segunda-feira, 31 de março de 2025

O que a mídia pensa: editoriais / opinioes

Trump significa menos crescimento e mais inflação

O Globo

É sombria a conclusão de estudo da OCDE sobre o impacto da guerra comercial na economia global

A partir desta semana, carros importados começarão a pagar 25% de taxa para entrar nos Estados Unidos, dez vezes o que pagavam antes. Decretadas na semana passada, as tarifas sobre automóveis são o último lance na guerra comercial deflagrada por Donald Trump, cujo desfecho não se vislumbra. O resultado da onda tarifária já está claro. Ela terá dois impactos na economia global: mais inflação e menos crescimento. Essa é a conclusão de um relatório da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). A Câmara de Comércio Americana para a União Europeia, a que estão filiadas mais de 160 empresas dos Estados Unidos que atuam no bloco, estima que a imposição de tarifas de lado a lado põe em risco US$ 9,5 trilhões em comércio e investimentos bilaterais.

Trump anunciou em novembro 10% de sobretaxa nas importações da China e, em fevereiro, 25% sobre todas as importações de aço e alumínio. Considerando as duas medidas, a OCDE estimou desaceleração no crescimento mundial de 3,2% em 2024 para 3,1% em 2025 e 3% em 2026. Mas esse é o cenário menos preocupante, em que a Casa Branca continuaria a taxar com gravames adicionais apenas produtos que não fazem parte do acordo comercial dos Estados Unidos, México e Canadá (USMCA). E não considera a última rodada sobre automóveis.

Adolescência’ expõe o machismo na rede – Fernando Gabeira

 O Globo

Pesquisadores aconselham pais, educadores, autoridades a se dar conta de que a radicalização já é realidade cotidiana

A série “Adolescência” trouxe um grande número de debates envolvendo as redes sociais. Um dos temas novos para o público brasileiro foi a menção aos incels (celibatários involuntários), subcultura muito atuante na internet que já produziu algumas tragédias.

Fui despertado para o tema pela leitura de dois livros: “Hate in the homeland: the new global far right”, de Cynthia Miller-Idriss, e “Meme wars” (guerras de memes, em tradução livre), de Joan Donovan, Emily Dreyfuss e Brian Friedberg. Pensei em escrever sobre isso quando as redes da primeira-dama foram invadidas por um jovem que, pelo que li, se declarou influenciado pelos incels. Mas, para evitar o clima de polarização, resolvi esperar nova oportunidade.

Os incels em alguns casos se consideram rejeitados pelas mulheres e culpam o feminismo. Na série, o personagem diz que 80% das mulheres se interessam por apenas 20% dos homens. Se limitassem seu discurso apenas a um lamento pela solidão involuntária, seriam inofensivos. Mas, nos Estados Unidos, já moveram grandes campanhas nas redes sociais visando a determinadas mulheres, com o objetivo de tornar sua vida infernal.

Novo consignado é ilegal, imoral e engorda – Demetrio Magnolli

O Globo

Equivale a penhora de salário ou aposentadoria. É nítida violação da lei

O FGTS, poupança compulsória do trabalhador, assim como as multas legais por demissão injustificada, já não pertence ao trabalhador. A nova modalidade do crédito consignado anunciada pelo governo confere aos bancos a prerrogativa de invadir tais direitos trabalhistas para a quitação de dívidas.

— O banco vai pegar o valor do saldo do consignado. Se está devendo R$ 20 mil, é R$ 20 mil. Se deve R$ 30 mil, é R$ 30 mil — explicou Francisco Macena, secretário executivo do Ministério do Trabalho.

No plano econômico, a iniciativa inscreve-se na lógica enunciada por Dilma Rousseff:

— Gasto é vida.

A máxima sintetiza uma visão tosca do crescimento econômico que o torna dependente da expansão dos gastos públicos e privados.

Desenvolvimento é sinônimo de crescimento econômico sustentável. Seu motor é a elevação da produtividade, que gera riqueza e espraia renda pelas empresas e trabalhadores, pelos produtores e consumidores.

O novo Minha Casa, Minha Vida precisa ser reconhecido - Jader Filho

O Globo

Programa não deve mais ser visto como sinônimo de habitação distante dos centros urbanos

Lançado em 2009 pelo presidente Lula, o programa Minha Casa, Minha Vida (MCMV) foi consagrado pelos brasileiros, especialmente aqueles incluídos entre os segmentos mais necessitados de nossa população, com baixa renda, moradores de rua ou de áreas de risco.

