quinta-feira, 26 de dezembro de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Descontrole da polícia ao atirar faz de todos vítimas indefesas

O Globo

Agentes da PRF balearam na cabeça jovem que estava com a família a caminho da ceia de Natal

O descontrole com que policiais têm agido nas ruas e estradas brasileiras causou mais uma tragédia. Desta vez, na véspera do Natal. Juliana Leite Rangel, de 26 anos, foi baleada na cabeça durante abordagem da Polícia Rodoviária Federal (PRF) na Rodovia Washington Luís (BR-040) em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense. A jovem estava a caminho de Niterói, na Região Metropolitana do Rio, para cear com a família. Seu pai, Alexandre Rangel, baleado na mão esquerda, contou ter dado sinal com o pisca-pisca de que encostaria o carro depois de ouvir a sirene da viatura, mas, segundo afirmou, os policiais já saíram atirando. A Corregedoria-Geral da PRF determinou o afastamento preventivo dos agentes envolvidos na ação.

Casos como o de Juliana têm se tornado uma rotina frequente, que não pode ser tolerada num país civilizado. No dia 6 de outubro, Francisca Marcela da Silva Ribeiro, de 33 anos, foi morta no Ipiranga, Zona Sul de São Paulo, numa troca de tiros. Um policial de folga chegou no momento em que bandidos roubavam a motocicleta em que ela estava com o noivo e também atiraram quando não deviam. Francisca tinha casamento marcado para 20 dias depois e foi velada com o vestido de noiva.

Em busca de ministério eficiente - Merval Pereira

O Globo

Câmara e Senado impõem suas condições para votar os temas importantes para o governo

A reforma ministerial prometida por Lula tem o objetivo de dar ao governo uma eficiência que o país exige, mas não alcançará o objetivo principal, construir uma maioria parlamentar que permita a ele governar com mais tranquilidade. A tarefa de criar uma maioria no Congresso já foi mais fácil e foi ganhando mais complexidade à medida que o Congresso foi ganhando maior autonomia.

As emendas parlamentares, hoje objeto de crises institucionais que envolvem os três Poderes — Executivo, Legislativo e Judiciário —, já foram instrumentos de negociação política que beneficiavam o governo. Tínhamos um sistema de hiperpresidencialismo em que o Executivo dava as cartas, liberava as emendas a seu bel-prazer, contingenciava valores necessários para equilibrar suas contas.

Fernando Henrique Cardoso foi o primeiro presidente da redemocratização que usou as emendas como moeda de troca com o Congresso, mas nunca perdeu o controle. Lula, em seus primeiros governos, também usou o presidencialismo de coalizão para tirar votos do Congresso, mas fazia mais favores do que pagava direitos dos partidos políticos. Os parlamentares, por seu lado, não queriam poder além das benesses governamentais.

Sintomas mórbidos no impasse das emendas – Luiz Carlos Azedo

Correio Braziliense

Lula não foi capaz de resgatar o controle do Orçamento da União pelo Executivo, porque o volume de emendas impositivas passou a ser ditado pelo Congresso

Desde 2013, por razões conhecidas, entre as quais a crise de liderança moral dos partidos e das instituições políticas do país, há um processo de degeneração das relações entre o Executivo, o Legislativo e o Judiciário, que provocou uma sucessão de crises, até a tentativa fracassada de golpe de Estado de 8 de janeiro de 2023. Esse processo reproduz uma crise de representação política que ocorre em outras democracias do Ocidente, porém, que aqui se manifesta desde os protestos de junho daquele ano.

Seu caldo de cultura é uma “malaise” da sociedade pós-moderna, cujo imaginário social é complexo e incorpora grandes expectativas em relação ao Estado, a maioria das quais acaba frustrada pela realidade. Instabilidade, mutabilidade, fragmentação e fugacidade, no tempo e no espaço, geram perplexidade e angústia existencial na sociedade, que encontra muito mais facilidade de expressão nas redes sociais e seus influenciadores do que nas estruturas político-partidárias e meios de comunicação tradicionais.

A colheita que não veio - Malu Gaspar

O Globo

O horizonte parecia limpo para o governo ao final de 2023. O Congresso tinha aprovado a reforma tributária, e o Brasil recebido um upgrade na classificação da agência de risco S&P. O dólar, em queda, valia R$ 4,86. A Bolsa estava em alta. Os parlamentares aprovaram o Orçamento com valor recorde para emendas.

O Supremo, que ainda não havia tentado dar um freio nessa ousadia, ajudou o Executivo em temas cruciais. Entre outras coisas, manteve o drible na Lei das Estatais para que políticos ocupassem cargos de confiança e abriu uma arbitragem empurrando com a barriga a briga entre União e Eletrobras que poderia desfazer parte do contrato de privatização — mas causar estrago na imagem do governo no mercado.

