segunda-feira, 19 de agosto de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Uso da IA por extremistas desafia governos

O Globo

Vídeos fraudulentos que mobilizaram protestos no Reino Unido soam alarme para riscos da nova tecnologia

A Justiça Eleitoral fez bem ao estabelecer regras para o uso de ferramentas de inteligência artificial (IA) na campanha eleitoral deste ano. Proibiu o uso de vídeos em que as imagens são manipuladas para simular algo que os candidatos não disseram na realidade, conhecidos como deepfakes, e passou a exigir a identificação de qualquer propaganda que faça uso de recursos de IA. Mas a atenção das autoridades deveria, na verdade, ser mais ampla. É preciso que o poder público trace planos de ação para enfrentar a aplicação da nova tecnologia digital pelo crime e por grupos extremistas, neonazistas, supremacistas brancos ou radicais de esquerda.

Jan-Werner Mueller* - O verão perdido do populismo

Valor Econômico

Os populistas de extrema direita que dizem falar pela maioria silenciosa, na verdade, representam uma minoria ruidosa

Volte um pouco no tempo, para o fim de junho e início de julho. Na França, a extrema direita era favorita para ganhar uma eleição parlamentar antecipada. Nos Estados Unidos, juízes trumpistas vinham resolvendo convenientemente os problemas jurídicos do ex-presidente, que parecia planar rumo à vitória após o desempenho desastroso do presidente do país, Joe Biden, no debate eleitoral. E, no Reino Unido, embora os trabalhistas estivessem chegando ao governo, um novo partido contra a imigração comandado por Nigel Farage, o chefe da turma do Brexit, havia obtido avanços sem precedentes. Diante de tudo isso, especialistas advertiam que uma onda de raiva populista contrária aos políticos no poder estava varrendo as democracias do mundo.

Desde então, novas fontes de esperança política devem ter atenuado a perspectiva sombria dos comentaristas. Não só há poucas evidências de uma “onda populista” - uma metáfora que evoca imagens de partidos de extrema direita inevitavelmente chegando ao poder em muitos países -, mas a experiência recente indica que existem estratégias viáveis para combater essas forças.

Theo Dias* - Democracia brasileira não morreu, mas foi atacada por Bolsonaro

Folha de S. Paulo

Ex-presidente seguiu manual do autocrata contemporâneo e atuou metodicamente para criar crise institucional

[RESUMO] Autor refuta opinião de não houve crise institucional no governo Bolsonaro e que seriam exagerados os alertas de ameaças à democracia. Para ele, Estado de Direito só resistiu porque algumas instituições não normalizaram posturas aberrantes do ex-presidente, mas, a longo prazo, seriam incapazes de impor limites a governos autoritários se não houver empenho de eleitores e aperfeiçoamento de medidas de proteção constitucional.

Legislativo forte, fragmentação partidária, federalismo e Judiciário independente explicam o fracasso das investidas autoritárias do governo Bolsonaro. Esta é a tese do livro "Por que a Democracia Brasileira Não Morreu?" (Companhia das Letras), de Marcus André Melo, colunista da Folha, e Carlos Pereira.

Os respeitados cientistas políticos avaliam que o multipartidarismo fragmentado funciona como "antígeno institucional endógeno contra iniciativas extremistas". Apesar de "retumbantes fracassos" no âmbito das políticas públicas, defendem os autores, não houve crise institucional, e os analistas "exageraram" as ameaças à democracia, que "careciam de credibilidade".

Eles afirmam que "Bolsonaro não possuía os meios institucionais nem obteve apoio político necessário para suportar os custos associados à implementação de retrocessos democráticos". O ex-presidente submeteu-se ao jogo político, sendo "domesticado" pelas instituições.

Em posfácio do livro, o professor Barry Ames crava com convicção: "os sonhos autoritários de Bolsonaro nunca tiveram a menor chance de se tornar realidade"; as instituições "sobreviveriam a um segundo mandato", que "teria sido ainda mais ineficaz do que o primeiro".

O livro faz instigante análise do funcionamento do sistema político diante das turbulências da Lava Jato, do impeachment de Dilma e de Lula 3, mas não é dada a devida dimensão ao estrago causado pela Presidência de Jair Bolsonaro, que não só constituiu um desgoverno do ponto de vista programático como impôs o mais rigoroso teste à arquitetura institucional da Constituição de 1988.