É natural que, ao longo de 15 anos, o programa tenha sido alterado e aperfeiçoado. Não deve mais ser visto como sinônimo de habitação distante dos centros urbanos. Com novo desenho legal, normativo e operacional desde 2023, os empreendimentos subsidiados não podem mais ser construídos em locais afastados e desprovidos de infraestrutura. A Lei 14.620/2023 e portarias ministeriais determinam que os imóveis sejam erguidos em áreas urbanas consolidadas, com acesso a transporte público, escolas, unidades de saúde, segurança e demais serviços essenciais.

Fragmentação protege a democracia – Carlos Pereira

O Estado de S. Paulo

A fragmentação no Brasil revelou-se mais eficaz contra líderes iliberais do que modelo dos EUA

Durante décadas, exaltamos as proezas da democracia americana. O sistema institucional majoritário dos EUA — presidencialista e bipartidário — era visto como um modelo a ser seguido.

Afinal, trata-se da democracia mais longeva e mais rica do mundo. Muitos ainda hoje atribuem a esse arranjo institucional o segredo do seu sucesso. A existência de um presidente, ainda que constitucionalmente limitado, amparado por uma maioria legislativa de seu partido, capaz de implementar sua agenda com poucas concessões. Soma-se a isso uma justiça ágil, eficaz e, em parte, escolhida diretamente pelos próprios eleitores.

Supersalários, o teto caído e a proposta de dúplex - Bruno Carazza

Valor econômico

Discussões sobre supersalários no Judiciário não atacam o ponto principal

Há uma semana, o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, criticou na Fiesp os supersalários do Poder Judiciário. Para ele, estamos vivendo “um quadro de verdadeira desordem”, em que tribunais abusam do princípio da autonomia orçamentária para inflar ilegalmente os salários dos magistrados.

Poucos dias antes, o corregedor nacional de Justiça autorizara pagamentos mensais de retroativos pleiteados pelo TJ-SE até o limite de R$ 46.366,20 acima do teto. Na prática, essa decisão, que deve se alastrar para todo o país, institui um “teto dúplex” no Poder Judiciário - um limitando os vencimentos básicos da categoria, enquanto um valor equivalente será autorizado para o pagamento mensal de verbas “indenizatórias” e retroativos.

Assim como Gilmar Mendes, alguns magistrados e membros do Ministério Público reconhecem que os penduricalhos são uma distorção, mas argumentam que eles são necessários para contornar a defasagem do teto e a pouca distância entre os salários de entrada e do topo da carreira.

A carga tributária é recorde, mas nem assim há superávit primário - Sergio Lamucci

Valor Econômico

Por mais repetitivo que seja, a redução das incertezas fiscais passa pela disposição de diminuir a velocidade de expansão dos gastos obrigatórios

A carga tributária bruta brasileira ficou em 32,3% do PIB em 2024, o nível mais alto da série iniciada em 2010. Divulgados na sexta-feira pelo Tesouro, os números englobam a arrecadação da União, Estados e municípios, seguindo o Manual de Estatísticas de Finanças Públicas do Fundo Monetário Internacional (FMI). Chama a atenção que o país não gera superávit primário (exclui gastos com juros) nem mesmo com a carga tributária superando picos anteriores, como aponta o economista-chefe da corretora Tullett Prebon, Fernando Montero. É mais um sinal de que conter o ritmo de crescimento das despesas obrigatórias é o problema incontornável das contas públicas brasileiras.

O consenso dos economistas do Boletim Focus do Banco Central (BC) é de um déficit primário de 0,6% do PIB neste ano, que será zerado apenas em 2029. A estabilização da dívida pública como proporção do PIB exige um superávit primário de 1,5% a 3% do PIB, a depender das premissas adotadas.

O poder do STF e o foro privilegiado - Marcus André Melo

Folha de S. Paulo

Mudanças no mecanismo refletem jogo em torno de quem controla a agenda e o veto na interação entre os três Poderes

Em coluna há sete anos mencionei um diálogo que havia tido com um ministro do Supremo sobre as chances do STF aprovar, por iniciativa da Corte, a extinção do foro por prerrogativa de função de parlamentares. Sua resposta: "Você está brincando? É baixa. Foro significa poder e ninguém quer perder poder!".

