quinta-feira, 18 de julho de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Sem cortar exceções, Brasil terá alíquota insuportável

O Globo

Senado deve reduzir benesses criadas pela Câmara na reforma tributária para manter o patamar de 26,5%

O brasileiro sente diariamente o peso de uma das maiores cargas de impostos do mundo. É com isso em mente que os senadores têm de encarar a regulamentação da reforma tributária. A principal meta deve ser reduzir ao mínimo as exceções à alíquota-padrão total dos impostos sobre serviços e consumo, definindo mecanismos para garantir que ela não passe de 26,5%, patamar estipulado em votação na Câmara.

Os deputados estabeleceram o teto de forma genérica, sem especificar gatilhos para sua manutenção. No formato atual, o texto não garante que o limite será respeitado, abrindo a possibilidade de alíquota-padrão ainda maior — entre os países da OCDE, a média é 19,2%, e o único país com alíquota superior é a Hungria, com 27%. Ao GLOBO, o secretário de Reforma Tributária, Bernard Appy, afirmou que o governo enviará ao Senado sugestões de ajustes para manter os 26,5%.

Merval Pereira - Desequilíbrio de Poderes

O Globo

Fatos preocupantes mostram que estamos vivendo não mais numa República, ou quase isso, no limite de um governo disfuncional em que, dependendo do momento, um dos três Poderes se impõe e é acobertado pelos outros dois, o que pode ser indicativo de um regime autoritário à vista

A democracia, não apenas no Brasil, está passando por momentos tormentosos que prenunciam um futuro inquietante. Em consequência, os Poderes da República ganham tons políticos que não se coadunam com o equilíbrio teoricamente imaginado por seus criadores. À medida que os Poderes se envolvem com ações políticas que sempre foram consideradas imorais, até ilegais, elas se transformam em normais, e fica-se com a sensação de que trabalham em comum acordo — um acordo político muito semelhante àquele proposto pelo hoje lobista Romero Jucá, que prenunciou um pacto “com o Supremo, com tudo” para “estancar essa sangria”, referindo-se à Operação Lava-Jato.

Alguns fatos preocupantes mostram que estamos vivendo não mais numa República, ou quase isso, no limite de um governo disfuncional em que, dependendo do momento, um dos três Poderes se impõe e é acobertado pelos outros dois, o que pode ser indicativo de um regime autoritário à vista.

Janan Ganesh* - O círculo vicioso da política moderna

Financial Times / Valor Econômico

O ódio aos políticos afasta as pessoas boas da atividade, o que piora o governo, o que faz com que os eleitores odeiem ainda mais os políticos

Na última vez que um presidente dos Estados Unidos quase foi assassinado, a maior parte do mundo rico, mesmo tendo repudiado o ato, podia classificá-lo como peculiarmente americano. Por isso, vale a pena listar algumas das medidas de segurança utilizadas pelos parlamentares do Reino Unido nos últimos anos. Alarmes de pânico móveis. Coletes à prova de balas. Seguranças pessoais. Evitar eventos planejados e passeios não essenciais. Um esforço da polícia nacional denominado Operação Bridger agora foi ampliado para proteger os representantes eleitos fora do Parlamento.

Um país onde a violência política era rara, pelo menos fora do contexto da guerra dos Troubles, perdeu dois parlamentares por assassinato desde 2016. Candidatos nas eleições francesas recentes também foram atacados. O ministro do Interior da Alemanha cita uma “escalada da violência antidemocrática”.

Quase todo mundo deplora esses ataques. O problema é que depois disso o consenso se desfaz. O espectro de comportamento que vai até a linha da violência, mas não a ultrapassa, inspira menos preocupação ou mesmo interesse do que deveria. O assédio aos candidatos nas eleições britânicas foi recebido com uma frieza sinistra. Sendo claro, portanto: a cultura contra os políticos é errada em si mesma. Mas mais do que isso, ela se reforça.

Maria Cristina Fernandes - O duelo político da regulação financeira

Valor Econômico

Ideia em gestação enfrentará um paredão no Senado

Tratorado na tramitação, ao longo de oito meses, da Proposta de Emenda Constitucional 65/2023 que confere autonomia financeira e administrativa ao Banco Central, o governo acordou e conseguiu adiar a votação na Comissão de Constituição e Justiça do Senado. A ambição governista não é apenas adiar indefinidamente, mas colocar, em seu lugar, a discussão de uma proposta, não necessariamente com mudança constitucional, de uma nova repartição de atribuições entre Banco Central e Comissão de Valores Mobiliários.

A ideia em gestação, como antecipou o Valor, é entregar para a CVM tudo aquilo que disser respeito à regulação dos produtos bancários, de seguros e até de previdência para a proteção de investidores e consumidores. Com o BC ficaria a regulação prudencial do sistema financeiro. A solidez advinda do lucro dos bancos seria assunto do BC, mas se esta solidez advir da exploração abusiva de seus produtos bancários, o xerife seria a CVM.

