segunda-feira, 4 de novembro de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Autoridade Climática deve estar vinculada à Presidência

O Globo

Promessa de campanha de Lula precisa sair logo do papel para Brasil ter condição de enfrentar desafio ambiental

Em 2022, o então candidato à Presidência Luiz Inácio Lula da Silva (PT) prometeu criar uma Autoridade Climática, com o objetivo de coordenar ações dos vários órgãos de governo na prevenção, mitigação e adaptação a efeitos do aquecimento global. A promessa ajudou a angariar o apoio de Marina Silva. Em 2023, no discurso de posse como ministra, ela afirmou: “Até março deste ano será formalizada a criação da Autoridade Nacional de Segurança Climática no âmbito do Ministério do Meio Ambiente”. Passados quase dois anos de governo Lula, a promessa ainda não se concretizou.

Para não dizer que o assunto foi esquecido, ele voltou à pauta neste ano, por conveniência. Em 10 de setembro, em visita a áreas atingidas pela seca no Amazonas, Lula reciclou a promessa: “Vamos estabelecer uma autoridade climática e um comitê técnico-científico que dê suporte e articule a implementação das ações do governo federal”. Naquele momento, além da seca severa na Região Norte, a fumaça das queimadas tomava conta do país.

Nas divisões e disputas internas no governo, Marina tem defendido que a nova estrutura fique subordinada ao Ministério do Meio Ambiente. O ministro da Casa Civil, Rui Costa, argumenta que assim ela pareceria cargo de “segundo escalão”. Há pressão para vinculá-la à Casa Civil. Embora a minuta propondo a criação da Autoridade Climática tenha sido enviada em 18 de setembro, auxiliares de Lula admitiram ao GLOBO que a discussão não andou e ainda não há modelo para apresentar ao presidente. Como o projeto ainda teria de passar pelo Congresso, tudo indica que a questão ficará para 2025.

Educar para a democracia – Ricardo Henriques

O Globo

Os olhos do mundo estão voltados para a eleição de amanhã na maior economia do planeta e a possibilidade de vitória de um candidato que já demonstrou nenhum apreço pelas regras do jogo democrático causa temores de que a agenda populista e autoritária ganhe ainda mais impulso global.

Relatório deste ano do instituto V-Dem, vinculado à Universidade de Gotemburgo (Suécia), mostrou que a parcela da população mundial vivendo em países que se autocratizaram superou aquela habitando em nações que se democratizaram nos últimos 15 anos. Não se trata, portanto, de um fenômeno local, e para combatê-lo é fundamental refletir sobre o papel da educação na construção e preservação de uma cultura de convivência democrática.

Uma primeira constatação a ser feita é que a ampliação dos níveis de instrução não é garantia suficiente de que um país se torne mais democrático e tolerante. Apenas para ficar em um óbvio exemplo histórico, o nazismo foi germinado no início do século passado numa das sociedades mais escolarizadas da Europa à época. E o trauma da experiência do nazismo parece não ter gerado um aprendizado categórico da sociedade.

Por que ainda estamos aqui – Fernando Gabeira

O Globo

Reconstituição de época do filme de Walter Salles é tão perfeita que a própria ditadura parece se desprender da tela

Quase toda noite vejo um filme na TV. Saí de casa para ir ao cinema apenas três vezes em quase metade de um ano. Fui generosamente recompensado. Vi “Dias perfeitos”, de Wim Wenders, “Zona de interesse”, de Jonathan Glazer, e “Ainda estou aqui”, de Walter Salles.

Sobre o filme de Wenders, escrevi um texto. “Zona de interesse” ampliou meu interesse pela obra de Martin Amis, autor do livro.

É mais difícil escrever sobre “Ainda estou aqui”. Chorei durante o filme. Lembrei-me da infância, quando levei minha avó, que mal falava português, para ver “Direito de nascer” no cinema. Ela chorou intensamente e a consolei no caminho de volta para casa, insistindo no argumento de que aquilo não existiu, era uma invenção. Os netos não poderiam me consolar agora. O filme é baseado na história real da família de Rubens Paiva, sequestrado e morto pela ditadura militar.

