sábado, 28 de dezembro de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Novo retrocesso agrava desmonte da reforma trabalhista

O Globo

Processos na Justiça já cresceram após decisão do STF — e crescerão ainda mais com nova regra do TST

Os efeitos positivos da reforma trabalhista do governo Michel Temer são inequívocos, mas nos últimos dois anos houve retrocesso numa das maiores conquistas: o recuo na judicialização das relações entre empregador e empregado. Depois de caírem desde 2017, as ações trabalhistas deram um salto de 9,3% em 2022, para 3,16 milhões. Em 2023, cresceram 11,3%, para 3,52 milhões. De janeiro a outubro deste ano, chegaram à Justiça do Trabalho 3,45 milhões de processos, 15% acima do verificado no mesmo período de 2023.

O principal motivo para o salto foi uma decisão de 2021 do Supremo Tribunal Federal (STF). O Supremo derrubou o dispositivo da reforma que atribuía à parte perdedora o pagamento dos custos de processos trabalhistas, ainda que tivesse baixa renda. Determinou que os beneficiários de Justiça gratuita — pelo critério da reforma, quem tem renda inferior a 40% do teto da remuneração paga pela Previdência — não precisariam mais pagar honorários. Com isso, criou um incentivo para a volta das disputas aos tribunais, já que, mesmo derrotados por terem feito demandas descabidas, funcionários não precisam mais pagar aos advogados da parte vencedora.

A escalada da desconfiança e do dólar - Carlos Alberto Sardenberg

O Globo

Mercado e analistas não contavam com o tamanho do desarranjo das contas públicas e com o forte crescimento da dívida

Como estaria terminando este ano se estivessem corretas as projeções registradas há 12 meses? Elas estão no Boletim Focus publicado pelo Banco Central em 8 de janeiro, resumindo a opinião do mercado financeiro e de analistas. Ali se vê que o pessoal esperava um crescimento modesto do PIB, de 1,6%. Errado. A economia brasileira chega ao final de 2024 com forte expansão, de 3,5%, com desemprego em recorde de baixa e renda maior.

O presidente Lula, quando quer criticar o mercado, ataca por aí: o país está crescendo o dobro do esperado pelos “caras”. Mas o Focus não projeta apenas o PIB. Ali se encontram expectativas para inflação, dólar e taxa de juros. Também não se realizaram essas projeções, mas em sentido invertido: o crescimento efetivo é bem melhor que o esperado; o ambiente macro é muito pior que o projetado.

Inflação, por exemplo. Em janeiro, mercado e analistas acreditavam que o IPCA deste ano terminaria em 3,90%, em queda. Na real, termina em alta, na redondeza dos 5% —acima do teto da meta de inflação, de 4,5%. Com perspectiva de um IPCA alto por muitos meses.

Desemprego é o menor em 12 anos, e ocupação, recorde

Carolina Nalin e Henrique Barbi / O Globo

Desemprego cai para 6,1%, menor patamar da história, e reforça pressão sobre inflação e juros

O desemprego nunca esteve tão baixo no país, apontam novos dados do IBGE divulgados nesta sexta-feira. O percentual de desocupados renovou a mínima histórica e chegou a 6,1% no trimestre encerrado em novembro, em linha com o esperado pelos agentes econômicos. É o menor patamar já registrado pela pesquisa do instituto, iniciada em 2012.

A ocupação também registrou novo recorde e chegou a 103,9 milhões de trabalhadores, com o nível da ocupação no ponto mais alto da série: 58,8%. Há 39,1 milhões de pessoas trabalhando com carteira assinada no país, também o maior patamar registrado pela pesquisa.

Para Adriana Beringuy, coordenadora de Pesquisas Domiciliares do IBGE, o bom desempenho do mercado de trabalho é explicado por um somatório. Entre os fatores está o crescimento da economia, impulsionado pela expansão das atividades econômicas e pelo aumento da renda das famílias.

Ela explica que esse cenário estimula o consumo, que, por sua vez, reforça o crescimento do emprego e o ganho de renda em diferentes setores, seja em postos mais básicos ou em serviços mais qualificados. Por outro lado, será preciso avaliar a sustentabilidade dessa conjuntura ao longo de 2025:

Eles ainda estão lá - Eduardo Affonso

O Globo

Militância revolucionária recreativa vê a arte como instrumento de propaganda e acha feio o que não é umbigo

A moça do avião acaba de perder o posto de pessoa mais zen de 2024. O troféu vai para o escritor Marcelo Rubens Paiva. Durante entrevista ao Roda Viva em 23/12, ele se recusou a ceder a janelinha aos adultos mimados que se achavam — por um misto de egolatria e falta de noção — no direito de ocupá-la.

Não, nem o livro de Marcelo (“Ainda estou aqui”) nem o filme homônimo de Walter Salles são sobre a luta de proletários periféricos afrodescendentes contra a tirania. Não tratam de categorias sociais, luta de classes, opressores e oprimidos, mas da história de uma mulher específica: Eunice Paiva. E é por falarem dessa pessoa — mais particularmente, dessa mãe — que ambos, livro e filme, falam de todos nós.