Luiz Carlos Azedo - Haddad vira o vilão dos impostos

Correio Braziliense

Lula faturou politicamente na opinião pública ao se posicionar contra a taxação da carne e da blusinha, mas expôs seu ministro da Fazenda, Fernando Haddad, aos “memes” na internet

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, vem sendo vítima de uma onda de “memes” na internet, pelo WhatsApp e nas redes sociais, nos quais a oposição procura demonizá-lo como vilão dos impostos. Num deles, o petista é “trolado”, para usar uma gíria da internet, ao ser comparado ao famoso diretor e ator paulista de filmes de terror José Mojica Marins, o Zé do Caixão, falecido em 2020. A onda de ataques mistura humor corrosivo e fake news, para se aproveitar de alguns debates sobre a regulamentação da reforma tributária e outros impostos no Congresso, que deixam o ministro numa saia justa, pois está sendo apelidado de “Taxad”.

Dois temas nos quais o presidente Luiz Inácio Lula da Silva divergiu de seu ministro da Fazenda favoreceram os memes contra Haddad: a inclusão ou não da proteína animal, principalmente a carne vermelha, na cesta básica (a equipe econômica era contra) e a taxação do imposto da blusinha, o debate sobre a compra de produtos de consumo importados com valor abaixo de US$ 50 — o que equivaleria a R$ 274 reais no câmbio de ontem —, que foi taxada com apoio da Fazenda.

Guga Chacra - Trump, divino ou despótico?

O Globo

Após sobreviver ao atentado, Trump se tornou figura messiânica para os súditos. Para opositores, é o apocalipse para a democracia

Quando era adolescente no Queens, uma das cinco regiões metropolitanas de Nova York, Donald Trump andava de metrô para ir à escola. Esses tempos, no entanto, ficaram em um passado distante do fim dos anos 1950 e começo dos 1960. A partir dos anos 1970, passou a se tornar um ícone da riqueza cafona emergente de relógios brilhantes, fofocas em tabloides, cassinos e limousines com motoristas. Visto como uma caricatura pela elite tradicional e progressista de Manhattan, ele incorporou essa imagem e decidiu mostrar que, mesmo sendo um herdeiro de um novo rico do Queens, podia erguer seu "castelo" no coração da Quinta Avenida com o nome de Trump Tower.

Thiago Amparo - Trump, o radical

Folha de S. Paulo

Plano de deportação de imigrantes é explicitamente racista

O plano mais extremo dos republicanos para o pleito de 2024 radicaliza propostas defendidas em eleições anteriores: se eleito, Donald Trump planeja deportar de 15 a 20 milhões de imigrantes. O republicano considera usar o Exército em solo americano contra imigrantes por não os considerar "civis", mas uma "invasão em nosso país".

Não é novidade que Trump defenda deportação em massa, medida protofascista. Não é, tampouco, a primeira vez que um líder populista se vale da ideia do inimigo interno para expandir o seu próprio poder. Se eleito, não sabemos se haverá freios para a implementação concreta da política. Menos estridentes, os democratas, aliás, têm sido tão ou mais eficazes contra migrantes, na prática.

Ruy Castro - Era uma vez na América

Folha de S. Paulo

Diante da paixão por Trump, a dúvida é se, algum dia, os EUA que conhecíamos existiram de verdade

Diante das imagens que nos chegam de Milwaukee, nos EUA, dando Donald Trump como já vitorioso nas eleições americanas, parece que logo veremos o fim da maior democracia do mundo. Não, não é um alarmismo simplório. Elas estão me fazendo perguntar se, por todos esses séculos, convivemos mesmo com a maior democracia do mundo ou com uma ilusão fabricada pelos próprios americanos.

O que significavam aqueles filmes de julgamento, em que a razão sempre triunfava sobre o obscurantismo e a mentira? Vide o jurado feito por Henry Fonda em "Doze Homens e uma Sentença" (1957), o velho professor por James Stewart em "Festim Diabólico" (1948), o advogado por Spencer Tracy em "O Vento Será Tua Herança" (1960) e muitos outros. Eram homens adultos, justos, lúcidos —pode-se imaginá-los em Milwaukee de chapéu de vaqueiro e apito na boca? Eram ficção ou tinham correspondentes na vida real?

Maria Hermínia Tavares - As raízes da desfaçatez

Folha de S. Paulo

A rigor, são institucionais os fatores que sustentam um sistema partidário tão autônomo quanto distante da sociedade

Legislando em causa própria —e para indignação daqueles brasileiros que ainda se importam com essas coisas— os partidos representados na Câmara dos Deputados aprovaram semana passada a chamada PEC da Anistia. Só os parlamentares do PSOL, do Novo e da Rede ficaram à margem do conluio. Se vingar no Senado, a tramoia mudará a Constituição para garantir às legendas imunidades contra sanções tributárias; perdoar irregularidades cometidas; e dar condições vantajosas para o pagamento parcelado de dívidas —sem juros. De bom, apenas a criação de uma cota para candidatos negros, com a provisão de recursos para suas campanhas.

