sexta-feira, 15 de novembro de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Atentado expõe os riscos da radicalização

O Globo

Mesmo que sejam ato isolado, explosões em Brasília mostram que as autoridades não aprenderam todas as lições do 8 de Janeiro

É grave o atentado na Praça dos Três Poderes, em Brasília. O autor parou um carro carregado de explosivos num estacionamento da Câmara, incendiou o veículo, caminhou em direção ao prédio do Supremo Tribunal Federal (STF), arremessou outros explosivos contra o prédio ao lado da escultura que representa a Justiça, depois se matou em nova detonação. O mais preocupante é que tenha chegado tão perto do Supremo e do Palácio do Planalto, expondo mais uma vez a vulnerabilidade do coração da República.

Tal fragilidade ficara evidente no trágico 8 de janeiro de 2023, quando, tentando tomar o poder, golpistas invadiram a Praça dos Três Poderes e depredaram Congresso, Palácio do Planalto e STF. As novas explosões mostram que, aparentemente, as autoridades não aprenderam todas as lições que deveriam ter aprendido no episódio.

Nem foi a primeira vez que atos terroristas abalaram a capital. Em 2022, no ambiente polarizado depois da eleição, radicais tentaram explodir um caminhão de combustível perto do Aeroporto de Brasília. A tentativa só não deu certo porque o motorista percebeu um objeto estranho e chamou a polícia. Houve também sabotagens a torres de transmissão de energia e mobilização armada em acampamentos.

Vera Magalhães - Terrorista explode farsa da anistia

O Globo

Extremistas não querem conciliação, mas vingança contra aqueles que seu líder máximo trata como traidores da pátria

Chama a atenção a desfaçatez com que os principais líderes bolsonaristas, alguns dos quais estavam no Congresso na noite de quarta-feira e puderam ouvir as explosões, rapidamente se puseram a minimizar a gravidade do novo ataque à Praça dos Três Poderes, menos de dois anos depois do 8 de Janeiro. Pudera. O ato, não importa se planejado por Francisco Wanderley Luiz de forma isolada, explodiu não só um carro e seu perpetrador, mas a indecente defesa da tal anistia para os golpistas de 2023 — que, na verdade, nunca teve a ver com a preocupação legítima com aqueles que são réus ou já foram condenados, mas com a vindoura fase da responsabilização dos financiadores, insufladores e idealizadores das sucessivas tentativas de golpe urdidas por Jair Bolsonaro e seus apoiadores.

Não que o roteiro traçado pelo ex-presidente e reverberado por deputados e senadores a ele vinculados tivesse chance de prosperar. Mas o sucesso eleitoral de alguns dos candidatos da direita, o crescimento da ala mais estridente do bolsonarismo em câmaras municipais e, depois, a eleição de Donald Trump nos Estados Unidos deram gás ao discurso de que os ventos sopravam pela “conciliação” nacional.

Bernardo Mello Franco – Pacifismo de ocasião

O Globo

A polícia ainda vasculhava os arredores do Supremo em busca de explosivos quando Jair Bolsonaro, logo ele, fez um apelo à “pacificação nacional”. “Já passou da hora de o Brasil voltar a cultivar um ambiente adequado para que as diferentes ideias possam se confrontar pacificamente”, escreveu.

O capitão classificou o atentado de quarta-feira como um “fato isolado”, executado por alguém com “perturbações na saúde mental”. “Isso tem de ser tratado como o que foi: um ato de loucura de uma pessoa”, reforçou seu escudeiro Ciro Nogueira.

As investigações dirão se o chaveiro Francisco Wanderley Luiz agiu mesmo sozinho ao levar bombas para a Praça dos Três Poderes. O ato pode ter sido solitário, mas não foi isolado. Está ligado à espiral de violência política que começou com faixas pedindo um novo AI-5 e culminou na intentona golpista do 8 de janeiro.

Bomba implodiu a anistia de Bolsonaro – Luiz Carlos Azedo

Correio Braziliense

O uso da violência por extremistas de direita no Brasil pode, sim, ser enquadrado como terrorista, porque visam desestabilizar a ordem pública e atacar instituições democráticas

O objetivo de Francisco Wanderley Luiz, autor das explosões na Praça dos Três Poderes, era matar o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, segundo depoimentos de familiares à Polícia Federal (PF). Ele também havia revelado à ex-mulher, Dayane Dias, que pretendia se matar após o atentado, o que acabou ocorrendo durante o confronto com a segurança do STF. Chaveiro, de 59 anos, Wanderley fora candidato a vereador do PL, em 2020, no município de Rio do Sul (SC). Era um bolsonarista fanático.