André Barrocal - À espera de Gonet

CartaCapital

O PGR está relutante em apresentar denúncia contra Bolsonaro ou o ministro Juscelino Filho, para não interferir nas eleições. Não seria uma forma de favorecer os suspeitos?

Paulo Gonet, o procurador-geral da República, não quer ser acusado de beneficiar, ou prejudicar, um dos dois grandes blocos políticos nacionais: o de Lula e o de Jair Bolsonaro. Uma pessoa do convívio dele diz que a presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Cármen Lúcia, teria, inclusive, pedido à Procuradoria para evitar protagonismo na campanha. O “xerife” acredita ter encontrado um Ministério Público politizado demais, um mal à própria corporação, algo a ser enterrado agora. Tudo somado, só uma reviravolta o levará a apresentar antes do fim das eleições, em outubro, denúncia criminal contra Bolsonaro ou o ministro das Comunicações, Juscelino Filho. Gonet comenta internamente que não agirá com açodamento. Numa rara declaração à mídia, afirmou ao Globo em julho: “Vou fazendo o que eu me convenço de que é o certo na hora que me convenço que é a devida”.

A trégua de uns 70 dias não seria uma forma de favorecer um suspeito? No Ministério Público, há quem se mostre compreensivo com as ruminações de Gonet, em especial quando o assunto é Bolsonaro, ainda popular. Não é o caso de quem era o procurador-geral há 20 anos. “Uma vez tendo em mãos investigação criminal concluída, o membro do Ministério Público não pode se conduzir por juízo de oportunidade, mas deve – princípio da obrigatoriedade –, de pronto, pronunciar-se”, diz Cláudio Fonteles. Pronunciar-se significa trilhar um de três caminhos: apresentar denúncia à Justiça, arquivar o caso ou pedir mais apurações policiais. Uma investigação criminal finalizada pela Polícia Federal sobre Bolsonaro já está nas mãos de Gonet. É o inquérito das joias. Ele tinha 15 dias para se posicionar. O prazo começou a contar em 1o de agosto.

Bruno Carazza - A guerra das emendas e a metástase política

Valor Econômico

Com emendas e fundão, políticos não respondem mais a demandas da sociedade

Em 1986, o ministro da Fazenda, Dilson Funaro, rodava o país reunindo-se com empresários, jornalistas e até mesmo donas de casa defendendo o congelamento de preços e outras medidas do Plano Cruzado, a estratégia do governo Sarney para debelar a hiperinflação.

Industrial de sucesso - era proprietário da fábrica de brinquedos Trol -, Funaro empregava no combate aos reajustes de preços a mesma energia com que lutava contra um câncer linfático.

Alguns anos depois, já na primeira passagem de Lula pelo Palácio do Planalto, outro empresário bem-sucedido, José Alencar Gomes da Silva, dono do grupo têxtil Coteminas e vice-presidente da República, também não se deixou abater pelas seguidas cirurgias e sessões de quimioterapia. No campo político, sua batalha era outra, à qual dedicou a mesma perseverança com que enfrentava o câncer: as altas taxas de juros praticadas no país.

Sergio Lamucci - Mercado de trabalho, estímulo fiscal e crédito impulsionam economia

Valor Econômico

Interrupção da queda da Selic e a perspectiva de retomada de alta da taxa tendem a levar a alguma desaceleração nos próximos trimestres, o que torna essencial a redução das incertezas sobre as contas públicas

A atividade econômica segue forte, como mostram os números do segundo trimestre. Com o mercado de trabalho robusto, um expressivo estímulo fiscal, especialmente via transferência de renda, e a melhora do crédito, o PIB deste ano pode crescer 2,5% ou mais, com alguns analistas projetando um resultado semelhante aos 2,9% de 2023. A interrupção do ciclo de queda da Selic e a perspectiva de retomada de alta da taxa, porém, tendem a levar a alguma desaceleração nos próximos trimestres, o que torna ainda mais essencial a redução das incertezas sobre as contas públicas. Isso aliviaria mais a pressão sobre o câmbio, que diminuiu nas últimas semanas, e limitaria o eventual aumento dos juros, resultando numa perda de fôlego mais modesta da atividade à frente.

