sexta-feira, 8 de novembro de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Controle de gastos é essencial para conter alta de juros

O Globo

Copom teve de acelerar subida da Selic diante das incertezas sobre compromisso fiscal e cenário externo

Os sinais de força da economia, o aquecimento do mercado de trabalho e o crescimento das projeções de inflação justificam a decisão unânime do Comitê de Política Monetária (Copom), do Banco Central (BC), de aumentar a taxa básica de juros, a Selic, para 11,25%. Na reunião anterior, em setembro, a taxa subiu um quarto de ponto percentual. Ao acelerar o ritmo para meio ponto, o Copom mostra estar pronto para seguir aumentando a Selic até controlar a alta de preços. O cenário internacional, que sempre exige atenção, ficou mais desafiador com a eleição de Donald Trump. Diante da dinâmica inflacionária e do quadro externo, os rumos da política fiscal farão enorme diferença. A magnitude do aperto monetário será maior ou menor, a depender da seriedade do governo no programa de controle de despesas esperado com ansiedade pelo mercado.

Por decisão do Conselho Monetário Nacional, a meta de inflação perseguida pelo Copom é 3%, com intervalo de tolerância até 4,5%. Do início de outubro para cá, as previsões para 2024, 2025 e 2026 subiram. A projeção atual para este ano está em 4,59%, para o próximo em 4,03% e para o seguinte em 3,61%. A inflação acumulada em 12 meses, medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), fechou outubro em 4,47%, segundo a prévia do IBGE. Em nota, os próprios integrantes do Copom reconheceram que suas previsões se deterioraram. Por isso era hora de ação, algo que a maioria dos analistas já esperava.

Tempos de incerteza - Fernando Gabeira

O Estado de S. Paulo

A democracia liberal não é o ponto de chegada da experiência humana, como pensava Fukuyama. Resta saber se sobrevive onde sempre foi considerada um exemplo planetário

As eleições americanas são o fato mais importante do ano, que por sinal está acabando. São tantos os caminhos para interpretar sua influência que é preciso separá-los para evitar o labirinto.

Do ponto de vista da democracia, a vitória de Donald Trump é preocupante. Ele estimulou a invasão do Capitólio, duvidou abertamente do resultado das urnas em 2020 e promete vingança contra seus adversários.

Há uma suposição de que o autoritarismo não triunfa nos EUA. Não podemos esquecer aquele célebre artigo de Francis Fukuyama para quem a democracia liberal era a forma política final do gênero humano.

De lá para cá, os regimes autoritários cresceram, adotaram métodos capitalistas, aumentaram a renda per capita das pessoas e oferecem até um certo orgulho nacional, no lugar do desejo por liberdade e direitos políticos. Segundo o professor Robert Stefan Foa, em 1995 as pessoas com renda per capita acima de US$ 20 mil viviam em 96% dos casos em democracias liberais. Apenas 34 milhões viviam em países não democráticos. Hoje há 315 milhões com renda per capita acima desse limiar que vivem em países dominados pelo autoritarismo.

Bolsonaro está assanhado - Eliane Cantanhêde

O Estado de S. Paulo

O que é bom para os EUA é bom para o Brasil? E o que acontece lá se repete aqui? Nem sempre...

O principal impacto da vitória de Donald Trump no Brasil não é o que ele poderá fazer contra o governo Lula, mas o que tentará fazer a favor da volta do ex-presidente Jair Bolsonaro, que, aliás, acaba de dizer que quase tudo o que acontece nos Estados Unidos costuma se repetir aqui. Fica implícito: se Trump perdeu a reeleição e acaba de se eleger para novo mandato, por que o mesmo não pode ocorrer com ele em 2026?

Esse risco derruba, ou enfraquece, a tese de que o Supremo e o ministro Alexandre de Moraes, decisivos para evitar um golpe no primeiro mandato e após a derrota de Bolsonaro, erram ao não recolher as armas, porque a ameaça passou, mas eles continuam agindo com excepcionalidade após a volta à normalidade. Será que a ameaça passou mesmo? As vitórias da direita nas eleições municipais no Brasil e de Trump nos EUA estimulam o bolsonarismo e trazem o fantasma do golpe de volta.

Bernardo Mello Franco – O sonho de Jair

O Globo

Jair Bolsonaro tem um sonho. Quer usar a vitória de Donald Trump nos Estados Unidos como trampolim para voltar ao poder no Brasil. O capitão está eufórico com o triunfo da extrema direita americana. “Quase tudo o que acontece lá acontece aqui”, proclamou.