O hiperprotagonismo do STF assenta-se em parte em sua jurisdição criminal, uma decisão do constituinte de 1988. Mas sua efetividade depende de regras infraconstitucionais que são função da estrutura de incentivos com que os atores se defrontam.

Em 2018, grosso modo o STF confirma entendimento desde 1999 de que o foro era restrito ao mandato e à função. Este entendimento acaba de mudar. O STF decidiu que as ações continuam na Corte mesmo após o término do mandato.

O 31 de março, o 8 de janeiro e a distopia autoritária - Rogério Sottili e Jurema Werneck

Folha de S. Paulo

Mais que um exercício de memória, relembrar 1964 é um ato de vigilância para reafirmar nosso compromisso com as instituições e as liberdades

Este dia 31 de março é diferente de todos os outros que o precederam desde 1964, quando o golpe civil-militar mergulhou o país numa ditadura que durou 21 anos. A distinção está na inédita perspectiva, aberta pela decisão do Supremo Tribunal Federal, na última quarta (26), de que deverão responder criminalmente os que engendraram, patrocinaram e incentivaram os ataques à democracia que culminaram na recidiva golpista de 8 de janeiro de 2023.

É a primeira vez que militares de alta patente, um ex-presidente e outros figurões da República se tornam réus por atentarem contra a liberdade e a democracia. A impunidade que eximiu de responsabilidade os agentes do Estado que comandaram ou cometeram atrocidades durante a ditadura militar deixou sequelas profundas no país. Seu legado de autoritarismo e barbárie permanece uma ferida aberta.

Sem anistia! - Camila Rocha

Folha de S. Paulo

Congressistas deveriam levar em consideração a demanda da maioria dos brasileiros

A maioria dos brasileiros não quer anistia para golpistas. De acordo com a pesquisa realizada pelo PoderData, divulgada em 21 de março, apenas 37% da população é a favor de conceder anistia àqueles que foram presos pelo envolvimento nos atos antidemocráticos do 8 de janeiro. Mais da metade, 51% dos entrevistados, é contrária, e 12% não souberam opinar.

Nem mesmo os eleitores de Jair Bolsonaro encampam a pauta. Entre os entrevistados que votaram no capitão reformado no segundo turno de 2022, quase metade, 49%, é contrária à anistia, apenas 36% a defendem.

A anistia relacionada apenas aos crimes cometidos por Jair Bolsonaro é defendida por menos pessoas ainda. Em uma pesquisa realizada pela AtlasIntel, divulgada há um mês, em 21 de fevereiro, se perguntava especificamente: "Bolsonaro deveria ser preso, anistiado ou julgado em liberdade". Apenas 27% dos respondentes afirmaram que Bolsonaro deveria ser anistiado. Para mais da metade, 52%, o ex-presidente deveria ser preso, e 17% entendem que ele deveria ser julgado em liberdade.

A falta de apelo da anistia é perceptível mesmo entre bolsonaristas mais convictos. No último ato convocado por Bolsonaro para 16 de março, em Copacabana, no Rio de Janeiro, sua expectativa era reunir 1 milhão de pessoas, número que depois foi reduzido para 500 mil. A expectativa não poderia ser mais irreal.

Golpe de 64 permeou declarações de ministros em julgamento que tornou Bolsonaro réu

Ana Gabriela Oliveira Lima / Folha de S. Paulo

Cármen Lúcia e Flávio Dino traçam ponte com passado e relembram gravidade da ditadura militar 61 anos depois de instauração do regime

"Ditadura mata! Ditadura vive da morte", disse a ministra Cármen Lúcia, do STF (Supremo Tribunal Federal), durante a sessão da corte na quarta-feira (26) que tornou réu o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) por liderar uma trama golpista.

Antes dela, o magistrado Flávio Dino afirmou: "Golpe de Estado mata. Não importa se isto é no dia, no mês seguinte ou alguns anos depois".

Ambos os ministros, ao julgarem a denúncia sobre a trama golpista de 2022, fizeram referência à ditadura de 1964, que completa 61 anos nesta segunda-feira (31). Para especialistas ouvidos pela Folha, a fala sobre o tema foi pedagógica, e o julgamento, histórico.