A boa resposta às ameaças de Trump - Míriam Leitão

O Globo

Rever o comércio exterior, expor mais cadeias produtivas à competição global, integrar mais o Brasil ao mundo é um projeto a ser perseguido

O Brasil terá que ter estratégia e repensar a sua política comercial, industrial e agrícola diante do novo desafio que representa as ameaças do presidente eleito dos EUA, Donald Trump. Nossos melhores negociadores terão que entrar em ação, mas será preciso também buscar novos mercados e adotar nova atitude em relação à integração com o mundo. A ameaça de Trump é o presente, a perspectiva que se abre, por exemplo, pelo acordo comercial Mercosul-União Europeia é uma possibilidade futura. O que há diante de nós é que nosso segundo maior mercado entrará numa era protecionista e nos ameaça diretamente.

País tradicionalmente fechado, o Brasil tem tarifas altas e barreiras não tarifárias. No caso dos Estados Unidos, curiosamente, o Brasil mais importa do que exporta. Tem déficit, portanto. Nos últimos anos, o déficit tem caído. No acumulado até novembro, as exportações para os Estados Unidos cresceram 9,3% e as importações aumentaram 6,9%, em relação ao ano anterior. O comércio supera US$ 73 bilhões, mas permanece deficitário para o Brasil em US$ 790 milhões. O menor há mais de uma década.

Tão longe e tão perto de 2026 - Maria Cristina Fernandes

Valor Econômico

O que está em jogo no biênio porvir é a mudança na estrutura societária do Brasil S.A.

A suspensão pelo ministro Flávio Dino da execução das emendas parlamentares com as quais o governo acertou a votação do ajuste fiscal e da regulamentação da reforma tributária antecipou a encruzilhada de 2026. O crescente volume de emendas parlamentares não é apenas a fiança do Congresso a sucessivos inquilinos do Palácio do Planalto dos últimos dez anos. É o símbolo mais vistoso do adiamento dos embates que tem condenado o país a voos de galinha. A enfrentá-los, os parlamentares preferiram deles se tornarem sócios. O que estará em jogo no biênio porvir é a mudança na estrutura societária do Brasil S.A.

Virou lugar comum associar os entraves à governabilidade às diferenças ideológicas entre Executivo e Congresso. A abertura de inquérito da Polícia Federal determinada pelo ministro Flávio Dino, porém, sinaliza uma ponte com esta metade à direita do país que diverge das pretensões dos sócios congressuais que estão a caminho de se tornarem majoritários no condomínio do poder. A determinação atendeu a denúncias feitas por três parlamentares de direita (Flávio Rocha (União-BA), Cleitinho Azevedo (Republicanos-MG), Adriana Ventura (Novo-SP), e apenas um da esquerda, Glauber Braga (Psol-RJ).

Dívida dos Estados e correção de distorções na educação - Eduardo Belo

Valor Econômico

Especialistas entendem que “juros por educação” é positivo, mas medida requer mais ação dos governos regionais

A renegociação da dívida dos Estados com a União, iniciativa do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, foi aprovada no dia 17 de dezembro pelos senadores. Muitos governos regionais que herdaram ou cavaram seus buracos fiscais começam a se beneficiar das bondades do programa, chamado Propag, ao aderirem a ele. O prazo de adesão vai até o fim de 2025. São cerca de R$ 765 bilhões renegociados por 30 anos com juro de 4% ao ano mais a variação do IPCA.

Distorcida desde o início, devido ao tratamento generoso dado ao descaso de muitos governos regionais com suas contas, a medida pode ser a ferramenta que vai corrigir distorções do gasto público com educação no país. A lei traz a possibilidade de investimento em ensino por meio do mecanismo conhecido como “juros por educação”.

Estados e Distrito Federal poderão reverter parte dos juros de suas dívidas com a União em áreas como educação profissional e técnica de nível médio, universidades estaduais, infraestrutura para a universalização do ensino infantil e educação em tempo integral, além de ações voltadas para outras áreas.

Ensaio do trio Trump, Musk e Vance - Bradford DeLong*

Valor Econômico

Para Paul Krugman, “os camelôs de desinformação estão ficando muito doidos com seu próprio estoque de drogas”

A ameaça de uma paralisação do governo no Natal, provocada pelos principais sovinas dos Estados Unidos, Elon Musk, Donald Trump e J.D. Vance, foi evitada por pouco. No entanto, vale a pena rever o que aconteceu, porque o episódio prenuncia perfeitamente a governança disfuncional que aguarda os Estados Unidos (e o mundo) quando Trump assumir o cargo em janeiro.

Na véspera do prazo de 20 de dezembro para a aprovação de um projeto de lei para manter o governo federal financiado, a liderança da Câmara e do Senado dos EUA chegou a um acordo que lhes daria mais três meses. Nenhuma das partes estava particularmente satisfeita com o acordo, mas todas podiam viver com ele. Eles tinham os votos para aprová-lo, e a equipe do presidente Joe Biden estava disposta a apresentá-lo para sua assinatura.

