sábado, 3 de agosto de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Legislação continua a abrir brechas para privilégios

O Globo

Decisão judicial que restaurou benesse descabida a servidores do TCU revela urgência da reforma administrativa

Uma ação na Justiça vencida por servidores do Tribunal de Contas da União (TCU) mostra a dificuldade para haver uma gestão sensata e equilibrada do funcionalismo público com a atual legislação. Num processo instaurado pelo Sindicato dos Servidores do Poder Legislativo Federal e do Tribunal de Contas da União (Sindilegis), a Justiça Federal de Brasília lhes concedeu o direito a voltar a receber uma compensação descabida que havia sido extinta: o “quinto”, compensação paga a cada ano do exercício de cargo de chefia.

No universo paralelo do funcionalismo, parece sempre possível usar uma legislação extensa e confusa para obter vantagens nos tribunais, sem qualquer preocupação com a qualidade do trabalho do servidor ou com a saúde das finanças públicas. A Justiça também determinou que sejam pagos, retroativamente, os “quintos” entre 1998 e 2001, devidamente corrigidos pela inflação. Os primeiros servidores do Tribunal de Contas da União (TCU), incluindo aposentados e pensionistas, já começaram a receber adicionais atrasados que poderão representar um gasto imprevisto de R$ 1,1 bilhão.

Pablo Ortellado - Democracia seletiva

O Globo

Sociedade brasileira precisa pactuar regras democráticas que valham para todos

Durante o governo Bolsonaro, centenas de grupos profissionais “pela democracia” se articularam pelo país. Parecia que se formava uma corrente cívica determinada a mostrar ao governo que a sociedade brasileira estava vigilante e que qualquer investida autoritária não seria tolerada. Não se tratava de uma coalizão contra a plataforma de um candidato, mas de uma aliança em defesa da própria democracia. O ano de 2018 parece distante, mas vale lembrar que o espírito original do “Ele não!” era “qualquer um, menos Bolsonaro, o candidato que ameaça a democracia”.

Os diferentes grupos “pela democracia” nasceram com o espírito de frente ampla, mas, aos poucos, foram percebendo que eram fundamentalmente animados por gente de esquerda. Desde a crise eleitoral na Venezuela, na última semana, muitos desses grupos, que têm a democracia no nome, estão conflagrados por disputas entre aqueles que apoiam e os que condenam o regime chavista.

Carlos Alberto Sardenberg - Maduro não entrega. Pode cair

O Globo

Integrantes do próprio regime vão percebendo que o governo não tem mais o mínimo de sustentação popular

Vamos falar francamente: não existe a menor possibilidade de Nicolás Maduro entregar o governo à oposição numa “transição respeitosa e pacífica”, como sugeriu o secretário de Estado dos Estados UnidosAntony Blinken.

Como caem as ditaduras?

Depende de sua natureza. A da China, por exemplo, não cairá. Pode ser que o regime passe por mudanças internas, com algum tipo de abertura se os dirigentes se sentirem suficientemente seguros ou, ao contrário, percebam um grau mais intenso de insatisfação popular.

Mas o regime é coeso. Tem uma doutrina central seguida pelos milhares de membros do Partido Comunista.

Além disso, o regime conta com centenas de milhares de militantes, funcionários e militares engajados. Mais: um empresariado local que opera com alguma liberdade de iniciativa, mas não vai longe se não cultivar boas relações com os donos do poder. 

Eduardo Affonso - Pedra, papel, tesoura

O Globo

Numa discussão entre uma mulher branca e um homem preto, quem tem razão? A cor da pele prevalece sobre o gênero?

Existe a lógica matemática (se A > B e B > C, logo A > C) e existe a da brincadeira infantil em que a pedra amassa a tesoura, que corta o papel, que embrulha a pedra. Nesta, cada elemento é forte e fraco, maior e menor, vencedor e derrotado, a depender da circunstância. Quem inventou esse jogo devia estar querendo ensinar às crianças que tudo é relativo e — mais que isso — que o mundo dos adultos não é para principiantes.

Com a distorção (intencional) do conceito de “lugar de fala”, critérios como etnia (equivocadamente chamada de “raça”), gênero (outrora conhecido como “sexo”) e orientação sexual passaram a ter mais relevância que os argumentos. Mas ninguém ainda definiu a hierarquia, o peso de cada um desses fatores.

Carlos Andreazza – Dino ligado

O Estado de S. Paulo

Controle de constitucionalidade. Por onde andava?

