domingo, 13 de outubro de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Isenções e subsídios tributários devem ser alvo de revisão

O Globo

Orçamento prevê R$ 544 bilhões em renúncias a impostos sobre atividades variadas, sem controle de eficácia

Dos 2,2 milhões de contribuintes que, na declaração de Imposto de Renda de 2023, se identificaram como sócios de empresas regidas pelo Simples Nacional, uma minoria de 38,4 mil recebeu R$ 46 bilhões em lucros e dividendos isentos de tributação — média de R$ 1,5 milhão por contribuinte —, revelou um estudo do instituto Samambaia.org com base em dados da Receita Federal. Criado para reduzir o peso da carga tributária e facilitar a vida de empresas de menor porte, o Simples se transformou num atalho para a população de alta renda pagar pouco ou nenhum imposto. Cerca de 10% dos sócios de empresas do regime ganharam mais que os R$ 240 mil imaginados pelo governo como patamar para a isenção.

Esta é apenas uma das inúmeras distorções na distribuição de isenções tributárias no país. De acordo com o Projeto de Lei Orçamentária (PLOA) de 2025, a União deixará de arrecadar R$ 543,7 bilhões com benefícios tributários a pessoas jurídicas e físicas, ou R$ 20 bilhões a mais que neste ano. O total equivale a 4,4% do PIB projetado na PLOA ou a 19,7% da arrecadação federal. Se incluídos subsídios creditícios e financeiros, a conta alcança 6% do PIB. Para efeito de comparação, faltam R$ 166 bilhões para atingir a meta de déficit zero em 2025 e manter as contas públicas sob controle, o equivalente a 30,5% dos benefícios tributários.

Luiz Carlos Azedo - Luzias, saquaremas e camaleões na política brasileira

Correio Braziliense

No Brasil, hoje, não existe um projeto de modernização capaz de forjar um novo consenso político nacional e incorporar a grande massa da população

Um bom programa para um fim de semana com cara de poucos amigos é assistir ao clássico do cinema italiano O Leopardo (Il Gattopardo, 1963), estrelado por Burt Lancaster, Claudia Cardinale e Alain Delon, do diretor italiano Luchino Visconti (1906-1976). Com base na obra do siciliano Giuseppe Tomasi di Lampedusa (1896-1957), o filme retrata a decadência da aristocracia agrária da Sicília, no contexto da Segunda Guerra da Independência e Unificação da Itália (1859-1860), e está disponível na Netflix.

Ao resgatar memórias pessoais e seu idealizado e nostálgico passado aristocrático, Lampedusa expressa um ponto de vista conservador sobre o Risorgimento. Em 1860, Garibaldi luta no movimento de unificação da Itália. D. Fabrizio (Burt Lancaster) é um aristocrata que tenta manter o antigo modo de vida, apesar dos tempos de mudança. Para ele, a ascensão da burguesia é uma ameaça. Contudo, numa manobra astuta, combina o casamento do seu sobrinho Tancredi (Alain Delon) com Angélica (Claudia Cardinale), filha de um rico e influente administrador de propriedades. Fiel a seus valores, D. Fabrizio afirma: "A não ser que nos salvemos, dando-nos as mãos agora, eles nos submeterão à República. Para que as coisas permaneçam iguais, é preciso que tudo mude".

Míriam Leitão - Retrato do tempo na crise da semana

O Globo

O ataque do Congresso contra o STF era uma tentativa de intimidar o Supremo e manter as bases do orçamento secreto

A revolta explodiu na quarta-feira na CCJ da Câmara. Parecia o embate final das instituições. Congresso versus STF. Os eleitos do povo contra “os onze ditadores”. A análise repetida era que a direita turbinada nas urnas vinha impor a nova ordem. Deputados aprovaram o pacote contra o STF na Comissão de Constituição e Justiça. Tinha de tudo: impeachment de ministro, limitação de decisões monocráticas e uma bizarra proposta dando ao Congresso poderes de mudar decisões do Supremo. A Corte reagiu com discursos. O presidente da Câmara, Arthur Lira, então, mandou dizer, por interpostas pessoas, que vai matar no peito e deixará passar só um item desse pacote anti-STF. O que de fato ocorreu na semana passada?

Bernardo Mello Franco - Filhotes de Carluxo

O Globo

Com discursos agressivos e foco nas redes sociais, extremistas de direita foram campeões de voto para vereador em SP, BH

Carluxo não está sozinho. Em diferentes capitais, candidatos de extrema direita foram campeões de voto para vereador. Com discurso agressivo e foco nas redes sociais, eles encabeçaram as listas de eleitos em cidades como São Paulo, Belo Horizonte e Manaus.