Da ‘Carta ao Povo Brasileiro’ ao vídeo ao povo brasileiro - José Serra

O Estado de S. Paulo

Vídeo de 2024 é quase uma confissão de impotência ante o mercado, assim como a carta de 2002 era a mensagem de que o PT não faria nada do que sempre propôs

Em 2002, quando disputei a minha primeira eleição a presidente da República, na sucessão de Fernando Henrique Cardoso, deparei-me com um PT que jurava que não era o PT. A Carta ao Povo Brasileiro, urdida nos porões da burocracia petista, vendia a alma em troca da aceitação do mercado financeiro de um governo de esquerda.

E aí já começava a ópera bufa. Aqueles ativistas radicais que pregavam o “fora FHC” em manifestações estridentes, os que saíram em caravana pelo dito “Brasil real” para apontar as mazelas do governo capitalista pareciam não existir mais. Já dos que haviam criticado e se posicionado contra o Plano Real, nem uma sombra restou.

Lula passara a ser o comandante de um partido pronto a dar garantias de que seria perfeitamente adequado ao establishment. A Carta ao Povo Brasileiro expressava um cavalo de pau ideológico desavergonhado. Ela dizia que sim, os contratos seriam respeitados, mas queria dizer mais: que o mercado financeiro podia confiar que o governo petista manteria tudo como dantes. A Carta sepultou as palavras de ordem e mudou a forma de o Partido dos Trabalhadores compreender a realidade. Antigos inimigos execráveis passaram, rapidamente, à condição de parceiros.

Bagunça institucional - William Waack

O Estado de S. Paulo

A estagnação política está à espera de alguma grande crise, talvez a fiscal

O conflito entre STF e Câmara dos Deputados não é recente nem tem solução. É mais fácil criar uma nova Assembleia Constituinte do que tentar resolver via Judiciário nosso sistema de governo.

Essa geringonça que não funciona é, ao mesmo tempo, causa e consequência da deterioração da ordem institucional. As raízes são históricas e culturais em sentido amplo, mas sua face mais evidente é a da profunda distorção no equilíbrio entre os Poderes.

Não é algo que possa ser resolvido pelo que pensam ministros do Supremo. E o que um bom número deles pensa foi escancarado pelo ministro Flávio Dino ao mandar a Polícia Federal investigar a liberação de emendas parlamentares.

Em conversas particulares vários ministros qualificam a direção coletiva da Câmara como “caso de polícia”. E, ao comentar a queda de braço política entre os Poderes, afirmam que não se trata de disputa por “princípios republicanos”. “É apenas pela grana”, diz um deles, sem rodeios.

Trump ameaça mundo com porrete grande - Vinicius Torres Freire

Folha de S. Paulo

Nova política americana do porrete grande pode causar também mais tumulto financeiro

Donald Trump ameaça recriar a Zona do Canal do Panamá, território ocupado pelos Estados Unidos de 1903 a 1979, entregue de fato e finalmente aos panamenhos apenas em 1999. Diz que a administração do canal cobra taxas caras dos navios americanos. Se não derem um jeito, Trump diz que vai exigir o canal de volta.

O Panamá foi extraído de vez da Colômbia em 1903. O então presidente Theodore Roosevelt mandou os fuzileiros navais "apoiarem" uma revolta de secessão panamenha. Naquela época, os americanos tentavam, mas não conseguiam, arrancar um acordo dos colombianos a fim de construírem e mandarem no futuro Canal do Panamá.

Uma estrutura em situação precária - Bruno Boghossian

Folha de S. Paulo

Loteamento de órgãos técnicos e apetite por emendas expande uma feira livre cada vez mais pobre

A lei que criou o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes, em 2001, autorizou a instalação de superintendências regionais para facilitar o trabalho do órgão. Hoje, essas unidades atuam em todos os estados na administração do sistema viário do país, envolvendo "sua operação, manutenção, restauração ou reposição".

desabamento de uma ponte que liga Tocantins ao Maranhão é uma prova de que essa rede não funciona —ao menos não para o que deveria. O departamento sabe há anos que a estrutura estava em condições precárias. Se as autoridades dos dois lados da divisa foram incapazes de tomar alguma providência, é o caso de procurar saber o que elas fazem ali.

Assim se fez a democracia - Maria Hermínia Tavares

Folha de S. Paulo

Um filme, um show e um livro ajudam a memória coletiva da ditadura e da construção democrática

Nos últimos meses, a arte nos trouxe de volta o que de pior e melhor aconteceu ao longo dos sombrios 20 anos da ditadura militar. Guiados pela sensibilidade e inteligência do cineasta Walter Salles, entramos nos porões da tirania, onde opositores eram presos, torturados e, não raro, mortos. O filme "Ainda Estou Aqui" —um êxito de bilheteria— conta a história de Eunice, viúva de Rubens Paiva, ex-deputado do PTB, preso e torturado até a morte por agentes da repressão.

Já em um show visto por multidões, as vozes ainda poderosas de Caetano Veloso e Maria Bethânia rememoram a explosão de rebeldia e criatividade da música popular brasileira dos anos 1970 e que o regime autoritário tentou calar —em vão.