terça-feira, 7 de janeiro de 2025

A IA de 2025 não é como a do ano passado – Pedro Doria

O Globo

Dois jogadores podem fazer com que este ano de 2025 seja bem diferente no terreno da inteligência artificial. Um já era conhecido, mas deu mesmo as caras nas últimas semanas de dezembro. O outro, para quem não acompanha esse mundo com a lupa, parecerá ter surgido do nada. É uma IA chinesa, a DeepSeek, que, tendo sido treinada apesar dos muitos limites tecnológicos impostos pelos Estados Unidos, parece que em várias funções é superior ao GPT. Com duas diferenças relevantes: foi treinada com muito menos dinheiro e é livre. Qualquer um pode baixar, usar, sem custos.

Durante o período das festas de fim de ano, se tornaram populares nas redes os videozinhos com Lula e Bolsonaro sorridentes, se abraçando, suéteres natalinos e taças de espumante à mão. Foram várias versões no entorno do mesmo tema e não tiveram só eles como personagens. Elon Musk com Bill Gates, Donald Trump com Joe Biden, Zelensky e Putin — imagine um par improvável, e estavam lá. Essas imagens confessam, evidentemente, um desejo. Tem muita gente cansada da polarização na qual nos metemos. Mas, para além de retratar o Zeitgeist, é preciso haver uma explicação para vídeos assim surgirem às dezenas agora e não antes. A razão é uma só: o Grok.

Do ponto de vista da tecnologia, não há motivo para que Dall-E (OpenAI), Midjourney ou Gemini, as IAs mais populares para geração de imagens estáticas, não possam criar retratos de pessoas famosas nas situações mais mirabolantes. Não fazem isso porque há limites, filtros colocados pelas companhias para evitar deepfakes. As falsificações são tão realistas que podem se confundir com a realidade. O Grok não tem esses filtros por uma decisão do dono da xAI. Musk incorpora à defesa que faz da liberdade de expressão a ideia de que parodiar pessoas públicas é do jogo. O que Grok 2 não faz, ainda, são imagens ultrarrealistas. A promessa era que a versão 3 viria à tona ainda no ano passado. Não aconteceu.

O debate sobre se paródias com pessoas públicas fazem parte do exercício legítimo de expressão numa democracia é antigo. E, em boa parte das democracias, a ideia de que, sim, pode parodiar, está bem consolidada. Mesmo que a paródia seja bastante ofensiva, se os personagens são políticos ou gente muito relevante no debate público, é do jogo. Lula e Bolsonaro aos beijos pode soar de mau gosto para uns, mas é manifestação de um desejo ou de uma ideia. Não sendo ultrarrealista, e a cena sendo absurda o suficiente para que ninguém confunda com fatos, tudo certo. O problema se forma quando a linha é cruzada para além da paródia. Para construir uma imagem falsa, plausível, que sirva para falsificar a verdade. Confundir o debate público. No limite, por conta, fraudar uma eleição ao enganar eleitores em número suficiente.

Deepfakes ainda estavam bastante difíceis de produzir de forma realista. Em 2025, vai ficar mais fácil e periga se tornarem realistas o suficiente para enganar muita gente. Ainda não havíamos lidado com uma IA assim, agora acontecerá com mais frequência. E é aí que entra o dilema apresentado pela IA chinesa DeepSeek.

A empresa foi criada por Liang Wenfeng, um jovem cientista da computação chinês que fez uma grande fortuna ainda antes dos 30 desenvolvendo algoritmos para investir na Bolsa. Com sua fortuna, comprou dez mil microprocessadores para treinar IAs antes de os Estados Unidos criarem limites para exportação dessa tecnologia para a China. Os chineses podem importar os chips, mas não aqueles com a tecnologia necessária para treinar os algoritmos atuais. Ainda assim, a turma da DeepSeek comprou mais chips — mesmo que limitados. E treinou seu modelo de linguagem com menos dinheiro e menos tempo de processamento do que as rivais americanas. Fizeram o que ninguém havia feito antes.

Ciência e tecnologia sempre se moveram com mais originalidade perante a escassez de recursos. Se os testes iniciais se comprovarem, pelo menos uma empresa chinesa saltou os limites impostos pelos americanos e está com uma IA superior na praça. Com a diferença que ela é um modelo de código livre, outras empresas podem baixar e adaptar para usos diversos.

Modelos de IA com código livre podem ter seus filtros extirpados e produzirão tudo aquilo que a imaginação do usuário desejar. Sem limites para criação e com novos desafios para a sociedade. O ano promete.

 

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