Em entrevista à Folha de S.Paulo, Bolsonaro definiu a conquista do republicano como um “passo importantíssimo” para recuperar seus direitos políticos. “Acredito que o Trump gostaria que eu fosse elegível”, justificou.

À espera de um afago, o capitão abanou o rabo e estendeu a pata para o presidente eleito dos EUA. “Ele gosta de mim”, disse. “É como você se apaixonar por alguém de graça, né? Essa paixão veio da forma como eu tratava ele”, prosseguiu.

Empenhado em demonstrar fidelidade, Bolsonaro se gabou de ter sido “o último chefe de Estado” a reconhecer a vitória de Joe Biden em 2020. “Ele não esquece isso”, emendou, referindo-se a Trump. A bajulação fez lembrar sua política externa rastejante, ancorada numa relação de vassalagem com a Casa Branca.

Vitória de Trump não impacta o G20, diz sherpa - Andrea Jubé

Valor Econômico

Todas as negociações foram construídas na Presidência de Joe Biden

A diplomacia mundial usa o termo “sherpa” para designar o principal negociador de cada país nas cúpulas internacionais. A metáfora é adequada. Os sherpas, povo originário do Himalaia, entre o Tibete e o Nepal, tornaram-se os guias dos alpinistas que se dispõem a escalar as montanhas mais altas do mundo, como o Everest.

“Os sherpas [na diplomacia] têm de ajudar os líderes [chefes de Estado] a chegarem à cúpula”, ou seja, ao ponto alto das negociações, em meio a longas e sinuosas trilhas, explicou à coluna o embaixador Maurício Carvalho Lyrio. Ele é o sherpa do Brasil na cúpula do G20, cuja reunião de chefes de Estado ocorre nos dias 18 e 19 no Rio de Janeiro, sob a presidência brasileira.

Identitários são eles – Flávia Oliveira

O Globo

Trump surfou bem a onda de insatisfação com a falta de renda e as condições do mercado de trabalho

Foi Spike Lee — diretor de “Faça a coisa certa” (1989), “Malcolm X” (1992), “Infiltrado na Klan” (2018), “Destacamento Blood” (2020) — quem cantou a pedra no próprio domingo, 21 de julho, em que Joe Biden tirou o pé do projeto de reeleição e empurrou a vice aos leões. Sob uma foto presidencial de Kamala Harris, o cineasta escreveu numa rede social: “Once again a sista comes to da recue” (“Mais uma vez, uma mana vem em resgate”, em tradução livre). Bingo.

Quando se candidatou à Casa Branca, em 2020, numa espécie de frente ampla à americana para deter a ameaça que Donald Trump, eleito em 2016, já representava para a democracia, Biden não pretendia cumprir mais de um mandato. Seria o comandante em chefe de um período de transição para a normalidade, nos moldes do que se deu no Brasil, a partir da eleição de 2022. Em plena onda de manifestações da juventude negra contra a violência policial, após o assassinato de George Floyd por asfixia, sacou como vice uma senadora afro-asiática em primeiro mandato, ex-procuradora-geral da Califórnia, Kamala Harris.

José de Souza Martins - Bruxas de importação

Valor Econômico

O Halloween tornou-se aqui um artifício para saciar da carência de doçura esta sociedade de insuficiências e insatisfações

Já faz alguns anos que, na véspera do Dia de Todos os Santos, a criançada das redondezas de onde moro, no subúrbio de São Paulo, logo depois de escurecer, em grupos, muito sorridente e alegre, bate à porta de casa e quando atendemos somos saudados com o que parece ser mais uma ameaça do que uma brincadeira: “Gostosuras ou diabruras?”.

A alegria infantil das atitudes contrasta com a sisudez da frase estrangeira, originária de uma cultura religiosa repressiva dos tempos puritanos da caça às bruxas nos EUA.

No começo, aqui em casa, resistimos em aderir e participar. Não víamos nenhuma relação com nossa sociedade e nossos costumes. Aquilo era estranho e postiço.

Corte no meu, não - Vera Magalhães

O Globo

Ministros tentam, no grito, evitar medidas que possam atingir suas pastas, tratando áreas do Executivo como se fossem feudos  

Como sempre faz quando precisa arbitrar questões delicadas que dividem aliados, o presidente Lula deixou prolongar-se para muito além do razoável a novela a respeito do tal pacote de corte de gastos. Com isso, atrapalha os benefícios que seu próprio governo pode colher da iniciativa de mostrar que o arcabouço fiscal com que se comprometeu na largada do mandato é factível e suficiente para garantir o equilíbrio das contas públicas.