Além do ex-presidente, viraram réus Alexandre Ramagem, ex-chefe da Abin e deputado federal do PL-RJ, o almirante Almir Garnier, ex-comandante da Marinha, Anderson Torres, ex-ministro da Justiça, o general Augusto Heleno, ex-chefe do GSI (Gabinete de Segurança Institucional), Mauro Cid, tenente-coronel e ex-ajudante de ordens da Presidência da República, o general Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa, e o general Walter Braga Netto, ex-ministro da Casa Civil e da Defesa.

Esquerda faz atos dispersos pelo país contra anistia a Bolsonaro

Mariana ZylberkanYuri Eiras / Folha de S. Paulo

Manifestação em São Paulo fez caminhada até o antigo Doi-Codi e teve presença do deputado Boulos

Neste domingo (30), a esquerda realizou atos dispersos pelo país, tendo a pauta contra a anistia aos envolvidos com os atos golpistas de 8 de janeiro como bandeira principal e defendendo a prisão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

A organização da maioria dos atos, que seguem ao longo dos próximos dois dias, foi feita pelas entidades que formam as frentes Povo Sem Medo e Brasil Popular.

Em São Paulo, partidos de esquerda e centrais sindicais se reuniram na praça Oswaldo Cruz, na região da avenida Paulista. Dali, seguiram em caminhada até o antigo Doi–Codi (Destacamento de Operações de Informação – Centro de Operações de Defesa Interna), principal centro de tortura da ditadura militar na cidade.

Convocada pelo deputado federal Guilherme Boulos (PSOL-SP) em suas redes sociais, a manifestação reuniu também outros congressistas do PSOL como Ivan Valente (SP) e Erika Hilton (SP). O Partido dos Trabalhadores (PT) foi representado pelo deputado federal Lindbergh Farias (RJ), líder do partido na Casa, e o deputado estadual Antônio Donato (SP).

sábado, 29 de março de 2025

O joio e o trigo - Pedro Serrano

O STF não está imune a críticas, mas o objetivo da extrema-direita é desqualificar por completo a atuação da Corte

O Supremo Tribunal Federal vem impulsionando as denúncias formuladas pela Procuradoria-Geral da República contra o ex-Presidente da República Jair Bolsonaro e outras 33 pessoas pelos crimes de organização criminosa armada, abolição violenta do Estado democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado. Por essas razões, intensificam-se as críticas aos atos de persecução penal e jurisdicionais da Corte Constitucional.

Críticas não são apenas aceitáveis, mas desejáveis em qualquer sistema democrático. A posição assumida pelo Judiciário para a vida em sociedade o coloca, invariavelmente, sob o crivo do questionamento. Ao Judiciário cabe, nas democracias contemporâneas, a última palavra em termos de interpretação da ordem jurídica. Em países como os latino-americanos, providos de Constituições analíticas, diversas decisões sobre da vida pública, em comunidade e dos comportamentos humanos são transferidas para o âmbito jurisdicional.

Os golpistas estão nus - André Barrocal*

Ao converter Bolsonaro e associados em réus, o STF expõe as vísceras da tramoia que queria instituir uma ditadura

Vem aí mais um ignóbil aniversário do golpe militar reverenciado por Jair Bolsonaro e muitos de seus fiéis. Um regime inaugurado sem cadáveres. “No dia 1° de abril de 1964 também não morreu ninguém. Mas centenas e milhares morreram depois”, lembrou Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal, no julgamento que converteu em réus Bolsonaro, cinco militares e dois delegados por tentativa de golpe de Estado. Pouco antes, a colega de Corte Cármen Lúcia havia citado um livro lançado no ano passado pela historiadora mineira Heloisa Starling.

A Máquina do Golpe sustenta que a ditadura instaurada em 1964 resultou de ­duas décadas de ruminações. “Não se faz golpe num dia”, afirmou a magistrada.

A acusação pela qual Bolsonaro é réu compõe-se de vários capítulos. O primeiro é de 29 de julho de 2021 e o último, de 8 de janeiro de 2023. Não houve mortes dois anos atrás em Brasília, como não tinha havido em 1964. Já violência… Marcela da Silva Pinno, policial militar de serviço naquele dia, teve o capacete arrebentado por uma barra de ferro, como descreveu em uma CPI do Congresso em 2023. Um trecho de seu depoimento à comissão parlamentar integra um vídeo de cinco minutos exibido no Supremo na quarta-feira 26 com um apanhado de atos violentos praticados por bolsonaristas no 8 de Janeiro. O vídeo foi idealizado pelo juiz Alexandre de Moraes, relator do processo contra o ex-presidente. Para o togado, é importante enfrentar um fenômeno descrito na academia como “viés de positividade”. Este consiste em romantizar memórias. “Isso não é violência?”, perguntou ele, enquanto as imagens eram exibidas.

