terça-feira, 30 de abril de 2024

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Primeiro trimestre não autoriza relaxamento fiscal

O Globo

Resultado primário, mesmo positivo, ficou aquém do registrado em 2023, e as perspectivas são desafiadoras

Há menos de um ano, o governo aprovou no Congresso um novo arcabouço fiscal, prometendo zerar o déficit público em 2024, obter superávits de 0,5% do PIB em 2025 e 1% em 2026. Neste mês os objetivos foram afrouxados. Mesmo assim, o ajuste continua desafiador. O resultado do Tesouro Nacional divulgado ontem não traz motivo para otimismo. As contas fecharam o primeiro trimestre com superávit de 0,7% do PIB, abaixo do resultado de 1,2% do ano passado. E a situação é passageira. A trajetória projetada para a dívida é de alta, e não há sinais de estabilização.

O endividamento brasileiro tem múltiplas causas. É comum considerar que o principal responsável é o Legislativo. As regras eleitorais incentivam cálculos individualistas dos parlamentares. É preciso vencer candidatos dentro do próprio partido e derrotar outras legendas. Isso explica a ânsia com que parlamentares lutam por benefícios para suas bases ou para favorecer financiadores de campanha. O ímpeto é gastar mais e mais, sem se preocupar com as consequências. “Este Parlamento com viés pró-déficit ganhou crescente poder em relação ao Executivo ao longo das últimas décadas”, afirmam os economistas Marcos Mendes e Rogério Nagamine em artigo recente. Só no ano passado, 26% dos vetos presidenciais apreciados pelo Congresso foram derrubados. Não é à toa que a atual crise em Brasília se dê em torno de vetos presidenciais e pautas-bombas.

Merval Pereira - Com quem será?

O Globo

A disputa se dará entre os espectros de centro partidário, à esquerda e à direita, mas tanto o presidente quanto Bolsonaro têm de se preocupar com esses eleitores desde já

O ex-presidente Bolsonaro parece ter escolhido caminho distinto daquele que Lula tomou na eleição presidencial de 2018, quando deixou para o último instante a aceitação de que não poderia se candidatar por, tendo sido condenado em órgão colegiado, ser considerado ficha-suja. Foi só em 1º de setembro, quando o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) recusou um último recurso, que oficialmente o nome de Fernando Haddad foi incluído na urna eletrônica. A campanha oficial petista teve cerca de 40 dias.

Bolsonaro já deu ontem o primeiro sinal de admitir que não poderá se candidatar em 2026. Num comício público, ao lado dos governadores de Goiás, Ronaldo Caiado, e de São Paulo, Tarcísio de Freitas, o ex-presidente tratou de acalmar seus seguidores:

— Se eu não voltar um dia, fiquem tranquilos, plantamos sementes ao longo desses quatro anos.

Estava no Agrishow, evento dominado por seus apoiadores do agronegócio.

É verdade que a fala de Bolsonaro segue uma orientação de seus conselheiros políticos, antes revelada pela imprensa. Ele foi aconselhado a dar apoio a vários potenciais candidatos, até mesmo à sua mulher, Michelle, para esvaziar a força do governador paulista, tido como melhor candidato para substituí-lo pelas pesquisas de opinião.

Míriam Leitão - A política fiscal está sob ataque

O Globo

Governo se depara no momento com cenário internacional pior e sucessivas propostas do Congresso para aumento de gastos

A credibilidade da política econômica está sob ataque. São medidas sucessivas que vão aos poucos corroendo a confiança de que o rumo traçado será seguido. Só para ficar nos últimos acontecimentos: o governo e o Congresso aprovaram a antecipação de um gasto de R$ 15 bilhões, a Fazenda aceitou fazer uma negociação do Perse, com esperança de mitigar os danos, só que agora o parlamento quer elevar o custo da renúncia fiscal. Dependurar prefeituras no projeto de desoneração aumentou o custo do benefício fiscal e, além disso, tirou a lógica da proposta que é estimular o emprego. A Fazenda deu sinais positivos para a renegociação da dívida dos estados, mas agora o Rio, que tem um histórico de mau comportamento fiscal, entrou no STF para suspender o pagamento. O Senado fez andar a PEC do quinquênio, que é uma barbaridade em todos os sentidos. A lista é grande, e os sinais vão se acumulando.