Pauta identitária afugenta eleitores – Miguel de Almeida

O Globo

Gênero e raça, embora Kamala seja uma mulher negra descendente de asiáticos, foram temas amenizados ao longo da campanha

Depois de uns dias andando por Nova York, percebe-se como a realidade mata os modismos. Das eleições americanas, que ocorrem amanhã, fica uma certeza — independentemente de quem ganhe, a pauta identitária sai chamuscada. Gênero e raça, embora Kamala Harris seja uma mulher negra descendente de asiáticos, foram temas amenizados ao longo da campanha. Deputadas estridentes do politicamente correto, como Alexandria Ocasio-Cortez, alcunhada AOC, não tiveram voz na corrida presidencial.

De início, Kamala escandiu as duas credenciais, mas nos meses seguintes tratou de procurar oferecer políticas públicas aos negros (moradia principalmente) e mulheres (defesa do aborto) e não de tingir seu discurso em guerra cultural. Quis exibir uma plataforma de cunho social, longe de ser identitária como pregam a extrema esquerda democrata e ainda alguns cordões universitários. AOC, em campanha para reeleição de deputada, fez disso sua bandeira central — “a luta por direitos raciais e sociais”.

A Vale, a tragédia e cada um de nós - Bruno Carazza

Valor Econômico

Acordo por tragédia em Mariana é mais um capítulo de um século de exploração minerária

“Cada um de nós tem seu pedaço no pico do Cauê”, escreveu o jovem Carlos Drummond de Andrade em seu livro de estreia, “Alguma Poesia”, de 1930.

O verso vem de um poemeto chamado “Itabira”, parte de uma série de oito, cada qual nomeado por uma localidade, enfeixados sob o título de Lanterna Mágica, antigo aparelho utilizado para projetar imagens na parede, precursor do cinema e dos slides.

Itabira, óbvio, é a cidade natal de Drummond. E o pico do Cauê, marco geográfico da região, não existe mais. “A pedra que brilha” (Ita-bira), como os povos originários designaram aquela montanha, “foi roída pela atividade mineradora, ao longo das décadas, a ponto de ter se transformado numa inominável cratera que cava seu perfil em negativo no fundo da terra”, como descreveu José Miguel Wisnik no excepcional “Maquinação do mundo: Drummond e a mineração” (Companhia das Letras, 2018).

BC deve ser vago sobre os seus passos futuros - Alex Ribeiro

Valor Econômico

Situação fiscal e cenário externo, principalmente devido à eleição nos Estados Unidos, são principais incertezas

A aposta dominante do mercado financeiro para a reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central desta semana é uma alta de 0,5 ponto percentual nos juros básicos da economia, para 11,25% ao ano. A dúvida: será sinalizada alguma coisa para os passos futuros e, mais importante, sobre o tamanho do ciclo de aperto?

O mercado não ficará completamente no escuro. O Copom sempre dá alguma indicação, às vezes mais forte e às vezes mais fraca, por meio de suas projeções de inflação. Elas passam uma ideia se a trajetória de juros esperada pelo mercado é suficiente ou não.

Por esse parâmetro, em setembro a situação já não era boa. O BC precisava levar a taxa Selic para mais de 13% ao ano. Ou subir menos que isso, mas adiar o ciclo de baixa, que o mercado então esperava para meados de 2025. Hoje, a situação parece um pouco pior.

Os perigos de uma economia Trump-Musk - Joseph Stiglitz

Valor Econômico

Em praticamente todas as áreas em que o país enfrenta um desafio, as políticas de Trump tornariam as coisas piores

À medida que a decisiva eleição presidencial nos EUA se aproxima, a campanha atingiu um ápice de tensão, com Donald Trump e aliados fazendo promessas cada vez mais radicais. Mas essas promessas, especialmente em relação à política fiscal, inevitavelmente serão quebradas. Afinal, é matematicamente impossível reduzir os impostos para as corporações e os bilionários, sustentar programas básicos como o de defesa e o da Previdência Social e, ao mesmo tempo, reduzir o déficit.

Algumas das promessas mais absurdas da campanha de Trump vêm de Elon Musk, que alega saber como cortar US$ 2 trilhões do orçamento federal. Isso soa irônico, vindo de alguém cujas empresas dependem tanto de contratos com o governo e socorros financeiros (sem o empréstimo de US$ 465 milhões que recebeu do governo Obama, a Tesla poderia muito bem ter falido).