Desde a derrota de Jair Bolsonaro, em 2022, Wanderley falava que pretendia matar o ministro Moraes, tendo se preparado para isso longamente. Fez viagens a Brasília, visitou o plenário do Supremo, percorreu corredores da Câmara e rondou a Praça dos Três Poderes, tudo registrado em postagens nas redes sociais. No começo da noite de quarta-feira, impedido de entrar no prédio do STF, lançou uma bomba contra a estátua da Justiça, duas contra os seguranças do Supremo e se matou, ao acionar uma quarta bomba sob a cabeça, após se deitar no chão.

Medos e pânicos do Brasil com Trump - Janaína Figueiredo

O Globo

Nomeação de Marco Rubio para comandar a política externa americana foi a confirmação de um dos piores cenários imaginados para um governo Trump 2

Quando o nome do senador da Flórida Marco Rubio foi confirmado como a escolha de Donald Trump para chefiar o Departamento de Estado, a sensação no governo brasileiro foi a de que os piores cenários imaginados para um governo Trump 2 estavam se confirmando. “A cada nomeação, só piora”, comentou uma fonte diplomática, que enumerou alguns dos medos e pânicos do Brasil em relação ao republicano que se tornou líder da extrema direita global.

Os medos do governo Lula são muitos e incluem eventual sabotagem da agenda ambiental brasileira, até mesmo da COP 30, que será realizada em 2025 em Belém. O evento é uma das grandes apostas do governo em sua estratégia de inserção nos grandes debates globais, e o negacionismo climático de Trump, temem em Brasília, poderia enfraquecer o encontro.

Jornada necessária – Flávia Oliveira

O Globo

O clamor por qualidade de vida inundou as redes sociais, tomou o debate público, alcançou Congresso Nacional, empresariado, Palácio do Planalto. Por trás da insatisfação com a escala que impõe a empregados seis dias de trabalho, um de folga, está o bem-viver, sinônimo de mais tempo para família, estudo, formação profissional, lazer, saúde, consumo. Um século atrás, quem anunciou isso aos quatro ventos, com outras palavras, foi Henry Ford, pioneiro da indústria automobilística dos Estados Unidos. Ele fundou a Ford Motor Company; foi o primeiro a aplicar a montagem em série para produzir carros maciçamente; dobrou para US$ 5 diários o salário mínimo dos operários; e, em 1926, implementou a escala de cinco dias de trabalho, dois de folga, 40 horas semanais de jornada. Fez tudo isso em prol do capitalismo.

Tiro pela culatra – Eliane Cantanhêde

O Estado de S. Paulo

Autor das explosões conseguiu o oposto do que pretendia: fortaleceu Moraes, enfraqueceu Bolsonaro

O tiro saiu pela culatra e as explosões na Praça dos Três Poderes produziram efeitos opostos aos pretendidos pelo seu autor, Francisco Wanderley Luiz. Se ele planejou enfraquecer o Supremo e fortalecer o golpismo, acabou unindo as instituições e as forças democráticas e isolando bolsonaristas e radicais em geral. E, afinal, foi a única vítima do seu próprio ato terrorista.

As duas explosões, uma à frente do STF, a outra próxima ao Congresso, confirmam o poder da internet, o quanto o discurso do ódio está disseminado e como cidadãos e cidadãs estão reféns da guerra ideológica.

Louco ou golpista? - Hélio Schwartsman

Folha de S. Paulo

Bolsonaristas se apressam a pintar autor de ataque como lobo solitário; apenas investigações dirão se ele agiu só ou se teve apoio material

Só o aprofundamento das investigações dirá se o homem que desferiu o ataque com bombas a Brasília e morreu numa das explosões é um louco que agiu sozinho ou se fazia parte de uma trama golpista mais ampla.

O vídeo do sistema de segurança do STF que mostra os instantes finais do agressor é sugestivo de uma ação suicida, o que favorece a hipótese do desequilíbrio mental. Mas as imagens não descartam a possibilidade de ele ter contado com apoio logístico e/ou financeiro de atores com uma agenda mais política que psicológica. O homem tinha história de militância na extrema direita. É preciso aguardar o resultado das apurações.

