quarta-feira, 15 de janeiro de 2025

Importa se Lula é sincero sobre à Venezuela? - Hélio Schwartsman

Folha de S. Paulo

Mesmo que distanciamento tenha motivação populista, nova posição é melhor que a anterior

Minha coluna desta segunda-feira (13), sobre o afastamento de Lula em relação a ditaduras de esquerda, dividiu os leitores. Parte deles acha que o presidente, movido pelo populismo, apenas finge distanciar-se de Maduro. Em seu íntimo, ele continuaria tão bolivariano quanto antes.

É decerto possível analisar motivações. Mas, neste caso, como veremos mais adiante, não penso que faça tanta diferença. Comecemos, porém, pelo começo. Um pensador que dava grande ênfase a motivações era Kant.

Para ele, há duas formas de cumprir uma obrigação. Posso agir "de acordo com o dever" ou "pelo sentido do dever". Se respeito a velocidade máxima de uma estrada por medo da multa, ajo "de acordo com o dever". Mas também posso observar o limite por acreditar que ele está de acordo com a racionalidade humana, que promove a segurança e a paz no trânsito. Neste caso, ajo "pelo sentido do dever".

Embora a ação e os resultados sejam os mesmos, para Kant, só o condutor que age "pelo sentido do dever" atua de forma moral e livre (autônoma).

O problema de Kant é que ele está errado. Sua filosofia moral exige que eu, para não violar a obrigação de dizer sempre a verdade, revele para o assassino onde sua vítima inocente se esconde. Não penso que esse mundo kantiano seja mais moral do que um em que as pessoas possam, diante de situações concretas, escolher o mal menor. É normalmente sob esse formato —e não como abstrações— que os dilemas éticos aparecem para nós.

Se Lula deixou de defender os arbítrios de Maduro e passou a fazer-lhe críticas, ainda que leves, o presidente brasileiro está objetivamente numa posição melhor, mesmo que seja só para não perder votos.

Podemos ir um pouco mais longe e afirmar que simular moderação é o primeiro passo para tornar-se de fato moderado. Se você passa anos se policiando para não dizer a coisa errada, acaba em algum momento introjetando as posições declaradas. Essa pode ser uma das explicações para o fato de os velhos partidos de extrema direita da Europa serem menos antissistema que seus congêneres do novo mundo

 

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