quinta-feira, 19 de dezembro de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Ataques de Lula e do PT ao BC desafiam a lógica

O Globo

Principal culpado da disparada do dólar e dos juros é o desdém dos petistas pela gravidade da crise fiscal

Não há justificativa para o ataque contínuo do PT à política monetária do Banco Central (BC). Pela gravidade do momento, é hora de seriedade. Depois de enfrentar o terraplanismo na saúde durante o governo passado, os brasileiros são agora alvo de teses fantasiosas na economia, vindas de uma gestão que simplesmente se recusa a assumir a responsabilidade pela incerteza que semeou nos mercados ao recusar promover um ajuste fiscal na medida necessária.

O recrudescimento dos ataques ao BC nos últimos dias começou com o próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Em entrevista ao Fantástico, Lula retomou suas críticas à alta dos juros. “A única coisa errada nesse país é a taxa de juros”, disse. “Não há nenhuma explicação. A inflação está quatro e pouco, é uma inflação totalmente controlada. A irresponsabilidade é de quem aumenta a taxa de juros todo dia, não é do governo federal”. A explicação, obviamente, está clara para qualquer um que leia a ata do Comitê de Política Monetária do BC: as expectativas inflacionárias se deterioraram diante das repetidas declarações e atitudes de Lula e de seu governo diante da crise fiscal. O remédio recomendado pela ciência econômica nesses casos é subir os juros.

Economia brasileira está presa em círculo vicioso da quase estagnação - Luiz Carlos Bresser-Pereira*

Folha de S. Paulo

Juros altos e câmbio apreciado desestimulam investimentos, privilegiam rentistas e limitam o desenvolvimento do país

Um dia desses, um dos meus filhos me perguntou por que o governo Lula estava privatizando estradas de rodagem que são monopolistas e, por isso, não devem ser privatizadas. Não seria esse governo neoliberal? Ou neoliberal progressista, acrescentei parafraseando a filósofa americana Nancy Fraser.

Não, o presente governo é social-progressista e desenvolvimentista: defende uma diminuição da desigualdade e a intervenção do Estado na economia para aumentar o investimento público e promover o investimento privado. Não obstante, esse governo não tem alternativa senão privatizar as rodovias que exigem investimentos para os quais não tem recursos. O Brasil está preso no círculo vicioso da quase estagnação.

Entendo por quase estagnação o fato de um país não realizar o "catch-up" —o fato de seu crescimento per capita ser quase sempre inferior aos dos Estados Unidos, de forma que o padrão médio de vida dos brasileiros se afasta cada vez mais do padrão americano. Apesar de um desempenho econômico razoável neste ano e nos dois últimos anos, nada aconteceu de novo na economia brasileira que nos permita afirmar que escapamos da quase estagnação, inclusive porque a taxa de investimento continua muito baixa.

Congresso, o dinheiro acabou! - Felipe Salto

O Estado de S. Paulo

Até quando o País aguentará que certas saúvas sigam trabalhando para acabar com o crescimento econômico e a normalidade dos mercados? 

A festa acabou, o povo sumiu e anoite esfriou, parafraseando Carlos Drummond de Andrade. Entretanto, o Congresso Nacional continua coma faca no pescoço do ministro da Fazenda, na busca por mais e mais emendas parlamentares e benesses. É preciso aprovar as ações de ajuste fiscal e retomar a responsabilidade com o dinheiro público.

A farra com as emendas parlamentares chegou ao limite de ensejara atuação do próprio Supremo Tribunal Federal( STF ), a partir da correta decisão do ministro Flávio Dino. Ela obriga à transparência e delimita os parâmetros para organizar o coreto. Contudo, em plena votação do pacote de ajuste fiscal, as lideranças do Congresso partilham na penumbra vultosos recursos públicos – antes, vale dizer, bloqueados pela atuação do STF.

Ataque de ilusão e ataque especulativo - Vinicius Torres Freire

Folha de S. Paulo

Parece haver exagero em preço de dólar e taxas de juros, mas os motivos são outros

Há quem tente ganhar dinheiro com a perspectiva de desvalorização ainda maior do real. Quem invente operações financeiras engenhosas para tentar faturar com a variação frequente e grande do dólar ("volatilidade"). Há até operações automatizadas ("robôs") que permitem identificar essas oportunidades.

É verdade também que, a julgar pelas condições econômicas do Brasil, dólar a R$ 6,27 parece exagero, assim como Selic a 17% ao ano, como se vê no atacadão do mercado de dinheiro.

