sábado, 10 de fevereiro de 2024

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Maioria no STF impõe retrocesso às relações trabalhistas

O Globo

Exigir ‘justificativa’ para demissão de funcionários concursados das estatais cria risco de judicialização

Em julgamento suspenso na quarta-feira, o Supremo Tribunal Federal (STF) rejeitou o recurso de um grupo de funcionários demitidos do Banco do Brasil em 1997 que tentavam ser readmitidos. Mas a maioria dos ministros decidiu que a demissão, no caso de funcionários de estatais concursados — e contratados com base na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) —, só poderá ser realizada mediante justificativa. Será marcada nova sessão para o plenário formular uma tese geral definindo que tipo de justificativa seria aceitável. Independentemente da tese que seja adotada, é evidente o risco de judicialização, com ex-funcionários recorrendo de demissões que considerem injustas.

Merval Pereira - As instituições estão funcionando?

O Globo

Vivemos uma espécie de democracia do tipo jabuticaba brasilienses, que só com muita boa vontade parte de nós, brasileiros, compreende

As instituições brasileiras estão realmente funcionando, como gostamos de dizer, diante das inúmeras crises institucionais que enfrentamos nos últimos anos? Aparentemente, sim, mas com distorções que a qualquer momento cobrarão seu preço. Vivemos uma espécie de democracia do tipo jabuticaba brasilienses, que só com muita boa vontade parte de nós, brasileiros, compreende.

Ponto delicadíssimo desse simulacro de democracia é a participação dos militares na tentativa de golpe. Louvam-se as Forças Armadas porque não aderiram, exige-se a condenação dos que aderiram, mas esquecemos de que as omissões de oficiais graduados, não denunciando os que conspiravam, e permitindo o acampamento de golpistas em frente aos quartéis pelo país, tudo faz parte do mesmo corporativismo nocivo às instituições brasileiras.

Todos os ministros que estavam naquela reunião revelada em vídeo oficial e não pediram demissão, militares ou não, são igualmente culpados. Os sinais trocados vêm de muito tempo, não é de agora, e poderão ser trocados novamente, de acordo com os ventos políticos. Só essa possibilidade já demonstra que não vivemos em uma democracia genuína, mas em um simulacro de democracia, que serve aos que estão momentaneamente no poder.

Pablo Ortellado - O contorno geral da trama

O Globo

Falta ainda compreender em todos os detalhes a participação de Jair Bolsonaro no complô

A decisão do ministro Alexandre de Moraes sobre as movimentações golpistas, divulgada na última quinta-feira, desvelou inúmeros fatos novos. Os detalhes são tantos e tão chocantes que, às vezes, perdemos o contorno geral da trama.

Olhando com atenção o documento, e combinando os fatos revelados com outros que já conhecíamos, vemos se formar, grosso modo, duas linhas de atuação da movimentação golpista: de um lado, tentativas institucionais e paralegais para reverter o resultado das eleições; de outro, mobilizações de massa de caráter insurrecional buscando criar instabilidade social. Em paralelo, uma campanha de pressão sobre o comando das Forças Armadas, cujo apoio era decisivo, tanto num caso como no outro.

A primeira linha é a que leva ao documento que ficou conhecido como “minuta do golpe”. O termo se popularizou para descrever um insólito decreto de Estado de Defesa na sede do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para “restabelecer a lisura” do processo eleitoral, suspendendo o sigilo dos ministros do TSE e criando uma comissão de regularidade eleitoral presidida pelo Ministério da Defesa. Essa minuta foi encontrada na casa de Anderson Torres, que foi ministro da Justiça de Jair Bolsonaro. Aparentemente, essa foi apenas uma entre outras minutas (esboços) que buscavam diferentes caminhos paralegais para um golpe de Estado.

