Folha de S. Paulo
A escolha do governo é empurrar com a barriga
o problema estrutural
Mercado financeiro e economia real parecem
realidades discrepantes: de um lado, dólar passando
de R$ 6, inflação fora
da meta e juros futuros chegando a 15% ao ano; do outro, desemprego na mínima
da série histórica a 6,2% e crescimento do PIB fechando 2024 perto de 3,2%.
A divergência, contudo, é só na aparência. Na realidade, ambos têm a mesma causa: é o gasto do governo que, ao mesmo tempo, aquece a economia e piora a perspectiva das contas públicas, levando ao pessimismo do mercado. Com o pessimismo, o real perde valor, a inflação sobe e o Banco Central tem que aumentar os juros.
A esta altura, fica clara a seriedade
de Haddad em
perseguir a meta fiscal de maneira responsável, tanto do ponto de vista
econômico quanto social. O que não inspira confiança é a disposição de Lula em
implementar o que a Fazenda propõe. Depois de um mês de prazos quebrados e
muita protelação, finalmente veio a público um pacote de corte de gastos bem
modesto.
Proposta atrás de proposta foi rejeitada
pelos diversos ministérios, inclusive com ministro ameaçando sair do cargo.
Levaram a parada. O que sobrou, como o próprio Haddad reconhece, talvez nem
chegue à economia de R$ 70 bilhões em dois anos. Beneficiários de BPC e
auxílio-doença não param de crescer e diversas das medidas —como as que mexem
com supersalários, com militares ou com o Congresso— têm boa chance de serem
atenuadas no Congresso.
Na falta de novos cortes anunciados em 2025,
ou teremos contingenciamento ou outro déficit primário. Com isso em mente, fica
claro que protestos contra a "austeridade" estão fora da realidade.
Os temidos cortes na Educação e Saúde, por
exemplo, não seriam cortes; seriam apenas crescimento de gastos numa taxa
menor. No caso, pela proposta que o governo rejeitou, cresceriam dentro dos
limites da regra de gasto que o próprio governo criou. Isso nem deveria ser
polêmico; é uma necessidade matemática, que terá de vir mais cedo mais tarde,
antes que essas rubricas esgotem o espaço do Orçamento.
O sinal de que uma regra fiscal é eficaz é
ela exigir escolhas dolorosas. Caso contrário, não estaria limitando nada. A
escolha do
governo Lula foi fazer o mínimo nos próximos dois anos e empurrar com
a barriga o problema estrutural, que ficará maior. Enquanto isso, o
Congresso também finge que não tem nada a ver com a história, aprova
isenções e ambiciona emendas sempre maiores.
Isso torna o investimento no Brasil mais
arriscado, e os custos sociais do risco fiscal começam a ser sentidos: com o
dólar nas alturas, os alimentos são os primeiros a subir de preço, afetando os
mais pobres. As expectativas negativas "do mercado" não demoram a ser
sentidas na economia real. Se o governo mira o mínimo, há uma boa chance de não
entregar nem isso.
E, mesmo que fizer, dependeremos de uma
improvável estabilidade do mundo. Com Trump fazendo ameaças comerciais,
inclusive contra o Brasil, e com a natureza preparando novos eventos climáticos
extremos, fazer só o mínimo traz uma boa dose de risco. O consolo é saber que,
caso o governo perca o controle, o Brasil sofra com a volta da inflação crônica
e o PT perca
em 2026, ele não criará obstáculos para a transição pacífica do poder. É o
mínimo, mas, hoje em dia, não é pouca coisa.
Verdade.
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