O Globo
STM deu uma contribuição original às ciências
jurídicas: inventou o fuzilamento com 257 tiros sem intenção de matar
O Superior Tribunal Militar deu uma
contribuição original às ciências jurídicas. Inventou o fuzilamento com 257
tiros sem intenção de matar. A Corte livrou os oito militares que metralharam o
músico Evaldo Rosa e o catador Luciano Macedo. Eles destruíram duas famílias e
vão passar o Natal em casa, salvos pelo corporativismo fardado.
O crime aconteceu em abril de 2019. Era um domingo de sol, e Evaldo levava mulher, sogro, filho e afilhado para um chá de bebê no subúrbio do Rio. Assim que o carro passou por um veículo do Exército, os agentes abriram fogo. O músico foi atingido e morreu na hora. O catador se aproximou para socorrê-lo e também foi alvejado.
A primeira reação da caserna foi culpar as
vítimas. Em nota, o Comando Militar do Leste chamou Evaldo de “assaltante” e
narrou um tiroteio inexistente, em que os militares teriam revidado uma
“injusta agressão”. Desmentido por testemunhas e pela polícia, o Exército
admitiu “inconsistências”, mas não se desculpou pela mentira.
O então ministro da Defesa, general Fernando
Azevedo, classificou o episódio como um “lamentável incidente” e disse que a
Justiça Militar estava pronta para “cortar na carne”. Quem confiou na promessa
deve acreditar que o 8 de Janeiro foi um piquenique de senhoras.
Em 2021, oito militares foram condenados em
primeira instância a até 31 anos de prisão. Nesta quarta, o STM reformou a
sentença e reduziu as penas para apenas três anos em regime aberto. Os réus
foram absolvidos pela morte de Evaldo, fuzilado diante do filho de 7 anos. No
caso de Luciano, a Corte considerou que não houve dolo: os agentes teriam
mirado e disparado 257 vezes sem o objetivo de matar.
Prevaleceu o voto do brigadeiro Carlos
Augusto Amaral, que classificou o massacre de civis inocentes como um “erro
plenamente justificado pelas circunstâncias”.
A viúva de Evaldo, Luciana Santos, entendeu o
recado dos ministros do STM. “Eles agiram da mesma forma que os militares que
atiraram contra o meu carro. Se sentem superiores, se sentem melhores”,
desabafou. “Já imaginava que seria um julgamento difícil. Que, sendo militares
julgando militares, iriam favorecer o lado deles.”
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