Trump e os capitais em movimento - Luiz Gonzaga Belluzzo

Nas mídias, a enésima temporada da série sobre a construção do dólar como moeda reserva

Exercendo suas peripécias peripatéticas, Donald Trump sugeriu a taxação dos movimentos de capitais. Controles de capitais são apresentados na visão liberal-dominante como uma apostasia que ameaça o sistema monetário-financeiro internacional.

A ideia de Trump está agasalhada nos escaninhos do Make America ­Great Again. Há tempos, os Estados Unidos padecem as dores de um imponente déficit na conta de comércio “financiada” por parrudos ingressos de capitais. Os capitais em movimento buscam os confortos dos mercados financeiros americanos salvaguardados pelos títulos públicos americanos denominados na moeda de reserva.

Trump e seus assessores vislumbram uma correção do déficit comercial ao promover uma desvalorização do dólar que, dizem eles, deve corrigir a perda de “competitividade” americana e conter a destruição dos empregos mais qualificados na indústria de Tio Sam.

Aqui cabem divagações históricas a respeito das peripécias peripatéticas do dólar como moeda de reserva.

A Culpa é da Galinha - Marcus Pestana

Na economia, a inflação é o que mais incomoda trabalhadores, famílias, donas de casa. Ela tem um irmão gêmeo perverso que é o desemprego. Mas que afeta apenas o desempregado. A inflação não, afeta todo mundo. O IBGE publicou IPCA-15 de março. A inflação anual bateu em 5,26%. Quem mais sofre com a inflação são os mais pobres que perdem poder de compra. E quando a inflação foge do controle, como já aconteceu no Brasil antes do Plano Real, a economia saí dos trilhos e não há desenvolvimento consistente e sustentado possível.

A inflação costuma afetar diretamente a avaliação dos governos. Tudo indica que foi determinante nas derrotas do ex-presidente dos EUA, Joe Biden, e do ex-primeiro-ministro alemão Olaf Scholz.  Muitos analistas de opinião pública associaram a recente queda de apoio ao presidente Lula ao recrudescimento da inflação, particularmente a dos alimentos.

sexta-feira, 28 de março de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

É descabida decisão do CNJ que regulou os ‘penduricalhos’

O Globo

Cabe ao Congresso restringi-los a casos excepcionais. Na prática, a regra adotada dobra teto salarial dos juízes

O ministro Mauro Campbell Marques, corregedor do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), limitou as verbas indenizatórias acrescidas ao salário de juízes — os “penduricalhos” — a R$ 46.336,19 mensais, o equivalente ao salário de um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF). Com isso, os magistrados poderão receber todo mês o equivalente a dois tetos constitucionais, ou R$ 92.672,38. Trata-se de um despropósito, pois a Constituição limita a remuneração mensal no setor público a um — e não dois — salário de ministro do STF. A decisão de Marques só pode ser explicada pelo nível de abuso nos supersalários pagos a juízes, procuradores e integrantes da elite do funcionalismo.

Eventuais pagamentos adicionais podem se justificar no caso de reembolso de despesas, diárias de viagem ou mesmo auxílios-moradia temporários, quando há mudança de cidade por motivo profissional. Mas devem ser excepcionais. Não é o que acontece. Os “penduricalhos” têm sido usados para assegurar gratificações descabidas e aumentos salariais disfarçados muito acima do que permite a Constituição.

Fernando Abrucio - Políticas para a juventude do século XXI

Valor Econômico

Os jovens precisam saber que não há uma única via da felicidade na vida adulta, sendo que o cardápio das melhores escolhas reside na convivência coletiva com os diferentes

A minissérie “Adolescência” trata da dor mais dura que uma família e uma comunidade podem enfrentar: uma criança assassinando, futilmente, outra. Trata-se não só de uma tragédia presente, mas, pior, um prenúncio de um futuro distópico, pois se os jovens de hoje são capazes de fazer essa barbaridade, o que serão como adultos?

