terça-feira, 28 de janeiro de 2025

O que as capas de jornais “disseram” sobre Trump - Pedro Cafardo

Valor Econômico

É difícil saber quão amplo será o apoio mundial ao autoritário, nacionalista e imperialista programa anunciado por Trump

As edições impressas dos jornais vêm perdendo fôlego em todo o mundo, mas a forma como as primeiras páginas são editadas ainda diz muito sobre como são recebidas as notícias nos diferentes países.

A posse do presidente Donald Trump, nos Estados Unidos, foi na segunda-feira, dia 20, quando ele já anunciou as primeiras medidas, assinando 41 decretos com seu canetão de US$ 115. Por uma questão de fuso horário, porém, a maior parte das repercussões das medidas só apareceu nas capas da maioria dos jornais impressos não americanos na quarta-feira, dia 22.

Vale a pena então observar algumas dessas capas.

Talvez a mais eloquente tenha sido a do francês “Libération”, que utilizou quase a página inteira com a manchete “Trump, dia 1 - a ruptura do século”.

O texto citava a saudação nazista do empresário Elon Musk, os decretos anti-imigração e antitransgêneros, o perdão aos criminosos da invasão do Capitólio e a saída dos EUA do Acordo de Paris, entendimento assinado por 193 países mais a União Europeia sobre o clima, para a redução das emissões de carbono e o combate ao aquecimento global.

Em uma submanchete, o “Libération” publicou: “A Loucura dos Grandes Medos”, com uma enorme charge em que o presidente americano está com botas e uniforme hitlerianos e com duas cabeças, uma de Trump e outra de Musk fazendo a saudação nazista. “Inaugurou sua Presidência sob o sinal devastador da hiperatividade num desmantelamento generalizado”, escreveu.

O gesto de Musk foi destacado no também francês “Le Humanité”, que dedicou a manchete a um assunto local, mas ocupou quase toda a primeira página com a foto de Musk sob o título garrafal “Tecnofacismo, Ato 1”. E disse na legenda que há nos EUA uma “nova orientação extremista e ultra-autoritária que inquieta o mundo”.

“Le Monde” foi mais contido na manchete - “Trump empossado e já na ofensiva” -, mas duro em editorial na primeira página: “Mentiras, violência, manipulação, chantagem, cinismo, egoísmo, sexismo, racismo, ódio a leis e instituições são as características distintivas de Donald Trump durante sua carreira”.

O inglês “Financial Times”, jornal de economia, destacou: “Trump amplia a guerra econômica para impostos”. Mesmo tema enfatizado com o título “Trump na Guerra de Direitos” pelo italiano “La República”, que colocou na capa a foto de Musk com o braço levantado, e não a de Trump. Outro inglês, o “Guardian”, destacou uma decisão político-ideológica com o título “Manifestantes condenados do Capitólio são libertados por Trump”.

Na Alemanha, o “Frankfurter Allgemeine” preferiu dar destaque às declarações de Ursula Vander Leyen, presidente da Comissão Europeia, e ao chanceler alemão, Olaf Scholz, que disseram esperar um “tratamento pragmático” por parte de Trump. O espanhol “El País” destacou a parte mais agressiva da fala de Vander Leyen: “UE busca cooperar com o resto do mundo em resposta a Trump”.

Chineses e russos prometem “consolidar” suas relações após a posse de Trump. Foi nessa linha a principal repercussão na capa do “China Daily”, jornal chinês publicado em inglês.

Essa rápida passagem sobre as primeiras páginas de alguns dos mais importantes jornais não americanos mostra uma enorme preocupação geral com o comportamento do presidente dos EUA recentemente empossado, que pretende “remake the nation”, segundo a expressão do “New York Times”.

O lema “America First”, o negacionismo ambiental, o protecionismo comercial e o desrespeito a imigrantes e minorias, ameaças enfaticamente confirmadas no primeiro dia deste segundo mandato de Trump, ligam o sinal de alerta para tempos sombrios. “O fim do Progresso?”, perguntou o economista (prêmio Nobel) Joseph Stiglitz em artigo publicado pelo Valor.

É difícil saber quão amplo será o apoio mundial ao autoritário, nacionalista e imperialista programa anunciado por Trump, que não fez acenos à conciliação interna ou externa, exceto quando atenuou o discurso de bravatas em relação à China. Ante à “desobediência” do presidente da Colômbia, Gustavo Petro, que se recusou a receber aviões militares com deportados, a punição foi imediata: tarifação de até 50% para produtos colombianos. Petro recuou.

Tendo a seu lado os comandantes da nova oligarquia mundial, os donos das “big techs”, Trump poderá angariar alto índice de aprovação, forjado na comunicação controlada pela extrema direita nas redes sociais. Porém, o tipo de destaque dado às notícias sombrias do 20 de janeiro pela grande imprensa mostra que há pouco espaço para exaltação desse pacote de retrocesso entre os formadores de opinião da mídia tradicional.

Por tudo isso, trazendo a conversa para o Brasil, é preciso citar, com todo o respeito, que foi desastrada e ingênua a exaltação feita a Trump pelo governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, que inclusive postou foto nas redes sociais com o boné “Make America Great Again”. A mesma América que deporta brasileiros algemados e acorrentados. Ultradireitistas que se dizem patriotas precisam deixar claro qual é pátria que veneram.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.