Pedro Doria - Medo de ideias perigosas

O Globo

Sim, há limites para a liberdade de expressão, como para qualquer direito. Mas a ideia original era que fossem poucos e raros

Na última quarta-feira, o presidente Joe Biden sancionou a lei que pode banir o TikTok dos Estados Unidos. A holding que controla a rede social, ByteDance, tem até janeiro para vendê-la a alguma companhia sem vínculos com a China. Não vai acontecer. A legislação chinesa proíbe que algoritmos de inteligência artificial sejam vendidos a estrangeiros, e, ora, o coração do TikTok é seu algoritmo. O receio de democratas e republicanos é que os chineses possam usar a rede para distribuir ideias perigosas que manipulem a juventude americana. Talvez. É uma hipótese difícil de comprovar, mas também difícil de desmentir. É, no fim das contas, só isso. Uma hipótese. O Congresso decidiu proibir a plataforma de maior sucesso entre americanos com menos de 30 anos com base numa hipótese.

Christopher Garman* - O fator economia nas eleições

Valor Econômico

Embate político se encontra em uma faixa do eleitorado mais estreita que no passado, e é preciso focar nas variáveis econômicas que importam mais para o eleitor

Uma tese tem ganhado cada vez mais peso entre analistas e operadores políticos, tanto nos Estados Unidos quanto no Brasil: o desempenho da economia está ficando cada vez mais descolado da aprovação de governos, e possivelmente, dos resultados eleitorais.

No Brasil, esse argumento cresce dentro do próprio governo federal. O Palácio do Planalto observa que mesmo com melhores resultados econômicos, comparados com previsões no início de 2023, além da renda real crescendo na casa dos dois dígitos, a aprovação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva se encontra em patamares comparativamente baixos. E olhando as simulações eleitorais para 2026, candidatos apoiados pelo ex-presidente Jair Bolsonaro não se encontram tão atrás de Lula. A reação do atual presidente a esse quadro tem sido cobrar uma melhora execução de programas de governo, mas em particular, uma melhora na comunicação de seus ministros.

Andrea Jubé - Lula revelou-se um político palimpsesto

Valor Econômico

Presidente pode ser visto como um político que se apresenta aos eleitores em camadas

No fim de fevereiro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva anunciou que planejava ampliar a concessão de crédito consignado para todos os trabalhadores, um mecanismo que é franqueado sem obstáculos para servidores públicos e aposentados, mas com empecilhos para assalariados. O presidente alegou que sua meta é “criar um país de classe média”.

Em entrevista à Rede TV!, argumentou que desejava ampliar o acesso ao crédito para que o dinheiro “chegue nas mãos das pessoas mais humildes”, e citou os trabalhadores das fábricas, as empregadas domésticas, os comerciários. “Queremos criar um país de padrão de consumo, de educação, de transporte de classe média”, exaltou.

Eliane Cantanhêde - Não é ‘bobagem’

O Estado de S. Paulo

A extrema direita internacional avança e tem uma arma poderosa, a internet. Cadê a resistência?

Assim como Donald Trump minou a confiança popular em sua adversária Hillary Clinton e tentou transformá-la em corrupta por ter usado e-mails oficiais para mensagens particulares – fichinha perto do que ocorre por essas bandas de cá –, a extrema direita da Espanha ataca e calunia a mulher do primeiro-ministro Pedro Sánchez, Begoña Gómez, como forma de desgastar e tentar derrubar o governo socialista, aliado à direita não extremista.

As redes sociais, dominadas pela extrema direita e por algoritmos, elegeram Trump nos EUA, deram vitória ao Brexit na Inglaterra, alavancaram Jair Bolsonaro no Brasil, garantiram Javier Milei na Argentina e estão por trás de partidos e movimentos radicais na Itália, Alemanha, Hungria, Polônia, na própria Espanha, com o Vox, e até no equilibrado Portugal, com o Chega. Há quem ache a força crescente da extrema direita e da internet uma “bobagem”. Há controvérsias.

Luiz Carlos Azedo - Desoneração da folha é leite derramado

Correio Braziliense

O Congresso pretende reduzir os impostos e exigir do governo que corte gastos, desde que não sejam com as emendas parlamentares ao Orçamento

Depois de um almoço com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, voltou a defender a decisão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de entrar com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) no Supremo Tribunal Federal (STF) contra a desoneração da folha de pagamento de 17 setores da economia e municípios com até 158 mil habitantes. Argumenta que não há previsão de receitas para reduzir as alíquotas de contribuição para a Previdência.

A regra permitiria que empresas de 17 setores substituam a contribuição previdenciária, de 20% sobre os salários dos empregados, por uma alíquota sobre a receita bruta do empreendimento, que varia de 1% a 4,5%, de acordo com o setor e serviço prestado. Estima-se que a medida pode gerar 8,9 milhões de empregos formais diretos, além de outros milhões de postos de trabalho na cadeia produtiva dessas empresas.