Desse episódio nefasto, múltiplas culpas emergem: dos pais, da escola, das redes sociais, dos que propagam um conceito cruel e falso de masculinidade aos meninos, do crescente número de pessoas que alimentam o ódio e a violência como forma de viver. Transformações nesse cenário passam, primeiramente, por grandes mudanças culturais, com a adoção de valores realmente humanistas para a realidade do século XXI. Também dependem de modificações na esfera privada, especialmente da superproteção que grande parte das famílias ocidentais dão aos seus filhos sem que efetivamente estabeleçam vínculos com eles e construam um caminho de orientação para a vida adulta.

José de Souza Martins - A questão é a ficha suja, não a limpa

Valor Econômico

Quem apoiar a revogação ou adulteração da lei que interdita candidatura de políticos denunciados provavelmente será carimbado como ficha suja

As tensões políticas dos últimos dias estão relacionadas com a iminente possibilidade de acolhimento das denúncias contra os envolvidos na tentativa de golpe de Estado de 2022 e 2023.

A lei prevê que gente de ficha suja fica fora da possibilidade de disputar eleições por oito anos. Isso significa que Jair Messias não poderá candidatar-se à eleição presidencial de 2026. Seus seguidores, amigos, cúmplices, parentes e orientadores “espirituais” convenientemente entendem que o castigo é demasiado.

Preconizam que a interdição seja reduzida para dois anos. Um banho de saboneteiros de ficha suja, que também seriam beneficiados pela adulteração do propósito dos autores da proposta, de 1997, a de botar freio na corrupção política endêmica.

O que é hoje chamada de Lei da Ficha Limpa é o resultado de um movimento social, de inspiração católica, originado na Campanha da Fraternidade de 1996, da CNBB, cujo tema foi “Fraternidade e Política”. A proposta, portanto, tem uma dimensão moral bem mais extensa do que a da mera formulação jurídica agora pretendida.

Lula, JK e a difícil arte de falar com o povo - Andrea Jubé

Valor Econômico

O mais difícil é driblar o ambiente de mau humor instalado no país

É certo que a comunicação não é o único problema do governo, mas certamente é um deles. Por isso, de volta do périplo ao Japão e Vietnã, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva vai protagonizar um grande evento na próxima semana de lançamento da campanha “O Brasil é dos brasileiros”, a primeira com o publicitário Sidônio Palmeira à frente da Secretaria de Comunicação Social (Secom) da Presidência. O martelo não foi batido, mas o plano é ambicioso: reunir um público expressivo de lideranças políticas, personalidades e militantes. Por isso, estuda-se transferir o ato dos salões do Palácio do Planalto para o auditório do Centro de Convenções Ulysses Guimarães, que comporta até 3 mil pessoas.

A capacidade de se conectar com a população e fazer chegar à ponta às ações do governo não é dilema exclusivo de Lula. Já atormentou outros presidentes no passado, como Juscelino Kubitschek, até hoje lembrado pelos “50 anos em 5”. Pois JK ficava angustiado com o vazio de notícias sobre a construção de Brasília - a capital federal completará 65 anos em abril.

Lula tenta aproveitar inferno de Bolsonaro - Vera Magalhães

O Globo

Presidente precisa evitar que Tarcísio reúna em torno de si uma coalizão parecida com a que conseguiu na eleição municipal

Luiz Inácio Lula da Silva montou uma trupe para sua viagem à Ásia que inclui nomes centrais na delicada costura que precisará fazer para montar seu palanque no ano que vem. As conversas giram em torno de mudanças de partido desses personagens e da reforma ministerial ainda inconclusa. Noutro fuso horário e com outras preocupações na cabeça, Jair Bolsonaro também mexe suas peças no tabuleiro da eleição presidencial, como já comecei a mostrar em coluna anterior neste espaço.

Lula tirou o time de campo do Brasil justamente na semana crucial para o futuro de Bolsonaro. Acompanhou não só à distância, mas em silêncio, os dois dias de julgamento no STF e só se manifestou quando a fatura que tornou réu seu principal adversário já estava liquidada.

Bolsonaro será condenado, mas bolsonarismo seguirá vivo - Bernardo Mello Franco

O Globo

Extrema direita dominou campo conservador e voltará a disputar com Lula em 2026

Jair Bolsonaro virou réu e, pelo que se viu e ouviu no Supremo, caminha para ser condenado nos próximos meses. O capitão já estava inelegível pelos ataques à urna eletrônica. Agora deve receber uma pena dura pela tentativa de golpe.

