entrevistados acima de 40 anos se consideram realmente preocupados com a
própria saúde e 46% só vão ao médico quando sentem algo. Em se tratando do
câncer de próstata, porém, a maioria dos casos é assintomática nas fases
iniciais.
É fundamental, portanto, que os governos
tracem estratégias que possam lidar com essa atitude masculina, ou a falta
dela. Mas não bastam apenas campanhas ou iniciativas esparsas comandadas por
entidades ligadas ao SUS. É preciso uma mudança de costumes. A adoção de
melhores hábitos de vida, incluindo atividade física e alimentação adequada,
aliada ao frequente acompanhamento e intervenção médica, se for necessária, são
cuidados imprescindíveis e que dependem também de um comprometimento
individual. Caso contrário, as previsões para 2040 se tornarão uma realidade
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