O Globo
Dois jogadores podem fazer com que este ano de 2025 seja bem diferente no terreno da inteligência artificial. Um já era conhecido, mas deu mesmo as caras nas últimas semanas de dezembro. O outro, para quem não acompanha esse mundo com a lupa, parecerá ter surgido do nada. É uma IA chinesa, a DeepSeek, que, tendo sido treinada apesar dos muitos limites tecnológicos impostos pelos Estados Unidos, parece que em várias funções é superior ao GPT. Com duas diferenças relevantes: foi treinada com muito menos dinheiro e é livre. Qualquer um pode baixar, usar, sem custos.
Durante o período das festas de fim de ano,
se tornaram populares nas redes os videozinhos com Lula e Bolsonaro
sorridentes, se abraçando, suéteres natalinos e taças de espumante à mão. Foram
várias versões no entorno do mesmo tema e não tiveram só eles como personagens.
Elon Musk com Bill Gates, Donald Trump com Joe Biden, Zelensky e Putin —
imagine um par improvável, e estavam lá. Essas imagens confessam,
evidentemente, um desejo. Tem muita gente cansada da polarização na qual nos
metemos. Mas, para além de retratar o Zeitgeist, é preciso haver uma explicação
para vídeos assim surgirem às dezenas agora e não antes. A razão é uma só: o
Grok.
Do ponto de vista da tecnologia, não há
motivo para que Dall-E (OpenAI), Midjourney ou Gemini, as IAs mais populares
para geração de imagens estáticas, não possam criar retratos de pessoas famosas
nas situações mais mirabolantes. Não fazem isso porque há limites, filtros
colocados pelas companhias para evitar deepfakes. As falsificações são tão
realistas que podem se confundir com a realidade. O Grok não tem esses filtros
por uma decisão do dono da xAI. Musk incorpora à defesa que faz da liberdade de
expressão a ideia de que parodiar pessoas públicas é do jogo. O que Grok 2 não
faz, ainda, são imagens ultrarrealistas. A promessa era que a versão 3 viria à
tona ainda no ano passado. Não aconteceu.
O debate sobre se paródias com pessoas
públicas fazem parte do exercício legítimo de expressão numa democracia é
antigo. E, em boa parte das democracias, a ideia de que, sim, pode parodiar,
está bem consolidada. Mesmo que a paródia seja bastante ofensiva, se os
personagens são políticos ou gente muito relevante no debate público, é do
jogo. Lula e Bolsonaro aos beijos pode soar de mau gosto para uns, mas é
manifestação de um desejo ou de uma ideia. Não sendo ultrarrealista, e a cena
sendo absurda o suficiente para que ninguém confunda com fatos, tudo certo. O
problema se forma quando a linha é cruzada para além da paródia. Para construir
uma imagem falsa, plausível, que sirva para falsificar a verdade. Confundir o
debate público. No limite, por conta, fraudar uma eleição ao enganar eleitores
em número suficiente.
Deepfakes ainda estavam bastante difíceis de
produzir de forma realista. Em 2025, vai ficar mais fácil e periga se tornarem
realistas o suficiente para enganar muita gente. Ainda não havíamos lidado com
uma IA assim, agora acontecerá com mais frequência. E é aí que entra o dilema
apresentado pela IA chinesa DeepSeek.
A empresa foi criada por Liang Wenfeng, um
jovem cientista da computação chinês que fez uma grande fortuna ainda antes dos
30 desenvolvendo algoritmos para investir na Bolsa. Com sua fortuna, comprou
dez mil microprocessadores para treinar IAs antes de os Estados Unidos criarem
limites para exportação dessa tecnologia para a China. Os chineses podem
importar os chips, mas não aqueles com a tecnologia necessária para treinar os
algoritmos atuais. Ainda assim, a turma da DeepSeek comprou mais chips — mesmo
que limitados. E treinou seu modelo de linguagem com menos dinheiro e menos
tempo de processamento do que as rivais americanas. Fizeram o que ninguém havia
feito antes.
Ciência e tecnologia sempre se moveram com
mais originalidade perante a escassez de recursos. Se os testes iniciais se
comprovarem, pelo menos uma empresa chinesa saltou os limites impostos pelos
americanos e está com uma IA superior na praça. Com a diferença que ela é um
modelo de código livre, outras empresas podem baixar e adaptar para usos
diversos.
Modelos de IA com código livre podem ter seus
filtros extirpados e produzirão tudo aquilo que a imaginação do usuário
desejar. Sem limites para criação e com novos desafios para a sociedade. O ano
promete.
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