Na quarta-feira, uma jornalista quis saber quem ele apoiará em 2026. O ex-presidente se invocou com a pergunta, engrossou com a repórter e arriscou uma piada: “Se não for o Jair, vai ser o Messias. Quer um terceiro nome? O Bolsonaro”.

O capitão não quer largar o osso tão cedo. Enquanto estiver solto, deve sustentar a ficção de que será candidato. A insistência serve a dois objetivos: evitar a desmobilização da tropa e elevar o preço de um endosso eleitoral no ano que vem.

Decisão de julgar golpistas é histórica – Flávia Oliveira

O Globo

Não é trivial que uma Turma de cinco ministros do STF acolha, por unanimidade, a denúncia contra um ex-presidente, três generais e ex-ministros, um almirante

Num país que leva impunidade como selo, anistia como marca, jeitinho no DNA, não é trivial que uma Turma de cinco ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) acolha, por unanimidade, a denúncia contra um ex-presidente da República, três generais e ex-ministros, um almirante. Por atentarem contra a democracia. Jair BolsonaroWalter Braga NettoAugusto Heleno, Paulo Sérgio Oliveira e Almir Garnier ocuparam alguns dos postos mais importantes da República na última meia década. Foram investigados pela Polícia Federal, denunciados pela Procuradoria-Geral da República, serão julgados pelo STF. Instituições civis prevaleceram. Inédito.

A tardia hora da segurança - Fernando Gabeira

O Estado de S. Paulo

Ou o Brasil recupera seus territórios perdidos para o crime ou esta singularidade marcará o destino do País, interferindo, inclusive, nas suas ambições econômicas

O presidente Lula mudou seu discurso e afirma que acabará com a “república dos ladrões de celular”. O ministro da Justiça anuncia, por seu turno, que apresentará ao Congresso a PEC da Segurança, assim que a cúpula parlamentar volte do Japão, para onde, no meu entender, não tinha razão para ir.

Se ainda há tempo ou já passou da hora é uma discussão inútil como a que se trava no combate ao aquecimento global. Não há escolha.

Uma PEC da Segurança que sintonize os esforços dos governos federal, estadual e municipal é bem-vinda, assim como a criação de um sistema nacional. Há muitas resistências em alguns Estados, que temem a presença federal. Mas, ainda que as resistências sejam vencidas, uma sintonia maior é apenas um passo.

STF posiciona seus canhões - Eliane Cantanhêde

O Estado de S. Paulo

Moraes mira canhões contra anistia e tira Kassab da primeira instância de volta para o STF

Mais do que se agarrar a um fiapo de esperança com as sinalizações do ministro Luiz Fux no Supremo, o ex-presidente Jair Bolsonaro joga suas fichas na anistia, que finge ser para os vândalos de 8/1, mas foi feita para ele no Congresso. O Supremo está atento e já posicionou seus canhões contra o projeto, ampliou novamente o foro privilegiado para quem é acusado de crimes cometidos em mandatos anteriores e já usa na prática a mudança ao puxar de volta um processo contra Gilberto Kassab, “dono” do PSD, que estava na primeira instância.

Cidadania exibe programa feito 100% com inteligência artificial (IA) – Luiz Carlos Azedo

Correio Braziliense

Segundo as normas do TSE, o uso de inteligência artificial deve estar explicitado nas campanhas políticas. A lei proíbe o uso de IA para a criação de conteúdo falso

Com objetivo de debater a regulamentação do uso de inteligência artificial (IA) nas eleições de 2026, o Cidadania exibiu, nestas terça e quarta-feiras, em cadeia nacional de tevê, o programa oficial do partido editado 100% com uso de IA, o que chamou a atenção e causou controvérsia nas redes sociais. A inserção exibe pessoas pedindo trabalho digno, educação e saúde de qualidade e um país mais justo e democrático. Todos os personagens que aparecem na propaganda são fictícios, mas correspondem ao mosaico étnico, social e etário da população. Não fosse o uso de IA assumido pelo partido no próprio vídeo exibido, isso passaria praticamente despercebido.