Aos 26 anos, o tiktoker Lucas Pavanato despontou como fenômeno na eleição paulistana. Bolsonarista de carteirinha, passou a campanha produzindo polêmicas e factoides para viralizar na internet. Apostou na transfobia e na retórica anticomunista para chegar ao poder.

Sem largar o celular, ele vestiu uma peruca de mulher, infiltrou-se em atos da esquerda e quase transformou um estúdio de podcast em ringue de luta livre. Para atrair eleitores radicalizados, apresentou propostas como “proibir trans no banheiro feminino” e “investigar grupos terroristas que invadem propriedades”. Foi um sucesso. Recebeu 160 mil votos, o melhor desempenho entre mais de 58 mil vereadores eleitos em todo o país.

Dorrit Harazim - Godot virá

O Globo

O aguardado ataque de retaliação israelense contra o Irã não se fará esperar nem ficará em suspenso

Ao contrário do personagem maior da obra de Samuel Beckett, o aguardado ataque de retaliação israelense contra o Irã não se fará esperar nem ficará em suspenso. Dele tivemos notícia ominosa nesta semana.

— O ataque será letal, preciso e particularmente surpreendente — informou o ministro da Defesa, Yoav Gallant, a integrantes do Serviço de Inteligência Militar do seu país. E acrescentou, sem avançar em demasia no arrosto:

— Eles [os iranianos] só compreenderão o que houve quando já tiver acontecido.

Para quem, semanas atrás, conseguiu fazer explodir milhares de pagers e celulares em mãos do até então formidável inimigo Hezbollah, deve ser tentador surfar na superioridade militar. Difícil é conseguir desescalar. 

Merval Pereira - Política externa em xeque

O Globo

A declaração do ministro da Defesa desvenda um descontentamento na área militar com rumos da política externa do governo

O pronunciamento do ministro da Defesa, José Mucio, sobre “questões ideológicas” que estariam atrapalhando os negócios do Brasil na área militar revela uma discordância muito mais profunda com áreas políticas do governo do que uma simples desavença comercial. A insólita declaração do ministro desvenda um descontentamento na área militar com os rumos da nossa política externa, que também é alvo de críticas no Congresso.

Mucio contou que Israel venceu recentemente uma licitação para compra de blindados, mas, “por questão da guerra, do Hamas, grupos políticos, nós estamos com essa licitação pronta, mas, por questões ideológicas nós não pudemos aprovar". Outro exemplo de “embaraço diplomático” dado a empresários pelo ministro da Defesa: “nós temos uma munição aqui no Exército que não usamos. A Alemanha quis comprar. Está lá, custa caro para manter essa munição. Fizemos um grande negócio. 'Não vai. Porque, se não, o alemão vai mandar para a Ucrânia, e a Ucrânia vai usar contra a Rússia”.

Elio Gaspari - A vida de Aimée, a namorada de Vargas

O Globo

Está nas livrarias “A Bem Amada”, do repórter Delmo Moreira. Conta a vida de Aimée Sotto Maior, uma grande mulher. Paranaense, ela se casou em 1932 com Luiz Simões Lopes, o homem que redesenhou o serviço público brasileiro. Em 1937, Aimée começou a namorar o presidente Getúlio Vargas. Por dois anos ele viveu uma paixão fogosa e chamou-a de “A Bem Amada”. Amavam-se até no mato.

Aimée tinha 23 ou 33 anos. Ele, 55. Ela morreu em 2006, aos 93 ou 103, sem jamais contar a idade, “nem para o médico”. Segundo Delmo Moreira, o namoro com Vargas começou quando ela tinha 30 anos. O romance e a intensidade da paixão de Vargas por Aimée só foram revelados em 1995, com a publicação do diário dele. Quando Vargas matou-se, ela pediu à filha apenas que rezasse por ele. Aimée nunca tocou no assunto.

Eliane Cantanhêde - Guerra é guerra

O Estado de S. Paulo

Direita é forte nas urnas e no Congresso, mas STF tem arsenal e o Centrão tem limites na guerras

O poder atrai, mas também divide. A direita sai forte da eleição municipal e já era forte no Congresso, mas, enquanto o pastor Silas Malafaia mira a metralhadora giratória para Jair Bolsonaro e Ciro Nogueira (PP), o deputado Paulinho da Força, presidente do Solidariedade, integrante do Centrão, entra no Supremo com uma ação de impugnação do pacote anti-STF aprovado por ampla maioria na CCJ da Câmara.

O bolsonarismo caminha rachado para 2026 e o Centrão – grande vencedor das eleições – enfrenta dissidência na guerra do Congresso contra o Supremo.