Carlos Alberto Sardenberg - Um baita equívoco

O Globo

Bolsonaro não poderia ter sido mais sincero quando disse que a eleição de um deputado do baixo clero, desprezado, só pode ter sido um engano

Dia desses eu estava num hospital em São Paulo, para exames. Na sala de espera, já com as desagradáveis agulhas enterradas na veia e aquele uniforme de paciente, aproxima-se um senhor, na mesma condição, e me pergunta direto:

— Como vai o nosso Brasil?

Mal-humorado, falei qualquer coisa vaga e já ia voltando para o celular quando o cidadão, em voz já alterada, atacou:

— Como vocês da imprensa não percebem? Já estamos na ditadura. No comunismo!

De humor piorado, respondi:

— Ora, que besteira!

Hélio Schwartsman - Tudo o que era sólido...

Folha de S. Paulo

STF foi bem no combate ao golpismo, mas deixa a desejar na promoção da estabilidade jurídica

Hoje, começo com Marx. "Tudo o que era sólido se desmancha no ar, tudo o que era sagrado é profanado, e as pessoas são finalmente forçadas a encarar com serenidade suas posições e relações uns com os outros."

As investigações que parecem comprometer em definitivo Bolsonaro são, ao que tudo indica, resultado da delação premiada do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens do ex-presidente. A pergunta que se impõe é se essa colaboração com as autoridades foi livre e espontânea. Se não foi, um Toffoli do futuro poderá anular tudo, até uma eventual condenação de Bolsonaro, com base na ausência de voluntariedade.

Dora Kramer - A hora e a vez dos tubarões

Folha de S. Paulo

Peixes grandes do golpe terão penas mais graves que as dadas à horda de bagres ensandecidos

Era questão de tempo. Pela dimensão do caso, não demorou. Levou um ano e um mês até que a Polícia Federal batesse às portas dos tubarões envolvidos na conspiração golpista, cujo ápice deu-se de maneira atabalhoada no dia 8 de janeiro de 2023.

Vemos uma resposta a quem reclamava que as investigações, processos e condenações alcançavam apenas os peixes pequenos executores da depredação nas sedes dos três Poderes, destinada a provocar a conturbação da ordem e daí a ruptura institucional.

Alvaro Costa e Silva - Sambódromo do Brizola: a loucura que deu certo

Folha de S. Paulo

Passarela do samba completa 40 anos colecionando apoteoses

Quarenta anos de Sambódromo. A palavra —que o dicionário Houaiss registra como criação de Darcy Ribeiro— é uma das mais feias da língua portuguesa. Mas acabamos nos acostumando e até gostando dela e do seu som quadrado, como batuque no cimento. Também não parece mais tão monstruosa, hoje, a estrutura de concreto erguida em apenas quatro meses.

Ao longo do tempo o Sambódromo se humanizou, apesar dos carros alegóricos que podem chegar a 22 metros e exibem mais tecnologia que criatividade. Cada amante dos desfiles passou a colecionar momentos inesquecíveis, os quais podem ter se desenrolado fora da passarela —o ex-presidente Itamar Franco, de topete carnavalesco, ao lado da modelo Lilian Ramos, de camiseta e sem calcinha, num camarote.

Adriana Fernandes - Negociação da MP da reoneração se arrasta e empresários culpam Pacheco

Folha de S. Paulo

Desde o começo do ano, resultado das reuniões de Haddad se repete com pequenas variações sobre o mesmo tema

negociação política da MP (medida provisória) da reoneração da folha de pagamentos de 17 setores da economia e das prefeituras anda em círculos há um mês.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) baixou a MP faltando dois dias para o fim de 2023, com a estratégia de ganhar tempo na costura política com o Congresso.

E o ministro Fernando Haddad (Fazenda) vem conseguindo até agora o que precisa com a ajuda do presidente do SenadoRodrigo Pacheco (PSD-MG).

Desde as primeiras semanas do ano, o resultado das reuniões de Haddad se repete com pequenas variações sobre o mesmo tema.