Sérgio Abranches - Governo minimalista

Estado de Minas

No presidencialismo de coalizão é necessário que o ambiente legislativo se estruture em torno de partidos com um mínimo de coerência interna e liderança firme

Há muita confusão sobre o que se passa com o presidencialismo de coalizão. Este sistema de governo se diferencia do presidencialismo americano porque tem requisitos específicos de governança derivados da estrutura multipartidária e federativa na qual está plantado. Estes são uma coalizão de governo majoritária e coerente, porque o partido do presidente não consegue mais de 20% das cadeiras da Câmara dos Deputados; e um presidente forte com poder de definir a agenda legislativa. Para ter esta força, o presidente precisa, pelo menos, ter controle do orçamento e popularidade acima de 55%. Os recursos que pode manejar e o apoio da sociedade geram força de atração suficiente para a presidência e assim ele consegue montar sua coalizão majoritária. Porém, é necessário que o ambiente legislativo se estruture em torno de partidos com um mínimo de coerência interna e liderança firme que permitam a negociação da coalizão entre o presidente e as lideranças partidárias.

Cristovam Buarque* - CEFEs e Lula

Correio Braziliense

No lugar de escolas isoladas, o Brasil precisa de Cidades inteiras com Educação Federal (CEFEs) até formar um sistema de educação de base com qualidade e equidade para todos

Louvável o elogio do presidente Lula ao ex-governador Leonel Brizola por implantar os chamados Centros Integrados de Educação Pública (CIEPs) no Rio de Janeiro, nos anos 1980. Entre o Merenda Escolar (1955) e o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (2023), o Brasil lançou dezenas de leis. Sete décadas depois do primeiro, a necessidade desse último mostra o fracasso dos anteriores: os bisnetos ainda estão precisando de pacto federativo para realizar, aos oito anos, o que deveria ter beneficiado seus bisavós, aos cinco.

Fracassamos porque, no lugar de projetos executivos nacionais ambiciosos, optamos por intenções legais e com execução municipal. Brizola não fez leis, implantou escolas. Mas os CIEPs já não comportam as inovações pedagógicas surgidas nas últimas décadas; além disso, a estratégia de mudar a educação do país por unidades escolares isoladas não dá a continuidade necessária para atingir todo o sistema escolar. No lugar de escolas, o Brasil precisa de Cidades inteiras com Educação Federal (CEFEs) até formar um sistema de educação de base com qualidade e equidade para todos.

Hélio Schwartsman - Combustível na fogueira

Folha de S. Paulo

Governo tem motivos para judicializar desoneração da folha, mas gesto tende a agravar tensão entre Poderes

Num universo kantiano, pautado só pela obediência às regras, não haveria o que contestar na decisão do Planalto de levar ao STF a questão da desoneração da folha de pagamentos. Neste mundo regrado, sempre que há dúvidas sobre a constitucionalidade de alguma medida, cabe ao Supremo dirimi-la, e qualquer agente legitimado pode a qualquer tempo levar qualquer problema à corte. Mas, para o bem e para o mal, o planeta é menos kantiano do que desejariam os deontologistas. As coisas têm também dimensão política —e isso muda o jogo.

Dora Kramer - A esperteza come o dono

Folha de S. Paulo

O governo fez manobra esperta no STF, mas há muitos mais espertos no Congresso

A reação do Congresso à ação do governo junto ao Supremo Tribunal Federal para suspender a cobrança de impostos de empresas e prefeituras era uma fava perfeitamente contada. Assim como era certo que o gesto reacenderia o fogo do atrito entre Planalto e Parlamento com o STF no meio da refrega.

Não há no horizonte indicativo consistente sobre a chance de um acordo, porque no caso da desoneração das folhas de pagamento não existe espaço para um meio-termo. O Executivo quer o dinheiro dos tributos (mais de R$ 15 bilhões), e o Legislativo por três vezes deixou patente a disposição de manter as isenções.

Alvaro Costa e Silva - Personagens da República

Folha de S. Paulo

Denunciados pela PGR, a deputada e o hacker simbolizam a política nacional

Dois personagens, com trajetórias díspares, uniram-se para cometer um crime que explica os meios empregados para se fazer política –ou certo tipo de política que se impôs nos últimos anos no país.

A folha corrida de Walter Delgatti Neto, o Vermelho de Araraquara, mostra uma vida atribulada, com passagem pela polícia por tráfico de drogas, estupro, falsificação de documentos, golpes em instituições financeiras. O hacker ficou famoso ao invadir celulares de autoridades da Lava Jato, revelando a parcialidade da operação e ajudando Lula, hoje presidente da República, a se livrar da prisão. Delgatti é o Vermelho em função da cor do cabelo, não há conotação ideológica no apelido, mas naquele momento ele foi considerado um herói das esquerdas e, em especial, do PT, embora sempre tenha negado qualquer motivação partidária.