Bolsonaro e seus sequazes não querem esperar. Eles se apressam em pintar o perpetrador como um desvairado que agiu só. Fazem-no por um motivo bem concreto. Não querem ser relacionados a mais um ataque contra a democracia.

O país tratar radicais como radicais - Bruno Boghossian

Folha de S. Paulo

Naturalidade das discussões sobre anistia era o delírio coletivo de um país que inscreveu o fanatismo na cultura política

O atentado na praça dos Três Poderes foi o quarto ataque político radical no país em dois anos. Desde dezembro de 2022, bolsonaristas depredaram Brasília no dia da diplomação de Lula, tentaram explodir um caminhão no aeroporto da capital e protagonizaram a invasão golpista de 8 de janeiro. Para os padrões brasileiros, não é pouca coisa.

Os detalhes do ataque de quarta-feira (13) sugerem que o responsável pelas explosões era um homem desequilibrado, encharcado por um conspiracionismo violento, uma doutrina de radicalização e o mais puro fanatismo antipolítico. Um distúrbio grave pode ter sido o gatilho para a execução do plano, mas o conspiracionismo, a radicalização e o fanatismo estão aí.

Bolsonaro e os terroristas - Vinicius Torres Freire

Folha de S. Paulo

Ataque do suposto lobo solitário resulta de movimento de golpe inspirado pelo ex-presidente

Um item central do projeto golpista de Jair Bolsonaro era o ataque ao Supremo Tribunal Federal, o STF, e ao Tribunal Superior Eleitoral. Um terrorista tentou atacar também o STF nesta quarta. Colocou explosivos na praça dos Três Poderes, alvo de multidões da intentona bolsonarista de 8 de Janeiro de 2023. Em dezembro de 2022, depois da eleição, a capital do país já havia sido objeto de outras tentativas terroristas.

O suposto lobo solitário que atacou a praça dos Três Poderes é sobra de um movimento antigo e amplo, o golpe pregado por Bolsonaro e organizado por seguidores e assessores, sob inspiração do ex-presidente.

Atentado explode momento Trump de Bolsonaro - Igor Gielow

Folha de S. Paulo

DNA do grupo do ex-presidente se revela novamente, obrigando malabarismos verbais

O bolsonarista que tentou atacar o Supremo prestou um duplo desserviço à causa a que servia. Primeiro, jogou um balde de fogo quente no ímpeto pela anistia do 8 de Janeiro. Segundo, renovou a exposição do DNA da turma no momento em que ela procura normalização.

Com isso, perde acima de tudo Jair Bolsonaro (PL), o ex-presidente que havia tentado emprestar a legitimidade das urnas americanas a seu ídolo, Donald Trump, e empregá-la em seu próprio favor.

No raciocínio de Bolsonaro, se tal coisa é estruturada assim, a vitória inequívoca de Trump antecipava o clima de 2026 e a inevitabilidade da reversão não da pena dos condenados pela intentona de 2022 em Brasília, mas sim de sua própria inelegibilidade.

O argumento da anistia tem eco até no PT, como prova a fala do vice-presidente da sigla, Washington Quaquá, de que ela poderia "reconciliar o país" —sugerindo aí a utilidade de ter Bolsonaro no páreo em 2026 para Lula.

Os povos sempre se ressentem de suas origens - Ricardo José de Azevedo Marinho*

O saudoso cientista político norte-americano Ronald Inglehart (1934-2021) não se enganou quando chamou o século XXI da era das reações, da desconfiança (como também aponta Pierre Rosanvallon), da dissolução dos laços e tecidos sociais que são, juntamente com o respeito pelas regras, tanto por parte dos cidadãos como por aqueles que exercem o poder, a base da coexistência democrática. A vitória clara, embora não esmagadora, de Donald Trump nas eleições norte-americanas é a confirmação disso.

O que torna a nação mais avançada do mundo em termos econômicos, com a democracia moderna mais antiga do planeta, imperfeita desde a sua criação até hoje, na vanguarda da ciência e da tecnologia, das artes e da cultura popular, polo de atração para aqueles que sonham em mudar seus destinos pessoais, faz seus cidadãos votar em Donald Trump? É um enigma difícil de desvendar pela razão.