O mundo frente a um triunfo de Trump - Oliver Stuenkel

O Estado de S. Paulo

Uma vitória de Kamala Harris representaria, de modo geral, a continuação da atual política externa americana – e, portanto, poucas mudanças tanto para os aliados quanto para os desafetos dos EUA. Um triunfo de Donald Trump, por outro lado, traria profundas mudanças geopolíticas. Lideranças em Moscou, Buenos Aires, Jerusalém, Budapeste, Riad e Pequim celebrariam o retorno do republicano à Casa Branca.

Kamala Harris e Trump, protecionistas - Diogo Schelp

O Estado de S. Paulo

O que separa o republicano da democrata é a intensidade e não a essência

Em 2008, o democrata Barack Obama conquistou a presidência dos Estados Unidos tendo como adversário um candidato claramente pró-livre comércio: o republicano John McCain. Obama é que era considerado o protecionista.

Em 2016, chegou Donald Trump e inverteu tudo. Uma de suas primeiras decisões foi jogar no lixo um tratado de livre comércio fechado por Obama com onze países da Ásia e do Pacífico. Atualmente, considera-se que o republicano representa o ideal do protecionismo e do isolacionismo, enquanto os democratas, nas figuras do presidente Joe Biden e da sua vice e candidata a sucessora Kamala Harris, seriam mais abertos para o mundo.

Despolarização - Denis Lerrer Rosenfield

O Estado de S. Paulo

Abre-se a possibilidade de que a pluralidade exibida nessas eleições municipais possa traduzir-se por várias apostas em 2026

O resultado das eleições municipais exibiu um quadro de despolarização dos embates políticos, com as forças políticas mais importantes, como o lulopetismo e o bolsonarismo, sofrendo importantes transformações. O PT, aliado ao PSOL, padeceu de derrotas importantes, a exemplo de São Paulo, Porto Alegre e outras capitais, enquanto o que se convencionou chamar de bolsonarismo mostrou relevantes divisões internas.

O PT envelheceu não somente do ponto de vista etário de seus membros, mas, sobretudo, devido ao atraso de suas ideias. Há uma não renovação geracional, tendo o PT se tornado lulodependente, e uma não renovação ideológica, com o partido preso a antigas fórmulas, com pouca aderência à sociedade. Quando algo muda, como no abraço a políticas identitárias, torna-se progressivamente alheio à realidade, voltado para uma bolha que vive, minoritariamente, de sua própria reprodução.

Esquerda diverge sobre formas de recuperar eleitorado - Ana Luiza Albuquerque

Folha de S. Paulo

Escolha por moderação ou radicalização e formas de encarar o empreendedorismo dividem ativistas e acadêmicos

Em outubro de 2018, a poucos dias do pleito que elegeria Jair Bolsonaro (PL) presidente, o rapper Mano Brown quebrou o clima festivo em comício de Fernando Haddad (PT) no Rio de Janeiro com uma fala crítica ao segmento. "Se somos o Partido dos Trabalhadores, tem que entender o que o povo quer. Se não sabe, volta pra base e vai procurar entender."

Seis anos depois, a mensagem de Brown volta a circular nas redes sociais enquanto ativistas e acadêmicos se dividem a respeito dos desafios que a esquerda encontra para se reconectar com o eleitor e, principalmente, dos caminhos a serem traçados para reverter o problema.

O ponto de partida para a retomada da discussão foi a derrota do deputado federal Guilherme Boulos (PSOL) para o prefeito Ricardo Nunes (MDB) em São Paulo. Com 40,65% dos votos, o psolista praticamente repetiu o mesmo percentual de 2020, quando também perdeu no segundo turno –agora, porém, tinha mais recursos e tempo de televisão.

Pobres viraram à direita porque religião os acolhe na humilhação -João Gabriel de Lima

Folha de S. Paulo

Sociólogo lança livro que analisa guinada conservadora das classes mais baixas e diz que esquerda ignora a vida moral

"O Pobre de Direita", novo livro do sociólogo Jessé Souza, foi escrito antes das eleições municipais, mas é uma leitura útil para entender um fenômeno que se verificou nas urnas: a virada à direita do eleitor brasileiro, que se situa majoritariamente nas classes C, D e E da pirâmide social.