Lygia Maria - Fins sem princípios levam à tirania

Folha de S. Paulo

Ideais precisam se curvar aos direitos individuais que fundam a democracia liberal

"Os fins justificam os meios" é um argumento perigoso de que todo democrata deve desconfiar. Afinal, não há regime totalitário que não tenha se respaldado nessa máxima.

Revolução FrancesaURSS, o Terceiro Reich. Todos partiam da perspectiva de que a humanidade é agente da história e que, para concretizar um projeto idílico de organização social, qualquer ação é aceitável.

A consequência é a desumanização de pessoas em prol de uma ideia. Por isso tal idealismo predispõe à infração de direitos individuais duramente conquistados ao longo de séculos. Na última semana, vimos dois casos de meios justificados por fins.

Fernando Gabeira - Um mundo novo para as eleições

O Globo

Os debates de TV são apenas matéria-prima. O que vale são os recortes que os candidatos lançam nas redes sociais

Meu companheiro de viagem apareceu cedo aqui em casa.

— Subimos esta semana para Roraima?

Ele precisa de resposta. Sua tarefa é comprar pilhas, checar o áudio, renovar os cartões do drone. A minha é carregar as baterias das câmeras, limpar lentes, separar tripé, deixar tudo pronto para mais uma jornada.

— Não subimos ainda. Há essa história do Irã. A qualquer momento, podem atacar. E isso vai tomar o programa de domingo.

— Que azar — disse ele.

— Dê graças a Deus. Mataram apenas o líder do Hamas. Alckmin estava lá na posse do novo presidente. Se algo acontecesse com ele, passaríamos semanas falando só disso.

De fato, temos muito o que agradecer. Ainda temos de vez em quando a chance de fazer algo. As revistas fecharam, todos os grandes fotógrafos do mundo perdem espaço, é sombrio o futuro da reportagem.

E quer saber de uma coisa? Os próprios espectadores mudam. Não se tem mais tempo para uma só história. A atenção muda com a rapidez de um raio.

Demétrio Magnoli - Dois partidos e um destino

O Globo

Desistência de Joe Biden secou o favoritismo de Donald Trump

A desistência de Joe Biden secou o favoritismo de Donald Trump. Na hora da Convenção Democrata destinada a oficializar o nome de Kamala Harris, o resultado da eleição nos Estados Unidos torna-se imprevisível. Hoje, há apenas uma certeza: no dia seguinte, um dos dois grandes partidos americanos ingressará em crise profunda — e terá de se reinventar.

Em tempos normais, a derrota faz parte do jogo. Os Estados Unidos, porém, atravessam tempos anormais. Um triunfo de Trump, afirmam os democratas, representaria um catastrófico golpe no equilíbrio de poderes que sustenta a democracia americana. O Partido Democrata não tem o direito de perder.

Marcus André Melo - Oposição e autocracia

Folha de S. Paulo

Dilema da oposição em processos de erosão democrática: boicotes ou participação na farsa institucional?

As estratégias da oposição podem acelerar a autocratização (Venezuela) ou contê-la (Colômbia). Protestos violentos, sublevações militares e boicotes fortalecem os regimes, segundo Laura Gamboa, em "Resisting Backsliding" ("Resistindo ao Retrocesso", de 2022).­

Vejamos a Colômbia. Álvaro Uribe propôs um referendo contra a corrupção e a politicagem que autorizava a criação de um Legislativo unicameral, a dissolução da Assembleia Nacional e novas eleições. O referendo não atingiu o quórum devido à campanha da oposição no Congresso e no eleitorado.

Carlos Pereira - O sequestro consentido

O Estado de S. Paulo

Decisão do STF que suspende emendas beneficia Executivo, mas quem paga a conta é o Judiciário

Lula afirmou que “o Congresso sequestrou o orçamento federal (...) o Congresso hoje tem metade do orçamento total do governo. Não é possível, não tem país do mundo em que Congresso tenha sequestrado parte do orçamento em detrimento do Poder Executivo, que tem obrigação de governar.”

Se esquece Lula que nos EUA o Executivo é obrigado a executar a totalidade do orçamento como é decidido e aprovado apenas pelo Congresso. Assim como o Executivo, o Legislativo é eleito e, portanto, desfruta de legitimidade para alocar recursos públicos de acordo com suas preferências, mesmo que sejam contrárias às do Executivo.