Se há exagero, há necessariamente "ataque especulativo"? Não.

A péssima recepção ao plano fiscal do governo agravou uma situação ruim que vinha desde abril. O impacto do fracasso de público do pacote, que elevou dólar e juros, causou acidentes (perdas de dinheiro, reversão de planos de investir etc.). Que isso tenha acontecido no dezembro seco de dólares piorou a situação. Há um dominó em queda, bola de neve, o nome que se dê: problemas que se realimentam.

Dólar bate novo recorde e assusta o governo – Luiz Carlos Azedo

Correio Braziliense

A saída iminente do secretário especial do Tesouro e Orçamento, Rogério Ceron, que pediu demissão do cargo no Ministério da Fazenda, contribuiu também para as especulações

O dólar comercial bateu novo recorde nesta quarta-feira e fechou vendido a R$ 6,267, o maior nível nominal da história. Para os analistas de mercado, o temor de que o pacote de corte de gastos proposto pelo governo federal seja desfigurado no Congresso, que negaceia sua aprovação, por causa das emendas parlamentares ainda não liberadas pelo Palácio do Planalto, fez a moeda norte-americana disparar novamente.

Outro fator que alavancou a alta do dólar foi a redução de juros nos Estados Unidos pelo Federal Reserve (Fed, o banco central norte-americano) em 0,25 ponto. O dólar comercial teve alta de 2,82%, vendido a R$ 6,267, a maior desde 10 de novembro de 2022. O dólar futuro está sendo cotado acima de R$ 6,30.

Disparada do dólar e natureza da crise – Míriam Leitão

O Globo

Não é uma crise fiscal baseada em números. Basta ver as projeções do mercado para a dívida e o déficit no começo e no fim do ano

O país vive uma crise de credibilidade, com erros de análise do mercado, alguns momentos de pura especulação e falhas de comunicação do governo. Não da comunicação oficial, mas sim das falas que reforçam percepções mais pessimistas. Em geral, como tenho escrito aqui, não há razões concretas para tanta deterioração de expectativas. Não é uma crise fiscal em si, baseada em números. Basta comparar o que o mercado esperava dos indicadores fiscais e de dívida pública no começo e no fim dos dois últimos anos. Ainda que haja estruturalmente necessidade de ajuste fiscal.

Malu Gaspar- O Rei do lixo e o império das emendas

O Globo

Na manhã do último dia 10, vizinhos de um condomínio de classe média alta de Salvador presenciaram uma cena insólita. Um homem abriu a janela dos fundos de um apartamento e atirou para fora uma sacola com mais de R$ 220 mil divididos em maços gordos de notas de R$ 100. Naquela mesma hora, a Polícia Federal (PF) batia na porta da frente. Poucos minutos depois, o dono do dinheiro, o vereador Francisco Nascimento, da cidade de Campo Formoso (BA), saía dali para a cadeia. Desde então, gabinetes do Congresso e da Esplanada dos Ministérios entraram em modo pânico.

Francisco é primo do líder do União Brasil na Câmara dos DeputadosElmar Nascimento, e um dos alvos de uma operação que apura o desvio de recursos de programas do Departamento Nacional de Obras contra as Secas (Dnocs). Tudo dinheiro de emendas parlamentares, incluindo as do orçamento secreto.

Além do dinheiro do vereador, foram interceptados pela PF também o avião alugado por um dos chefes do esquema — o empresário José Marcos de Moura, conhecido como Rei do Lixo na Bahia, que pousou em Brasília levando R$ 1,5 milhão em dinheiro vivo e uma pilha de documentos.

A semana que dita o mercado de valores de 2026 - Maria Cristina Fernandes

Valor Econômico

A volatilidade vai se materializar e pressionar juro, câmbio e inflação. É esta base que ditará o mercado de apelos eleitorais, do combate à corrupção à estabilidade da economia

“Não adianta nada a gente fiscalizar o governo federal se a gente não fiscaliza também a nossa Casa (...) Se o salário que ganha aqui, mais os benefícios e privilégios, não são suficientes, pede pra sair em vez de ficar fazendo sacanagem (...) Vocês estão com pânico, não é, seus canalhas? (...) Desviar dinheiro público e ainda fazer obra superfaturada”. Cleiton Gontijo de Azevedo, o Cleitinho (Republicanos-MG), subiu à tribuna do Senado na terça para se dirigir aos colegas.