"Comecei a pesquisar o assunto porque as duas explicações que existiam não me satisfazem", disse Souza à Folha em Lisboa, onde esteve para lançar seu livro. "A primeira é a do minion, do gado, que é o estereótipo do senso comum. A segunda resposta, mais acadêmica, é a de que o pobre tem uma cabeça conservadora por causa da religião, como se fosse uma coisa intrínseca a ele. A pergunta que ninguém fez é: por que a pessoa escolhe justamente aquela religião entre tantas possíveis?"

Vale a pena ver de novo - Ana Cristina Rosa

Folha de S. Paulo

Atriz, homenageada no CCBB, abriu e pavimentou caminho para toda uma geração de jovens talentos pretos e pardo na dramaturgia

Num tempo em que não havia espaço para pessoas negras no teatro, no cinema e na televisão, Léa Garcia foi pioneira ao destacar-se no universo das artes cênicas. Tornou-se uma das principais atrizes do Brasil.

Seu trabalho ajudou a dar visibilidade à questão racial. Ao jogar luz sobre a precariedade da situação do negro na sociedade brasileira, abriu e pavimentou caminho para toda uma geração de jovens talentos pretos e pardos que têm se destacado na dramaturgia nacional.

Por que o PT pode amargar a mesma sina do PSDB? - Marcus André Melo

Folha de S. Paulo

A visibilidade alcançada em escândalos de corrupção ajuda no declínio

Os resultados eleitorais pífios do PT exigem uma reflexão mais ampla sobre seu significado. Uma das razões da perplexidade diz respeito ao chamado "efeito incumbência", que foi praticamente nulo nas eleições. O que, registre-se, não aconteceu com o PSDB, em sua trajetória de declínio terminal. O número de prefeituras conquistada pelo PT é irrisório; 4/5 delas estão em pequenos municípios no Nordeste. Um município —Fortaleza— responde pela maior parte da população a ser governada, mas o prefeito eleito se filiou ao partido em 2023, após três mandatos pelo PDT. O fato de que Lula foi eleito em 2022 obscureceu o brutal enfraquecimento do partido no Congresso e na sociedade em geral.

O declínio do PT e do PSDB interessa não só porque vertebraram a competição política por duas décadas: trata-se dos únicos partidos programáticos "presidenciáveis" do país. O percentual de votos combinados das duas siglas no primeiro turno foi de 44% (1989), 85% (1994 e 1998), 70% (2002), 90% (2006) e 80% (2010) e 75% (2014). Até 1998 ganharam centralidade no sistema partidário, que ganhava musculatura. Entre 1989 e 1998, os três maiores partidos expandiram sua participação no total das cadeiras de 46% a 56% do total; mas a partir deste ano cai monotonicamente: 48% (2002), 46% (2006), 42% (2010), 37%(2014) e 28% (2018).

Eleições americanas e o Brasil - André Gustavo Stumpf

Correio Braziliense

Se Trump for eleito, uma das primeiras ações será anistiar os responsáveis pela invasão do Congresso. No Brasil, esse ato será compreendido como incentivo para anistiar o pessoal que invadiu as sedes dos Três Poderes

A eleição nos Estados Unidos não é nacional. O processo resulta de várias eleições estaduais, cada uma com a própria característica. Em cada estado, a cédula de votação, que pode ser de papel ou eletrônica, oferece diversas opções ao eleitor que vota no presidente e nas várias escolhas que ocorrem no mesmo dia, uma terça-feira. Até temas comunitários aparecem nas cédulas. Por essa razão, fazer pesquisa eleitoral nos Estados Unidos é algo muito perigoso. Os institutos já erraram muito. 

Na eleição de Donald Trump, o país dormiu achando que Hillary Clinton tinha sido eleita, mas seu opositor conseguiu vencer nos estados com maior número de delegados. Ele perdeu no voto popular, mas venceu no Colégio Eleitoral. Trump perdeu, mas ganhou. Difícil de explicar, mas o jogo é esse. Agora, ocorre o mesmo fenômeno. Kamala Harris tem um ou dois pontos de vantagem sobre Donald Trump, mas isso não significa nada. A vantagem é ganhar nos estados que elegem o maior número de delegados. Quem ganha, leva todos os votos do estado. Califórnia e Nova Iorque, que possuem grande número de delegados, são francamente favoráveis aos democratas.