A romaria de ministros que Lula promoveu ao longo da semana propiciou um movimento bizarro. Titulares das pastas se manifestaram antes mesmo de qualquer anúncio, dizendo “comigo não, violão”. Corte no gasto dos outros é refresco é a síntese de uma semana em que, de novo, o tema andou em círculos.

Fernando Haddad é quem fica na fogueira, como sempre, diante do método de Lula não decidir o que cabe apenas a ele. O mesmo impasse pode ser visto noutros temas cruciais, como a decisão de explorar petróleo na Margem Equatorial.

Luiz Marinho vociferou na semana passada que poderia pedir demissão caso o ajuste atingisse benefícios ligados ao Ministério do Trabalho. Lula perdeu a oportunidade de matar dois coelhos com uma cajadada.

Lula não vai cortar nenhum benefício de quem tem direito a Bolsa Família e BPC, diz ministro

Giordanna Neves / O Estado de S. Paulo

Wellington Dias descartou mudanças estruturais em programas assistenciais no pacote a ser anunciado pelo governo

Em meio às discussões do governo sobre o pacote de corte de gastos para reequilibras as contas públicas, o ministro do Desenvolvimento Social, Wellington Dias, afirmou nesta quinta-feira, 7, que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva mantém o total compromisso com os mais pobres e jamais aceitaria cortar “um só benefício” de quem preenche os requisitos para ter acesso a programas sociais.

“O Lula continua o mesmo, pela sua história de vida, total compromisso com os mais pobres e jamais aceitaria cortar um só benefício do Bolsa Família ou BPC ou qualquer benefício que preenche requisitos legais de uma pessoa ou família pobre”, disse Dias em nota.

Seguro-desemprego deve ser poupado de corte pelo governo

Por Renan TruffiFabio MurakawaGuilherme PimentaLu Aiko OttaRafael Bitencourt / Valor Econômico

Governo retoma hoje discussão sobre medidas, e mudanças no abono ainda estão na mesa

Pressionado pelo ministro do Trabalho, Luiz Marinho, e por centrais sindicais, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) deve manter intactas as regras atuais do seguro-desemprego. Segundo uma fonte do primeiro escalão do governo, as normas sobre esse benefício à classe trabalhadora deverão ficar de fora do pacote de medidas de cortes de gastos que Lula deve enviar ao Congresso na semana que vem com o objetivo de manter em operação o arcabouço fiscal.

As medidas para garantir a sustentabilidade das contas públicas estão sendo discutidas pela equipe econômica ao longo desta semana. Ontem, Lula se reuniu com integrantes da Junta de Execução Orçamentária (JEO) por cerca de 6 horas, mas não houve anúncios.

O encontro deve ser retomado nesta sexta-feira (8) à tarde.

Lupi é o patinho feio do ajuste fiscal – Luiz Carlos Azedo

Correio Braziliense

Duas reuniões com o presidente Lula, uma pela manhã e outra à tarde, não fecharam o ajuste. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, está isolado na Esplanada

O ministro da Previdência Social, Carlos Lupi (PDT), está com um pé fora do governo por causa do ajuste fiscal. Disse o ministro trabalhista que não tem como ficar na Esplanada se houver cortes em direitos da Previdência. Entrou em rota de colisão com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, mas conta com a solidariedade de outros ministros que estão na alça de mira da equipe econômica.

Nesta quinta-feira, houve mais reuniões no Palácio do Planalto para debater o pacote fiscal. Enquanto o governo não encontra uma saída para o rombo nas contas, o mercado especula e o Copom sobe a taxa de juros. Duas reuniões com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, uma pela manhã e outra à tarde, não chegaram a uma conclusão. Haddad e a ministra do Planejamento, Simone Tebet, estão praticamente isolados na equipe.

Governo Lula descarta desvincular benefícios sociais de salário mínimo

Folha de S. Paulo*

Alterar os pisos de saúde e educação ainda está na mesa, mas é considerado 'candidato fraco' a aparecer no pacote de redução de despesas

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) adiou, mais uma vez, a decisão sobre pacote de medidas para corte de gastos. Uma nova reunião deve ser realizada na sexta-feira (8) à tarde, com ministros das áreas econômica e social.