É muito bom – nostálgico – quando o Supremo exerce o controle de constitucionalidade. Foi o que fez Flávio Dino sobre o orçamento secreto. Emocionante. Histórico. Lembrados nós de que há movimento no STF para além dos convescotes político-empresariais e da gestão xandônica de inquéritos onipresentes e infinitos.

Assim estamos; a celebrar que tribunal cumpra eventualmente a sua função elementar. Cumpriu. A ver se pega. Os donos do Congresso já resolveram não obedecer uma vez – nem a lista completa dos padrinhos de emendas do relator apresentaram. O ministro mandou mostrar. Mostrarão? Liberados ainda restos a pagar dos tempos do sete-peles. Cessará a prática?

Miguel Reale Júnior - Punir o criminoso e acolher a vítima

O Estado de S. Paulo

Tanto a violência de gênero como a sexual constituem exercício do poder sobre o mais frágil – no País, mulheres e crianças negras –, a ser combatido pela aplicação da lei penal

Vem de ser publicado o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, revelando decréscimo das mortes violentas intencionais, mas assim mesmo mostrando o clima de violência predominante, pois se em número relativo ao de habitantes o Brasil ocupa a 18.ª posição, em números absolutos é o país com maior incidência de homicídios, latrocínios e lesão seguida de morte.

Como se alerta no anuário, se não houve aumento de casos de homicídio consumado de mulheres entre 2022 e 2023, no entanto, houve aumento de 9,2% das tentativas de homicídio, e de 7,1% de feminicídio, caracterizando-se este último por ser a mulher visada em vista de sua condição de mulher, e por essa razão objeto de discriminação e de desprezo (artigo 121, parágrafo 2.º, inciso VI do Código Penal).

Fareed Zakaria - Empresários erram ao ignorar risco de Trump

Washington Post / O Estado de S. Paulo

Ex-presidente é considerado um fanfarrão inofensivo, mas tem ideias prejudiciais à economia

Trump tem uma visão estreita e egoísta que ignora uma das mais duradouras conquistas dos EUA

A sabedoria convencional sobre Donald Trump afirma que ele não tem nenhuma agenda política coerente. Ele é transacional, impulsivo e narcisista. Os 140 ex-membros de sua equipe que trabalharam no Projeto 2025, da Heritage Foundation, descobriram isso recentemente, quando Trump repudiou a iniciativa, que havia se tornado controvertida.

Mas Trump tem sim um fundamento ideológico – e bem antigo. Em 1987, quando era meramente um empreendedor imobiliário de Nova York, ele gastou US$ 100 mil para publicar um anúncio de página inteira no New York Times. Tratava-se de uma carta aberta “ao povo americano”, e sua mensagem deveria ser familiar atualmente.

Rodrigo Zaidan - Trump vai perder

Folha de S. Paulo

Eleitores que detestam republicano, mas não podem dizer isso em público, devem decidir eleição

Se a diferença nas pesquisas dos estados mais importantes for pequena, Trump vai perder. E pelo mesmo motivo que o levou à vitória quando as pesquisas indicavam que estava atrás de Hillary Clinton: o voto dos envergonhados.

Na primeira eleição de Trump, muitos tinham vergonha do seu discurso, mas ainda assim queriam votar nele. Quando lhes foi perguntado, seja por amigos, seja em pesquisas de intenção de voto, em quem votariam, simplesmente mentiam ou diziam que estavam indecisos. Esse efeito também explica por que os partidos europeus de extrema direita normalmente conseguem mais votos que as pesquisas indicam.

Demétrio Magnoli - Nada de anormal

Folha de S. Paulo

Lula cava trincheira de proteção ao redor de Maduro pelo mesmo motivo que mantém solidariedade à guerra imperial na Ucrânia

Menos de 48 horas depois da descarada fraude eleitoral, Lula declarou que "não tem nada de anormal" na Venezuela. Verdade: a corrupção dos processos eleitorais é o normal no regime "cívico-militar-policial" de Maduro. Dessa vez, contudo, o ditador companheiro ultrapassou os limites aceitáveis por quase todos –mas não, claro, por Lula. Também não há "nada de anormal" nas sentenças do presidente brasileiro, que dissolveu cedo demais a farsa diplomática montada por Celso Amorim.

"Mostrem as atas!" —exigiu a oposição, secundada pelos governos democráticos com um mínimo de vergonha na cara. O governo do Brasil somou-se ao pedido, embora aos murmúrios, em posição contrastante à do PT, que correu para o abraço com o ditador. Nos amplos círculos do jornalismo oficialista, disseminou-se a tese benevolente de que a posição brasileira equilibrava prudência e firmeza. Lula desfez o equívoco, antecipando um roteiro previsível.