Rolf Kuntz - Judiciário, abusivo ou apenas eficiente?

O Estado de S. Paulo

Cidadãos favoráveis a uma democracia liberal deveriam mostrar-se mais preocupados com as manobras de parlamentares contra o STF

O Brasil ainda é uma democracia graças ao Supremo Tribunal Federal (STF), alvo principal dos golpistas de janeiro de 2023, das ações antidemocráticas da extrema direita e das ameaças lançadas na reunião ministerial de 22 de abril de 2020. Ministros da Corte Suprema são acusados de invadir as áreas de competência de outros Poderes. Um conflito desse tipo ocorreu, por exemplo, quando o ministro Flávio Dino suspendeu o pagamento de emendas orçamentárias e cobrou transparência na destinação de recursos. Estava extrapolando suas atribuições ou defendendo, simplesmente, direitos básicos da cidadania? Convém lembrar esses fatos quando congressistas propõem limitar poderes dos ministros, autorizar o Congresso a anular julgamentos do STF e definir novo rito para impeachment dos juízes da Corte.

Entrevista - Jessé Souza: ‘A esquerda não procurou conquistar os mais pobres

Eduardo Graça / O Globo

‘Não basta essa esquerda legal' que discute gênero e raça e deixou pobres na direita’

Crítico do protagonismo das pautas identitárias, sociólogo diz que campo progressista terá que lutar para reconquistar o eleitor pobre, que se sente valorizado pelo bolsonarismo

 São Paulo - Em “O pobre de direita — a vingança dos bastardos”, o sociólogo Jessé Souza, 64 anos, autor de, entre outros, “A elite do atraso”, “A ralé brasileira” e “A classe média no espelho”, defende ser impossível entender o apelo do bolsonarismo aos menos privilegiados sem levar em conta dois fatores: de um lado, o racismo regional no país, com a enorme identificação “dos pobres brancos do sul e de São Paulo” com o ex-presidente Jair Bolsonaro; de outro, a inação da esquerda, “que nem mais tenta disputar áreas periféricas com grande presença das igrejas evangélicas”.

Voz destacada da esquerda na academia e ex-presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) no governo Dilma Rousseff (PT), Souza critica o protagonismo dado pelos partidos de esquerda às pautas identitárias.

Para o professor da Universidade Federal do ABC, este foi um “erro completo” e uma das razões pelas quais Guilherme Boulos (PSOL) teve muito menos votos no domingo do que a soma do prefeito Ricardo Nunes (MDB), dono da máquina municipal, e de Pablo Marçal (PRTB), em franjas da cidade nas zonas Sul (Paralheiros, Grajaú), Norte (Brasilândia, Lauzane Paulista), Leste (Sapopemba e Vila Prudente) e até Oeste (Lapa).

Veja a seguir os principais trechos da entrevista com o GLOBO:

Bruno Boghossian - A esquerda está diante de um momento de mudança inadiável

Folha de S. Paulo

Enquanto partidos acreditarem que é preciso convencer o eleitor a pensar como os líderes políticos, o fracasso estará dado

Lula nem tentou disfarçar a decepção com o resultado das eleições municipais. Reunido com aliados já no início da semana, o presidente repetiu uma avaliação que assombra o PT há tempos: a esquerda perdeu conexão com grupos sociais importantes. A elite do governo saiu da conversa com a velha ordem de que é preciso melhorar a comunicação com o povo.

A noção de que a recauchutagem do discurso é a grande solução para os problemas da esquerda é um presente para a direita. Ela parte do princípio de que falta apenas explicar melhor as ideias e ações desse campo político. Pode até ser verdade, mas é também uma bela maneira de ignorar as transformações sociais que estão na raiz do distanciamento.

Celso Rocha de Barros - Quem venceu as eleições?

Folha de S. Paulo

Ninguém discute que a esquerda perdeu, mas a direita-redes ou a direita-máquina ganhou?

A vitória da direita nas eleições de 2024 foi o cruzamento de dois tsunamis que atingiram a política brasileira nos últimos anos. Nenhum é de esquerda.

O primeiro é o surto de extrema direita que começou com o impeachment de Dilma Rousseff e ganhou volume com a eleição de Bolsonaro. Efeitos dessa onda ainda são claramente visíveis nos resultados de 2024: as listas de vereadores mais votados nas capitais estão cheias de extremistas, de Carlos Bolsonaro no Rio a Lucas Pavanatto em São Paulo.

Bolsonaristas puro-sangue ainda podem conquistar as prefeituras de CuritibaFortaleza e Belo Horizonte. Quando parte da liderança bolsonarista tentou se aliar à direita tradicional, seus seguidores se insurgiram a abraçaram extremistas como Pablo Marçal e Cristina Graeml.

