Valor Econômico
Parlamentares esticam a corda com o Supremo ignorando o risco de um desfecho policial
Eram 16h desta segunda-feira quando o senador Marcos Rogério (PL-RO), vice-presidente da Comissão de Constituição e Justiça, abriu a sessão em que seria feita a leitura do relatório do senador Eduardo Braga (MDB-AM) da regulamentação da reforma tributária. Fechou 10 minutos depois, quando o painel registrava presença de seis senadores, sendo dois governistas. Alegou que as deliberações precisam de 14 dos 27 senadores do colegiado, mas a leitura do relatório poderia ter sido feita enquanto o quórum se adensava, mas não havia lideranças governistas para o alerta. Quando o relator chegou, o plenário estava vazio.
Ao meio-dia, o ministro do Supremo Tribunal
Federal Flavio Dino havia respondido ao pedido da Advocacia-Geral da União para
que reconsiderasse decisão que exigia o cumprimento dos preceitos
constitucionais de rastreabilidade e transparência para a liberação de emendas
de relator e de comissão, de identificação individual das emendas de bancada e
de plano trabalho para as emendas “Pix”. Dino rejeitou 100% das demandas. Não
citou apenas a Constituição e as decisões do STF. Valeu-se da própria lei
aprovada pelo Congresso para mostrar que a petição da AGU, sob pressão do
Congresso, a infringia.
Uma hora depois, os juros futuros disparavam,
o dólar virava a queda registrada pela manhã e já subia. Encerrou em alta de
0,18% (R$ 6,08). Às 15h, Dino mandou divulgar, no Portal da Transparência,
todos os dados enviados pelo Congresso sobre o pagamento das emendas de relator
e de comissão. A decisão se baseou em relatório da Controladoria-Geral da União
dando conta de dados insuficientes para aferir a autoria de emendas. O ministro
deu cinco dias para o Congresso se manifestar. As inconsistências lá apontadas,
disse Dino, “são incompatíveis com a elevada qualidade do corpo técnico da
Câmara e do Senado”.
Ao optar por permanecer no Amapá e se
ausentar da sessão da CCJ que leria o relatório da reforma tributária, o
presidente do colegiado, senador Davi Alcolumbre (União), deu a senha. Como o
senador é o crupiê da Casa, sua ausência traduziu a insatisfação com a decisão
de Dino farejada no fim de semana.
Naquela tarde ainda, a Advocacia Geral da
União começou a redigir a portaria com a qual o governo pretende acender uma
vela a Deus e outra ao diabo. Ou seja, por um lado, a edição das normas
atenderia à decisão de Dino de fincar pé nas exigências constitucionais e, por
outro, permitiria a liberação das emendas cujo valor varia de R$ 17,5 bi a R$
30 bilhões, conforme a origem das contas.
A portaria atenderá apenas 2024, ficando 2025
para quando o carnaval passar. O Congresso já está em ritmo de folia. No
Orçamento a ser votado até o fim do ano, os parlamentares não atendem nem mesmo
a lei que aprovaram. As emendas de bancada lá indicadas para 2025 são
paroquiais, não atendem à exigência de que se destinem a projetos
estruturantes.
E não apenas. As leis orçamentárias de 2025
acresceram um novo puxadinho. Além das emendas individuais, de comissão, de
bancada e da tramitação “Pix”, surgiu agora uma “emenda de mesa”. Talvez por
isso, o presidente da Comissão Mista de Orçamento, deputado Julio Arcoverde
(PP-PI), disse a Raphael di Cunto e Marcelo Ribeiro, do Valor, que a decisão de Dino
não afetaria o calendário de votação das leis orçamentárias. Pudera.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva
concluiu que não dava para ficar fora do salseiro. Às 17h chamou ao Palácio do
Planalto, os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo
Pacheco (PSD-MG), para comunicar a portaria em curso e sondar os ânimos nas
Casas para aprovação do ajuste fiscal. Às 19h, ao deixar o Palácio, Lira
convocou reunião dos líderes. É a eles que tem sido atribuída grande parte da
barulheira em curso. Na equação de poder pós-Lira, os líderes retomarão
prerrogativas que o marco legal das emendas confirmou. São eles que encabeçam a
resistência à transparência que desnudará a fatia traduzida em cifras de seus
novos poderes na futura gestão Hugo Motta (Republicanos-PB).
Não se espere que Lula se insurja contra o
STF. O presidente nunca abandonou a avaliação, que data da campanha de 2022, de
que, dominado como está pelo Congresso, o Orçamento deixou o país ingovernável.
Somem-se a isso os processos em mãos dos ministros da Corte relativos à
execução de emendas. Muitos já tramitam com quebra de sigilo bancário. O rombo
no erário que escancaram move a unanimidade da Corte em torno de Dino. Recado
mais claro impossível.
Não bastasse a praça de guerra montada entre
os Poderes, Lula tem um problemão dentro de casa. Na sexta à noite, o
presidente participou remotamente de um seminário do PT porque estava em São
Paulo para um jantar do Prerrogativas em homenagem à primeira-dama Janja da
Silva. No dia seguinte, sua tendência no partido passou um sufoco.
A “Construindo um Novo Brasil” ganhou a queda
de braço na aprovação da resolução política do partido por pouco. A resolução
vitoriosa, que preserva o pacote fiscal e sinaliza apenas uma preocupação com o
torniquete de acesso ao Benefício de Prestação Continuada, teve 42 votos. A
oposição interna conseguiu 38. E houve sete abstenções. O placar, no mínimo,
sinaliza as dificuldades que o prefeito de Araraquara, Edinho Silva, nome
preferido de Lula e do ministro Fernando Haddad, terá para presidir o partido.
Corroboram para a trinca de votações-chave (Orçamento, reforma tributária e ajuste fiscal) a necessidade de Lira e Pacheco manterem o canal com o Palácio do Planalto com o qual garantirão seu futuro político. E ainda a pressão de outra trinca (juro, inflação e dólar). Questionado por um interlocutor se não interessaria ter no currículo a reforma tributária, uma liderança parlamentar não poderia ter sido mais clara: “Ninguém aqui está ligando para currículo”. A alternativa é a ficha corrida.
A "FESTA SELMA DA FICHA CORRIDA" podia começar logo; hoje, por exemplo...
ResponderExcluir3, 4 ou meia dúzia dos deputados federais e outros 3, 4 ou meia dúzia de senadores em cana antes do recesso dariam um tom bem mais esclarecido e propício a negociações e acordos entre Congresso e Executivo, obedecidas as determinações do STF, não acham?