Trump insinua expansão territorial – Pablo Ortellando

O Globo

Se as ameaças se concretizarem, um próximo alvo pode ser nossa vizinha Venezuela

Uma série de declarações recentes de Donald Trump sugere que, na nova administração, os Estados Unidos podem se engajar em preocupante expansão territorial. O movimento deve preocupar o Brasil porque, se as ameaças efetivamente se concretizarem, um próximo alvo pode ser nossa vizinha Venezuela.

Em novembro, após vencer as eleições, Trump afirmou em postagem nas mídias sociais que imporia aumento de 25% nas tarifas de importação de produtos de Canadá e México, caso esses países não controlassem melhor suas fronteiras com os Estados Unidos. Segundo especialistas, a medida é arbitrária e contrária ao Direito Internacional. Dificilmente uma tarifa discriminatória desse tipo seria reconhecida pela Organização Mundial do Comércio, e ela certamente violaria os termos do acordo de livre-comércio Estados Unidos-México-Canadá, que substituiu o Nafta. Trump, porém, não parece intimidado.

Nós, os ‘Sapiens’, e a inteligência artificial - Marco Aurélio Nogueira


O Estado de S. Paulo

Estamos numa batalha que continuará a ser travada no tempo que se abre à nossa frente. A IA não será a única a responder pela construção do futuro

Nunca falamos tanto em inteligência artificial (IA). Ela avançou extraordinariamente. Ocupa espaços cada vez maiores em todas as áreas da vida, da economia ao entretenimento, da educação à saúde, da medicina à climatologia e à cultura. Impulsiona e dá nova qualidade aos processos de automação, à robotização e à internet das coisas.

Em sentido amplo, a IA é um sistema computacional dotado de máquinas capacitadas para executar múltiplas tarefas. Algoritmos e modelos de machine learning possibilitam que as máquinas processem grandes volumes de dados, aprendam com eles e tomem decisões a partir dessa aprendizagem.

O que esperar dos mercados em 2025 - Fabio Gallo

O Estado de S. Paulo

Inflação, políticas monetárias e tensões geopolíticas são riscos que podem influenciar projeções

Todo final fazemos um balanço do ano que se vai e ficamos na esperança de que o novo traga novos ventos com coisas muito boas e que muitas de nossas mazelas sejam resolvidas. Faz parte dessas expectativas o comportamento da economia. Para nós, brasileiros, que nunca tivemos uma vida econômica tranquila, o ano termina com grandes incertezas, e olhando para o exterior não vemos um céu de brigadeiro.

O ambiente internacional também apresenta incertezas trazidas pela nova gestão Trump. Aparentemente, há consenso de que os economistas erraram ao prever que o mercado internacional estaria a caminho da recessão, a economia continuou crescendo; e a inflação, caindo. Tanto que. na semana passada. o Fed reduziu os juros dos EUA em 0,25 ponto porcentual, para a faixa de 4,25% a 4,50% ao ano, a terceira queda seguida.

Um problema de comunicação? - Hélio Schwartsman

Folha de S. Paulo

Dados econômicos favoráveis obtidos por Lula não se transformam em popularidade; Biden viveu o mesmo drama

Pelo que leio nos jornais, o presidente Lula fará uma reforma ministerial. O objetivo principal seria melhorar a comunicação do governo.

É um clássico. Dirigentes sempre acham que estão fazendo um ótimo trabalho e, se a população não vê isso, só pode ser porque está mal-informada. Mas raramente o problema está na comunicação.

As pessoas não formam seus juízos sobre governantes a partir de dados sobre o que a administração fez ou deixou de fazer, mas a partir de percepções subjetivas moldadas pelas circunstâncias. A economia costuma ter bastante peso aí, mas outros elementos, inclusive os espantalhos produzidos pela polarização e pelas guerras culturais, também influem.

A faca e o queijo nas mãos – Dora Kramer

Folha de S. Paulo

Mesmo com Congresso sob nova direção, governo não terá a parceria esperada

Salvo um acontecimento de proporções oceânicas que mude o andar da carruagem, Hugo Motta (Republicanos) será eleito presidente da Câmara dos Deputados por aclamação no dia 3 de fevereiro de 2025 com mandato até 2027.

Período peculiar, pois no meio haverá o ano eleitoral de 2026. O deputado ungido por obra das astutas articulações do atual ocupante do posto terá mais poder que os antecessores levados ao cargo também com fartura de adesões.

Congresso teme investigação acionada por Dino - Alvaro Costa e Silva

Folha de S. Paulo

Na farra com dinheiro público, 'reis do lixo' se confundem com 'reis das emendas'

No país do golpe e do dolo, o fluxo de cenários e subcelebridades é vertiginoso. Com a Operação Overclean, da Polícia Federal, que apura desvios de emendas, o grande público conheceu o município de Campo Formoso, no norte da Bahia, reduto de Elmar Nascimento. O deputado levou uma rasteira de Arthur Lira em suas pretensões de ser presidente da Câmara —"Perdi meu melhor amigo", choramingou—, mas não deve reclamar dos presentes que ganhou do chefe.