Bruno Boghossian - Haddad perdeu o debate

Folha de S. Paulo

Mau humor com impostos ficou na praça por 40 dias até acordar o governo com uma máquina de memes

Fernando Haddad não olhou por onde andava quando o governo começou a discutir a taxação de encomendas internacionais de até US$ 50. "Vocês falam da Shein como se eu conhecesse. Eu não conheço a Shein", disse o ministro sobre a gigante das comprinhas em abril de 2023.

Em seguida, o governo protagonizou uma sequência constrangedora de avanços e recuos. Anunciou a cobrança do imposto e mudou de ideia depois que a primeira-dama se viu soterrada por críticas à medida. Só foi até o fim quando o Congresso topou contrabandear a taxa numa proposta sobre outro tema.

Vinicius Torres Freire - Algumas boas notícias, para variar

Folha de S. Paulo

Há mais ânimo no mercado de capitais e de crédito; comércio, serviços e emprego avançam

Jamais as empresas haviam tomado tanto dinheiro no mercado de capitais. Pelo menos no mercado de renda fixa, o volume é recorde, em termos reais, nos últimos doze meses, até junho. Trata-se aqui de crédito por meio da venda de debêntures e outros títulos de dívida. O dinheiro é usado em capital de giro, investimento na expansão do negócio, melhora do endividamento etc.

É um dos sinais de ânimo na economia, apesar do azar da virada financeira nos EUA, da bagunça sobre metas fiscais e da catástrofe no Rio do Grande do Sul. Pelo menos no que diz respeito ao andamento geral da economia, o efeito do desastre horrível que se abateu sobre os gaúchos parece ter sido menor do que o esperado.

William Waack - Problema de política

O Estado de S. Paulo

A sensação é a de que tudo parece que só se complica

Incapacidade política por parte do governo Lula está ajudando a aumentar a decepção de vastos setores da economia com dois grandes temas de forte impacto: desoneração das folhas de pagamento e regulamentação da reforma tributária.

No caso da desoneração comprou-se uma briga com o Congresso na suposição de que o respaldo político e jurídico do STF compensaria a falta de votos do Planalto. O resultado é uma formidável confusão que produziu um limbo contábil para empresas. Nem se fala do mérito da questão, que ficou esquecido.

Felipe Salto - Meta fiscal será cumprida em 2024

O Estado de S. Paulo

O passo inicial é entregar o chamado corte de despesas discricionárias. A tempestividade e o tamanho da tesourada importam

Nosso cenário econômico, na corretora Warren Investimentos, previa o rompimento da meta de resultado primário (receitas menos despesas sem considerar os gastos com juros da dívida pública) em 2024. No entanto, as declarações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, somadas à dinâmica da arrecadação ensejaram uma mudança de perspectiva.

No ano passado, o governo aprovou um novo conjunto de regras fiscais para substituir o antigo teto de gastos (Emenda Constitucional n.º 95/2016): o novo arcabouço fiscal (Lei Complementar n.º 200/2023). Esse regime contempla uma regra para o resultado primário, com bandas, e um limite para o crescimento das despesas. As metas fiscais são fixadas na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), seguindo a liturgia anterior.

Roberto Macedo - Distribuição de riqueza é mais concentrada

O Estado de S. Paulo

As desigualdades de renda e de riqueza no Brasil remontam ao período colonial do País, e não há solução à vista

É sabido que há mais estudos sobre a distribuição de renda do que a distribuição de riqueza, em que a disponibilidade de dados é menor e mais difícil de organizar, em particular se envolve também outros países. Um novo e bem-vindo estudo sobre a mesma, realizado no exterior pelo Union Bank of Switzerland (UBS), foi objeto de reportagem no jornal Valor Econômico de 11/7/2024. Constatou que aqui houve aumento da concentração da riqueza e adicionou outras considerações, inclusive sobre o índice de concentração de Gini, que abordarei mais à frente neste texto.

Segundo esse novo estudo, digno de maior atenção, realizado como parte de um relatório desse banco sobre a riqueza mundial, no Brasil a “concentração de riqueza aumentou 16,8% nos últimos 15 anos e o País já ocupa o terceiro lugar no ranking de desigualdade entre 56 nações, atrás apenas de Rússia e África do Sul”. É interessante ver também a Rússia nessa lista, pois depois de décadas de um regime dito comunista acabou desembocando numa situação desse tipo.

Celso Ming - O fiscal e coisas mais importantes

O Estado de S. Paulo

Desordem das contas públicas é a principal fonte de incertezas da economia brasileira no momento e as declarações do presidente não parecem garantir o compromisso com o arcabouço fiscal

Nesta terça-feira, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva se declarou desobrigado de cumprir a meta fiscal quando tiver coisas mais importantes a fazer. Se essa lógica prevalecer, o contribuinte poderá entender que não tem de recolher impostos se tiver coisas mais importantes a fazer.

Por aí se vê que, para o presidente Lula, o conceito do que seja mais importante pode variar de pessoa para pessoa e de circunstância para circunstância. E, no entanto, o resultado de um exercício fiscal é fixado por lei.