Um integrante da equipe econômica que participou da reunião com Lula na quinta disse, reservadamente, que algumas medidas ainda precisam ser explicadas.

Segundo pessoas a par das discussões, o abono salarial (espécie de 13º salário pago a trabalhadores com carteira que ganham até dois salários mínimos) deve ser alvo de um redesenho e há mais de um formato em análise.

O diagnóstico é de que o benefício, que custará R$ 30,7 bilhões em 2025, pode ser mais concentrado nos mais pobres. Sob as regras atuais, a própria política de valorização do salário mínimo tem contribuído para que um número cada vez maior de pessoas tenha direito ao repasse.

Já a desvinculação de benefícios sociais, como o abono e o BPC (Benefício de Prestação Continuada), em relação ao salário mínimo, defendida por economistas e pelo mercado pelo impacto potente que produziria nas contas, está descartado e não é alvo das discussões recentes, segundo as mesmas pessoas.

Lula, a direita e o gasto da esquerda – Vinicius Torres Freire

Folha de S. Paulo

Cúpula petista, parte do governo e manifesto de esquerda querem dobrar aposta errada

A primeira vez que este jornalista ouviu de uma autoridade de governo uma ideia prática de criar um teto de gastos foi em fins de 2015. A autoridade era Nelson Barbosa, ministro da Fazenda de Dilma Rousseff, recém-nomeado. O nome da coisa era esse mesmo, "teto". Barbosa ora é diretor do BNDES.

Fiz as perguntas óbvias de qualquer incrédulo. O programa petista não era aquele, a ação dos governos petistas de 2007 a 2014 não fora aquela (e Barbosa havia sido importante no governo). A esquerda pedira nas ruas a cabeça de Joaquim Levy (o "mãos de tesoura", ministro que antecedeu Barbosa); dizia que era preciso enfrentar a direita com mais gastos.

Bolsonaro bajulou Trump para a direita brasileira ouvir – Bruno Boghossian

Folha de S. Paulo

Pose infantil de 'amigo do rei' é recado para colegas em momento de questionamentos internos

Depois do tropeço nas urnas há algumas semanas, Jair Bolsonaro tentou tirar uma casquinha da vitória de Donald Trump. O brasileiro fez propaganda da relação com o republicano, disse que a eleição americana é um "passo importantíssimo" para sua volta ao poder e especulou: "Tenho certeza de que ele gostaria que eu viesse candidato".

Bolsonaro não explicou o que Trump ganharia. Talvez o americano tenha interesse num governante que, no passado, esteve tão enamorado que ofereceu aos EUA mais benefícios do que receberia. Também é possível que o republicano queira apenas mais um bajulador. "Fui o último chefe de Estado a reconhecer a vitória do Biden, ele não esquece isso", orgulha-se o brasileiro.

Mundo mais sombrio com eleição de Trump - Hélio Schwartsman

Folha de S. Paulo

Republicano venceu bem e deve obter domínio sobre Congresso para tentar implementar promessas

O mundo não acaba com a eleição de Donald Trump, mas se torna um lugar mais sombrio e mais perigoso também.

Uma primeira observação é que Trump venceu bem. Superou a rival no colégio eleitoral e no voto popular e é quase certo que seu partido controlará as duas Casas do Congresso. A maioria da Suprema Corte ele já tinha. O ex e futuro presidente não encontrará, portanto, grandes impedimentos para implementar suas principais promessas. É aí que mora o perigo.

Vitória de Trump reanima plano de novo regime nos EUA – Marcos Augusto Gonçalves

Folha de S. Paulo

Ideia de ordem pós-liberal, com partido trabalhista e novas elites, volta à baila após triunfo do republicano

A categórica vitória de Donald Trump sobre sua rival democrata, Kamala Harris, poderá abrir as portas para uma mudança mais profunda nos EUA? Ou será que essa mudança, na verdade, já está inapelavelmente em curso?

Não se trata apenas do sempre citado impulso autocrático do eleito ou do sinistro Projeto 2025, com o qual Trump afirma ter divergências e não se sabe ao certo se e como será adotado.

O que vale perguntar também é se não se projeta, das redefinições da sociedade e do eleitorado, alguma movimentação mais profunda com vistas a novos arranjos políticos e institucionais. A segunda onda de Trump tem a oportunidade de abalar a configuração tradicional do establishment liberal democrático com repercussões na própria representação partidária, dando contornos mais definidos ao que pareceu a alguns ser um surto populista episódico, espontâneo e anárquico na vitória de 2016.