Muniz Sodré - A vida posta em risco na roleta

Folha de S. Paulo

A compulsão decorre de uma seriação detentora do poder imaginário de redefinir as condições reais de vida

Bastou a Alexei Ivanovitch jogar uma única vez para que o vício se instalasse (Dostoeivsky em "O Jogador"), com todas as consequências de destruição e ruína. Para o adicto, o fundamento do jogo não é ficar milionário, mas substituir o tempo real por uma mitologia que absorve a angústia do tempo e da morte. A compulsão decorre de uma seriação detentora do poder imaginário de redefinir as condições reais de vida e finitude. O motor neurótico do sistema, verdadeira raiz da paixão, é ganhar e perder sem fim, satisfação e decepção, até que o jogador se autodestrua.

Hélio Schwartsman - O povo de Hitler

Folha de S. Paulo

Livro traz biografia de Hitler e de outros personagens que tornaram o nazismo possível

Não é porque a historiografia trata de eventos que já aconteceram e por definição não podem mais ser alterados que ela não avança. O acesso a mais fontes, mudanças em perspectivas teóricas, além do desenvolvimento de novas tecnologias, permitem quando não recomendam a reinterpretação de fatos pregressos.

Em "Hitler´s People" (o povo de Hitler), Richard Evans tenta responder àquelas questões que jamais vão embora. Como os alemães, um dos povos mais instruídos da Europa, puderam apoiar Hitler? Por que persistiram por tanto tempo nesse apoio?

Entrevista | Marcelo Freixo: Vitória da esquerda em 2026 passa por Paes, é meu candidato

Bernardo Mello e Caio Sartori / O Globo, 12.10.2024

Ex-opositor do prefeito, petista avalia que eleições mostraram a importância das alianças e reconhece que estava errado em críticas do passado

Rio de Janeiro - Ex-opositor de Eduardo Paes (PSD), o ex-deputado federal e presidente da Embratur, Marcelo Freixo (PT), afirmou ao GLOBO que o atual prefeito do Rio é o seu candidato a governador para 2026. O petista justifica o apoio por um "palanque muito mais forte" do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no estado.

Veja abaixo os principais trechos da entrevista.

As principais vitórias do PT em 2024 foram com aliados, como Eduardo Paes (PSD) no Rio, e não com candidaturas próprias. O que isso significa?

O PT aumentou o número de prefeituras e de vereadores, mas crescendo em cidades menores. É preciso voltar a crescer nas grandes cidades. O grande aprendizado é a necessidade de alianças estratégicas com o campo democrático para além da esquerda. Teve muita vitória da direita? Sim, mas esse campo democrático também venceu em cidades importantes.

O senhor foi rival de Paes na sua última reeleição, em 2012, e agora o apoiou. O que mudou?

Fui adversário direto dele quando não existia bolsonarismo. A esquerda e a direita disputavam um sentido de cidade. O Rio precisa sair da lama, e para isso é importante que eu e Eduardo estejamos juntos. Há dois anos, Lula perdeu em nove das dez maiores cidades do Rio, não podemos repetir isso. A vitória da esquerda em 2026 passa por esse campo democrático, que vai precisar de candidatos a governador. Paes cumpre esse papel e é o meu candidato, vou defender isso no tempo adequado. Como a eleição (de prefeito) foi agora, é normal que ele tenha a reação de negar a candidatura.

Sylvia Colombo - América Latina ainda vive rescaldo dos protestos de 2019

Folha de S. Paulo

Cinco anos depois de atos em Chile, Bolívia, Colômbia e Equador, região enfrenta consequências do ciclo de manifestações

Neste mês de outubro, completam-se cinco anos de uma série de manifestações em distintos países da América do Sul. Até hoje, esses acontecimentos carecem de interpretação profunda. Mas uma coisa é certa. Elas expuseram uma grande insatisfação da sociedade contra o modelo de democracia que vinha funcionando nessas nações.

A agitação foi interrompida pela pandemia do coronavírus. Depois que a crise sanitária terminou, porém, os desdobramentos foram inevitáveis.

O mais ressonante desses episódios foi o do Chile, iniciado em 18 de outubro de 2019. Começou com jovens saltando as catracas do metrô contra o aumento das tarifas. Logo escalou para um conflito nas ruas. A violência foi generalizada, os jovens manifestantes picharam a cidade, enfrentaram as forças de segurança com pedras e coquetéis molotov. Foram reprimidos duramente pelo governo de Sebastián Pinera (direita).