O orçamento secreto destinou R$ 63 milhões para obras de pavimentação em Campo Formoso. O asfalto está grudento, derretido e desmancha na mão. A empreiteira contratada é suspeita de pagar propina e desviar recursos para empresas fantasmas, mas um busto do Dr. Chiquinho, tio de Elmar, foi inaugurado com pompa e circunstância. A cidade ainda recebeu R$ 9,5 milhões para construir um espaço turístico chamado Shopping do Garimpeiro.

As perspectivas para 2025 - Marcus Pestana

A vida precedeu em muito o calendário gregoriano. No entanto, há tradições culturais que se impõem à qualquer outra lógica racional. O desenrolar dos fatos se comporta como moto-contínuo. Ainda assim insistimos em quebrar o tempo e enquadra-lo em dias, semanas, meses, anos e séculos. E é como se, na madrugada que separa o 31 de dezembro do primeiro dia de janeiro, mágicas e feitiços determinassem uma verdadeira mudança no curso da História. É uma peculiar forma de sacudir a poeira do pessimismo e renovar a esperança num futuro diferente. Como cantou Belchior “Tenho sangrado demais. Tenho chorado pra cachorro. Ano passado eu morri. Mas esse ano eu não morro”. No ano novo, tudo é possível.

Longe dos arroubos místicos ou da fé nas causas impossíveis, do jogo de búzios e das bolas de cristais, o que é possível visualizar em relação ao cenário mais provável para 2025 no Brasil?

Los demonios de la segunda mitad del gobierno Lula - Fernando de la Cuadra

El próximo 1 de enero, el Presidente Lula da Silva inicia la segunda mitad de su mandato de cuatro años, en un escenario marcado por fantasmas y adversidades que se instalan sobre el gobierno. En el plano interno, el Ejecutivo va a tener que enfrentar un Congreso hostil y resentido, especialmente ahora que el Ministro del Supremo Tribunal Federal (STF), Flavio Dino, ha sancionado el bloqueo de 4 mil doscientos millones de reales (US$ 660 millones) de las enmiendas parlamentarias de comisiones y la investigación por parte de la Policía Federal sobre el posible uso fraudulento de esos recursos.

La cuestión problemática de estas enmiendas es que el 40 por ciento de ellas pasarían a beneficiar al Estado de Alagoas, tierra natal y reducto electoral del actual presidente de la Cámara de Diputados, Arthur Lira. Como hemos señalado en artículos anteriores, Lira se desempeña como un ilustre capo mafioso desde su cargo, distribuyendo recursos e influencias dentro del Congreso y chantajeando al gobierno con el poder que detenta sobre la mayoría de los diputados del llamado Centrão.

O convívio pessoal ensina - Ivan Alves Filho

Passei quase dez anos de minha vida fora do Brasil. Estou preparando um livro novo, intitulado provisoriamente ‘Em busca de um país’, sobre a minha formação e experiência como historiador e cidadão. Trata-se de um prolongamento, se posso dizer assim, ao livro ‘O historiador e o tapeceiro’, que lancei em 2015, pela Fundação Astrojildo Pereira.

As notas que se seguem são relativas ao meu encontro com pessoas no exterior.

No plano internacional, conheci figuras que muito me impressionaram também e poderia citar o antropólogo Claude Lévi-Strauss, o fotógrafo Henri Cartier-Bresson, o psiquiatra Tony Lainé, o estadista Nelson Mandela e o operário comunista Jacques Duclos, este último o líder da Resistência francesa à ocupação nazista de seu país. Nas eleições presidenciais de 1969, Duclos obteve quase 22% dos sufrágios. Respeitadíssimo na França, Jacques Duclos compôs, juntamente com Benoît Frachon e Charles Tillon, a direção clandestina do Partido Comunista Francês sob a ocupação hitlerista. Viveu quatro anos nos esgotos de Paris, sem praticamente ver a luz do dia. Frachon era o secretário-geral da CGT (Confederação geral do Trabalho) e Tillon o responsável pela guerrilha, o chefe dos partisans. Da Resistência ao ocupante nazista da França, conheci ainda Jean Favre, nascido no Vietnã e um dos três redatores do Programa Comum que levaria os comunistas, os socialistas e os radicais de esquerda (um partido de centro, apesar do nome) ao Governo. Além dele, possa citar o diretor do jornal do Partido Comunista Francês, L´Humanité, René Andrieu, um dos líderes dessa luta antifascista tão gloriosa, assim como o operário metalúrgico Roger Lainé, figura admirável. Certa vez eu perguntei ao René Andrieu para que me explicasse o fenômeno De Gaulle na França. Apesar de reconhecer seu importante papel na Resistência, Andrieu examinava o posicionamento do General De Gaulle sob a ótica, correta pelo que entendi, da política de classe da burguesia, que nunca colocava todos os ovos em um cesto só. A burguesia apoiou o Marechal Pétain, o colaboracionista de Hitler, mas mantinha um setor seu dialogando com De Gaulle, em Londres.