A negociação com Pacheco está centrada em três pontos:

Luiz Gonzaga Belluzzo* - Guido Mantega e tropeços da mídia

CartaCapital

Os dados não confirmam a narrativa dos mercadistas, mas atestam o êxito da gestão do ex-ministro

Sábado, 27 de janeiro, entrego-me à leitura do jornal Folha de S.Paulo. A manchete de primeira página anunciava: “Reação negativa faz Lula desistir de ter Mantega na Vale”. À estrondosa manchete seguiam-se comentários dos jornalistas incumbidos de produzir a matéria.

Nessas deambulações, os profissionais da mídia oferecem aos leitores considerações a respeito das circunstâncias que cercaram as desistências do presidente Lula e do ex-ministro da Fazenda Guido Mantega. Lá pelas tantas, o leitor é abalroado por uma informação que não se coaduna com os fatos.

Bolívar Lamounier* - O panorama visto da ponte

O Estado de S. Paulo

Tenho para mim que o grande problema do País é não termos no Congresso uma sólida espinha vertebral, um grande partido de centro, sério, competente e de orientação liberal

O Brasil, como sabemos, é um país onde qualquer coisa pode acontecer – inclusive nada. Este ano começou com um rotundo nada. Ou, se preferem, com um pouco menos que nada. No que diz respeito ao Orçamento, começamos com um déficit de R$ 232 bilhões, dos quais R$ 57 bilhões se referem às chamadas “emendas parlamentares”. Para quem, como nós, já está acostumado, não é grande coisa. Ou, por outra, é grande coisa porque estamos falando só deste ano – ano eleitoral, não custa lembrar. No início do próximo ano, Brasília estará se contorcendo como sempre, na esperança de promover um empate entre a arrecadação e a despesa. Tentando pensar num prazo mais longo – 15 anos, digamos –, o que temos, por enquanto, é uma célebre inspiração literária: “o futuro a Deus pertence”.

Dom Odilo Pedro Scherer* - Amizade social

O Estado de S. Paulo

Tema da Campanha da Fraternidade deste ano vem em boa hora, considerando o contexto de polarização ideológica e política que se vive, não só no Brasil

Como ocorre há 60 anos, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) promove a Campanha da Fraternidade durante o período da Quaresma, que vai da Quarta-feira de Cinzas até às vésperas da Páscoa. Desta vez, o tema é “fraternidade e amizade social” e o lema, “vós sois todos irmãos e irmãs” (cf. Mateus 23,8).

O principal objetivo da Campanha da Fraternidade é despertar e promover mais e mais a fraternidade entre todos, a superação dos conflitos e suas causas, a convivência harmoniosa entre as pessoas, não apenas no âmbito interno das comunidades da Igreja, mas em toda a sociedade. E não parece um objetivo pequeno nem banal, mais ainda em tempos de polarização, acirramento dos conflitos e de fechamento em bolhas autorreferenciais. O tema remete logo à encíclica Fratelli Tutti, do papa Francisco (2020).

Desde os filósofos clássicos gregos, a amizade foi vista como um fator de bom convívio das pessoas e de integração harmônica da comunidade humana. Sócrates ensinou que a amizade é capaz de vencer todos os obstáculos para unir corações e, graças a ela, as pessoas preferem possuir menos, vivendo em paz, do que conquistar tudo pela guerra. Para Platão, a amizade vai além de uma tendência natural, sendo fruto da afinidade em base a valores comuns, em torno dos quais a cidade pode viver de maneira virtuosa e superar seus problemas. Aristóteles, na sua Ética a Nicômaco, trata mais longamente da amizade, ensinando que ela é o vínculo social por excelência, que mantém a unidade entre os cidadãos de uma mesma cidade, ou entre os companheiros de um mesmo grupo. Para o filósofo, a amizade é capaz de humanizar e aperfeiçoar as relações entre as pessoas e o convívio político. Também Santo Tomás de Aquino, seguindo a linha de Aristóteles, deu destaque à amizade como virtude política necessária à boa convivência em sociedade.