Cleitinho é de uma família de médios comerciantes do interior, base do populismo de direita que ascendeu em 2018 e quase vencia em 2022. Nas duas eleições, o senador foi de Jair Bolsonaro. Quando o Senado votou a indicação de um dos seus algozes, Flávio Dino, para o Supremo Tribunal Federal, Cleitinho votou contra. Isso não o impediu de defender o ministro nesta terça: “Flávio Dino está correto e tem meu apoio”.

Condições objetivas - William Waack

O Estado de S. Paulo

Lula e os agentes econômicos não concordam sequer sobre o que são os fatos

Lula se considera numa queda de braço com “o mercado”, que é para ele um sujeito oculto agindo das sombras para sabotar seu governo. Pretende prevalecer apostando no próprio instinto, nas memórias que são pura imaginação de mandatos anteriores e na imensa estima pela própria sagacidade política.

Na verdade, Lula está brigando com os dados de uma realidade que ele percebe de maneira totalmente diversa dos agentes econômicos. Estes obedecem a expectativas que são o valor estimado de seus ativos no futuro. Consideram que vão perder dinheiro com as decisões políticas que moldam a atual política fiscal/econômica.

De quem é a culpa - Merval Pereira

O Globo

Se alguém colaborou para que os militares entrassem na ilegalidade na volta ao poder, esse alguém foi Bolsonaro, a que poucos resistiram ou reagiram quando ele apresentou seus planos autocráticos

O comandante do Exército, general Tomás Paiva, vem sendo pressionado para se manifestar oficialmente sobre as prisões dos militares determinadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF), especialmente a do general de Exército Braga Netto. Não apenas oficiais da reserva, que costumam ser mais histriônicos, mas também os da ativa consideram que o Exército brasileiro é maltratado pela Justiça.

O relato dos que estiveram com o comandante, porém, diz que ele não considera haver nenhuma ação extraordinária contra o Exército, diante do que já foi descoberto e do que presumidamente ainda será revelado pelas investigações. Ele se preocupa, sim, com a família militar em polvorosa, muitos temendo que a qualquer momento a Polícia Federal (PF) chegue a suas portas. Militares que, de uma maneira ou de outra, estiveram envolvidos nos preparativos para a sedição têm de se preocupar, mas não qualquer militar.

Mix de estratégias golpistas na gestão do ex-presidente – Carlos Pereira

O Estado de S. Paulo

Tentativas de ‘backsliding’ foram frustradas pelas organizações de controle e pela sociedade civil

Tem sido argumentado que as democracias no século 21 não mais morreriam por meio de golpes militares. De acordo com essas novas interpretações, democracias se fragilizariam por um processo muito mais insidioso de erosão paulatina das estruturas e instituições democráticas, chamado de democratic backsliding, paradoxalmente a partir de eleições democráticas de líderes carismáticos, porém com tendências autocráticas.

Contrariando essa nova tendência internacional, o ex-presidente Jair Bolsonaro, em conluio com oficiais de alta patente do Exército brasileiro, teria supostamente tentado um golpe à moda antiga. Essas são as conclusões das investigações que compõem o extenso relatório da Polícia Federal (PF) que revela um esquema golpista militar clássico, com planos inclusive de sequestrar e de matar o então recém eleito presidente, Luiz Inácio Lula da Silva, seu vice-presidente, Geraldo Alckmin, e o ministro do STF Alexandre de Moraes.

Nós, o Congresso e os militares - Raul Jungmann*

Correio Braziliense

É hora de entender que militares demandam rumos e, se o sistema político se faz ausente e nós não exercemos nenhum diálogo, regamos, todos, a semente da instabilidade

No dia 25 de agosto de 2010, lá pelo fim da tarde, uma discreta comemoração estava em curso no gabinete do ministro da Defesa, Nélson Jobim. O motivo: fora aprovada a Lei Complementar 136, que instituiu a Política e a Estratégia Nacional de Defesa, além do Livro Branco da Defesa Nacional. 

No dia, poucas notas a respeito na imprensa — porém, pela primeira vez na nossa história, estava criado um laço entre as nossas Forças Armadas, a Defesa Nacional e o povo brasileiro, por meio de seus representantes no Congresso Nacional. 

As Forças Armadas não são autônomas, tanto que declarar a guerra e fazer a paz são competências exclusivas do parlamento. Porém, faltava ao Congresso o instrumento necessário para, em diálogo com os militares, determinar que Forças Armadas queremos, como um país com crescente importância no contexto global democrático.