Hélio Schwartsman - Resultado sob encomenda

Folha de S. Paulo

Números divulgados por órgão eleitoral venezuelano geram porcentagens muito próximas de números redondos, o que sugere fraude

Se você ainda não está convencido de que houve fraude eleitoral na Venezuela, vai aí mais um indício. Pelos dados até aqui divulgados oficialmente, que correspondem a 80% das urnas e já seriam irreversíveis, Maduro obteve 5.150.092 dos 10.058.774 votos computados. O oposicionista Edmundo González ficou com 4.445.978, e os demais concorrentes, com 462.704.

Aldo Fornazieri - A farsa

CartaCapital

O venezuelano faz em seu país o que Bolsonaro desejava fazer no Brasil

As eleições venezuelanas são uma farsa do começo ao fim e caminham para uma tragédia, com vários mortos e feridos e centenas de presos. O regime cívico-militar policial, definição do próprio Nicolás Maduro a respeito de seu governo, primeiro perseguiu, prendeu e impediu opositores de concorrer. Depois, aceitou como candidato um ex-diplomata desconhecido, que nunca havia sido candidato a nada. Por fim, o Conselho Eleitoral Nacional, dominado por maduristas, proclamou a vitória do autocrata com 80% de votos apurados, apesar de a diferença entre Maduro e Edmundo González poder ser revertida nesses 20% restantes. Não apareceram atas e boletins de apuração. Caso apareçam vários dias depois da apuração, estarão sob suspeita de fraude.

Luiz Gonzaga Belluzzo - Memórias latinas

CartaCapital

Desconfiadas considerações sobre as eleições venezuelanas

Diante das incertezas e ameaças que pairam sobre os resultados das eleições venezuelanas, ocorreu-me a ousadia de relembrar episódios da história latino-americana na era da globalização.

Estimei que o abusado exercício – juntar as pontas dos sucessos e fracassos latino-americanos – poderia esclarecer as controvérsias travadas em torno das proe­zas de Nicolás Maduro e seus oponentes.

A Venezuela era um “caso de sucesso” no início dos anos 90. Sucesso celebrado em coro pelas instituições multilaterais que gritavam alvíssaras, sempre entoadas nas vozes do FMI e do Banco Mundial.

O sucesso espetacular da Opep no aumento dos preços após 1973 mudou a lógica das relações entre as empresas e o governo venezuelano, culminando na nacionalização da indústria petrolífera em 1976. Isso foi seguido por outra rodada de aumentos de preços após a Revolução Iraniana de 1978. O enorme influxo de receitas gerado pelos aumentos de preços levou o presidente Carlos Andrés Pérez a tentar acelerar a modernização da Venezuela. Pérez veio ao Brasil, em 1993, com um séquito de empresários, para celebrar e difundir o sucesso de suas políticas.

Marcus Pestana - A árvore e a floresta na questão fiscal

Verdadeira novela, sem o talento dramático de Janete Clair ou Gilberto Braga, se instalou sobre a situação fiscal do país e o cumprimento ou não da meta fiscal pelo Governo Federal.

Como é de conhecimento geral, o novo arcabouço fiscal proposto pelo Governo e aprovado pelo Congresso Nacional em 2023, prevê meta fiscal anual fixada na Lei de Diretrizes Orçamentária. Para 2024, o objetivo é zerar o déficit primário depois das finanças públicas federais ficarem no vermelho desde 2014. Mas as regras do jogo previram uma margem de tolerância de 0,25% do PIB. Ou seja, a meta é o alvo, mas até a o limite de 0,25% do PIB, o desvio é admitido.

Poesia | Marcelo Mário de Melo - Preciousar

Vejam só que verbo bom 

me assomou no instante 

pedindo que monte nele 

cavalgue e siga adiante.

Que a mãe-palavra em alerta 

descortine o o doravante.


Precisousar é ousadia 

de ouro prata e cristal 

seda brilhante marfim 

sutileza visceral

estrela acendendo os olhos 

nos fios da espiral.


Vamos pois preciousar 

sobre sombras e agonias

os urubus as hienas

ilusões e falsos guias 

preconceitos e viseiras 

tolhendo o arco dos dias.


Preciousando seguimos 

em sadia andaração

lançando novas sementes 

colhendo os frutos na mão

plantando joias na vida

misturando sonho e pão.