Valor Econômico
É difícil saber quão amplo será o apoio
mundial ao autoritário, nacionalista e imperialista programa anunciado por
Trump
As edições impressas dos jornais vêm perdendo
fôlego em todo o mundo, mas a forma como as primeiras páginas são editadas
ainda diz muito sobre como são recebidas as notícias nos diferentes países.
A posse do presidente Donald Trump, nos
Estados Unidos, foi na segunda-feira, dia 20, quando ele já anunciou as
primeiras medidas, assinando 41 decretos com seu canetão de US$ 115. Por uma
questão de fuso horário, porém, a maior parte das repercussões das medidas só
apareceu nas capas da maioria dos jornais impressos não americanos na
quarta-feira, dia 22.
Vale a pena então observar algumas dessas capas.
Talvez a mais eloquente tenha sido a do
francês “Libération”, que utilizou quase a página inteira com a manchete
“Trump, dia 1 - a ruptura do século”.
O texto citava a saudação nazista do
empresário Elon Musk, os decretos anti-imigração e antitransgêneros, o perdão
aos criminosos da invasão do Capitólio e a saída dos EUA do Acordo de Paris,
entendimento assinado por 193 países mais a União Europeia sobre o clima, para
a redução das emissões de carbono e o combate ao aquecimento global.
Em uma submanchete, o “Libération” publicou:
“A Loucura dos Grandes Medos”, com uma enorme charge em que o presidente
americano está com botas e uniforme hitlerianos e com duas cabeças, uma de
Trump e outra de Musk fazendo a saudação nazista. “Inaugurou sua Presidência
sob o sinal devastador da hiperatividade num desmantelamento generalizado”,
escreveu.
O gesto de Musk foi destacado no também
francês “Le Humanité”, que dedicou a manchete a um assunto local, mas ocupou
quase toda a primeira página com a foto de Musk sob o título garrafal
“Tecnofacismo, Ato 1”. E disse na legenda que há nos EUA uma “nova orientação
extremista e ultra-autoritária que inquieta o mundo”.
“Le Monde” foi mais contido na manchete -
“Trump empossado e já na ofensiva” -, mas duro em editorial na primeira página:
“Mentiras, violência, manipulação, chantagem, cinismo, egoísmo, sexismo,
racismo, ódio a leis e instituições são as características distintivas de
Donald Trump durante sua carreira”.
O inglês “Financial Times”, jornal de
economia, destacou: “Trump amplia a guerra econômica para impostos”. Mesmo tema
enfatizado com o título “Trump na Guerra de Direitos” pelo italiano “La
República”, que colocou na capa a foto de Musk com o braço levantado, e não a
de Trump. Outro inglês, o “Guardian”, destacou uma decisão político-ideológica
com o título “Manifestantes condenados do Capitólio são libertados por Trump”.
Na Alemanha, o “Frankfurter Allgemeine”
preferiu dar destaque às declarações de Ursula Vander Leyen, presidente da
Comissão Europeia, e ao chanceler alemão, Olaf Scholz, que disseram esperar um
“tratamento pragmático” por parte de Trump. O espanhol “El País” destacou a
parte mais agressiva da fala de Vander Leyen: “UE busca cooperar com o resto do
mundo em resposta a Trump”.
Chineses e russos prometem “consolidar” suas
relações após a posse de Trump. Foi nessa linha a principal repercussão na capa
do “China Daily”, jornal chinês publicado em inglês.
Essa rápida passagem sobre as primeiras
páginas de alguns dos mais importantes jornais não americanos mostra uma enorme
preocupação geral com o comportamento do presidente dos EUA recentemente
empossado, que pretende “remake the nation”, segundo a expressão do “New York
Times”.
O lema “America First”, o negacionismo
ambiental, o protecionismo comercial e o desrespeito a imigrantes e minorias,
ameaças enfaticamente confirmadas no primeiro dia deste segundo mandato de
Trump, ligam o sinal de alerta para tempos sombrios. “O fim do Progresso?”,
perguntou o economista (prêmio Nobel) Joseph Stiglitz em artigo publicado
pelo Valor.
É difícil saber quão amplo será o apoio
mundial ao autoritário, nacionalista e imperialista programa anunciado por
Trump, que não fez acenos à conciliação interna ou externa, exceto quando
atenuou o discurso de bravatas em relação à China. Ante à “desobediência” do
presidente da Colômbia, Gustavo Petro, que se recusou a receber aviões
militares com deportados, a punição foi imediata: tarifação de até 50% para
produtos colombianos. Petro recuou.
Tendo a seu lado os comandantes da nova
oligarquia mundial, os donos das “big techs”, Trump poderá angariar alto índice
de aprovação, forjado na comunicação controlada pela extrema direita nas redes
sociais. Porém, o tipo de destaque dado às notícias sombrias do 20 de janeiro
pela grande imprensa mostra que há pouco espaço para exaltação desse pacote de
retrocesso entre os formadores de opinião da mídia tradicional.
Por tudo isso, trazendo a conversa para o Brasil, é preciso citar, com todo o respeito, que foi desastrada e ingênua a exaltação feita a Trump pelo governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, que inclusive postou foto nas redes sociais com o boné “Make America Great Again”. A mesma América que deporta brasileiros algemados e acorrentados. Ultradireitistas que se dizem patriotas precisam deixar claro qual é pátria que veneram.
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