Bolsonaro e Braga Netto - Bruno Boghossian

Folha de S. Paulo

Ação do general dependia de atuação complementar que cabia necessariamente ao capitão

Braga Netto era o operador da sociedade golpista formada por militares e Jair Bolsonaro. A missão começou cedo. Meses após assumir o Ministério da Defesa, em 2021, ele deu sinal verde para o patético desfile de blindados que deveria pressionar o Congresso a aprovar o voto impresso. No mesmo ano, indicou o general que trabalhou para tumultuar a fiscalização das urnas no TSE.

O desafio da dupla renovação do PT - Maria Hermínia Tavares

Folha de S. Paulo

Liderança construída por Lula ultrapassa de longe as fronteiras dos partidos da esquerda

O futuro do PT está em discussão dentro e fora do partido. Os magros resultados das eleições municipais e a incerteza quanto a uma nova candidatura de Lula em 2026 imprimem sentido de urgência ao debate sobre os rumos da agremiação que é o centro de gravidade das esquerdas no país. As questões a enfrentar não são simples.

A primeira delas é que o partido sempre foi menor que seu líder. Raízes nos sindicatos e nos movimentos sociais nunca lhe deram maioria eleitoral. Permanece, inabalável, a distância entre os votos obtidos pela legenda para cargos subnacionais, assim como nas disputas para o Congresso, e aqueles mobilizados por Lula, quando perdeu e ganhou contendas presidenciais, em nome próprio ou ao fazer sua sucessora.

Ainda estamos aqui - Thiago Amparo

Folha de S. Paulo

Filme soma-se a uma linha de outras obras sobre os horrores da ditadura civil-militar

"O filme "Ainda Estou Aqui" tem comovido milhões de brasileiros e estrangeiros. A história do desaparecimento de Rubens Paiva, cujo corpo jamais foi encontrado e sepultado, sublinha a dor imprescritível de milhares de pais, mães, irmãos, filhos, sobrinhos, netos, que nunca tiveram atendidos os seus direitos quanto aos familiares desaparecidos. Nunca puderam velá-los e sepultá-los." Este é um trecho da correta decisão do Mininstro Flavio Dino do STF, nesta semana.

Lula, imorrível ou a cavalo como El Cid – Ruy Castro

Folha de S. Paulo

O bolsonarismo, com ou sem Bolsonaro, irá em frente. Já o lulismo não tem nenhum sucessor à vista

As ziquiziras de saúde de Lula acordaram os últimos distraídos para uma preocupação: a falta de opções no espectro democrático na vacância do titular. Há uma carência de nomes na esquerda, na centro-esquerda e até no campo liberal. A direita e a extrema direita, ao contrário, apesar do rabo entre as pernas pelos processos de golpismo contra Bolsonaro e asseclas, tornarão competitivo qualquer um que apresentem no lugar de seu inelegível e, em breve, condenado mito. O bolsonarismo, com ou sem Bolsonaro, irá em frente. O resto do Brasil terá de contar com Lula. Não há opções viáveis nas suas proximidades.

Nota sobre a História, com uma pitada de conjuntura - Ivan Alves Filho*

A situação brasileira é objeto de preocupação e isso não é de hoje. Digo mais uma vez: a redemocratização vem frustrando o país. Um presidente que golpeou a Constituição para se reeleger, dois presidentes presos, dois afastados por impeachment e um tornado inelegível. Crise nas ruas em 2013, Lava Jato em 2014, invasão da Praça dos Três Poderes em 2023. São fatos irrefutáveis, independentemente da opinião que se tenha sobre eles. Vale dizer, estamos sentados em cima de um barril de pólvora. Só não vê quem não quer.

Livro | E.P. Thompson en Chile - Ana Amélia C. de Melo e Fernando de la Cuadra*

Texto da Contracapa*

Edward Palmer Thompson (1924-1993) pode, sem dúvida, ser considerado um daqueles historiadores que fundaram a perspectiva da história social inglesa, juntamente com Eric Hobsbawn, Raymond Williams, Christopher Hill, Rodney Hilton e George Rudé, entre outros. Esta abordagem enfatiza a visão através da qual os processos históricos são construídos a partir de sujeitos populares, que irrompem “de baixo” na formação de movimentos e expressões de rebelião que constituem um campo fecundo de análise historiográfica. No entanto, E. P. Thompson não foi apenas um historiador proeminente, foi também um intelectual militante comprometido com causas em favor da paz, do desarmamento e da luta antinuclear. Foi também um veemente combatente antifascista e este livro surge precisamente do seu inspirado poema dedicado ao camarada Salvador Allende, após tomar conhecimento do Golpe de Estado e da morte do presidente no Palácio La Moneda.