A liberdade abriu as asas - José Sarney*

Correio Braziliense

Democracia é liberdade. E esta tem um poder criativo capaz de se estender por uma grande capilaridade a toda a sociedade

Nessas comemorações dos 40 anos da democracia no Brasil, devemos fazer algumas reflexões. Otávio Mangabeira dizia que a democracia é uma plantinha tenra que necessita ser irrigada e vigiada todos os dias. Já nós, ao tempo da União Democrática Nacional (UDN), no combate à ditadura Vargas, tínhamos como lema que "o preço da liberdade é a eterna vigilância". 

Assim, quando todos nós, em uníssono, no país inteiro, comemoramos a liberdade que conseguimos implantar, devemos ter em mira que ela necessita de ser vigiada, adubada, protegida, até que se torne uma consciência individual, de cada cidadão de nosso país, sabendo que goza dos direitos que tem por causa do regime democrático.

Se não fosse a transição democrática, o operário Lula da Silva não teria sido jamais presidente do Brasil. Ele o foi, e é, graças ao regime democrático. E a ele devemos um governo dos trabalhadores de grandes avanços.

Estão brincando com fogo! - Orlando Thomé Cordeiro*

Correio Braziliense

Diferentemente do Executivo e do Legislativo, a sociedade não tem possibilidade de exercer controle social sobre os gastos do Poder Judiciário. Um risco em uma conjuntura marcada pela polarização política calcificada

Há exatamente uma semana, após três meses de atraso, a Lei Orçamentária Anual da União foi aprovada. E assim que o presidente retornar da missão ao Japão deverá ser sancionada. O valor global é R$ 5,9 trilhões, mas vale a pena analisarmos alguns grandes números para podermos identificar uma série de elementos que merecem a nossa atenção como cidadãos. 

A começar pelo financiamento da dívida pública que consome quase um terço do total, o equivalente a R$ 1,7 trilhão. E se ao longo do ano o Banco Central, para conter a inflação, for obrigado a continuar elevando as taxas de juros, esse valor vai aumentar ainda mais. No Legislativo, quase R$ 8,6 bilhões estão reservados para a Câmara dos Deputados e R$ 6,3 bilhões, para o Senado Federal.

Gasto do governo cai um pouco - Vinicius Torres Freire

Folha de S. Paulo

Aumento no governo Lula 3 foi grande, mas há contenção nos últimos 12 meses

A despesa com o Bolsa Família caiu em um ano. Nos últimos 12 meses, baixou 5,1%, em termos reais —considerada a inflação. Passou de R$ 181 bilhões por ano para R$ 171,7 bilhões, até fevereiro, dado mais recente, divulgado nesta quinta pelo Tesouro Nacional.

A despesa total do governo federal também baixou, 3,7%. O efeito do aumento da despesa nominal (sem considerar a inflação) sobre o PIB diminuiu também.

Houve milagres despercebidos? Não. Houve tentativa de conter o exagero de 2023. Mas convém notar a diferença, até para pensar efeitos da política fiscal (gastos e impostos) sobre o crescimento e sobre os juros do Banco Central.

Julgamento cobra virtudes do STF - Marcos Augusto Gonçalves

Folha de S. Paulo

Num país e num mundo sacudidos pela ultradireita, Brasil pode avançar na consolidação da democracia

A história não chegou ao fim, pelo contrário, vai acontecendo em curso de aceleração, momento de grande relevância que nos captura em vertigens, angústias e incertezas. Tanto no caso particular do Brasil quanto no cenário internacional.

As conexões entre os dois planos são muitas, mas sobressai o contexto de crise da democracia liberal com os rearranjos provocados pela emergência do nacional-populismo autoritário de direita, pano de fundo contra o qual as ações acontecem em interação com uma miríade de fatores e complexidades.

O bastão passa de mão - Dora Kramer

Folha de S. Paulo

A direita emergente não tem por Bolsonaro a fidelidade que a esquerda tradicional dedica a Lula

Jair Bolsonaro chegando na terça-feira (25) empertigado ao Supremo Tribunal Federal para assistir ao início da definição de seu destino lembrava um pouco o Fernando Collor que, em 1992, deixava o Palácio do Planalto de nariz em pé rumo ao ostracismo.

Não é de uma hora para outra que se vai da luz à sombra. No caso do ex-presidente, contudo, começam a ser notados os sinais de que pode até não querer "passar o bastão" em vida física, mas na política o cajado já lhe foge às mãos.

Quanto mais se firma a evidência de uma condenação que lhe acrescente anos de inelegibilidade aos oito aplicados pela Justiça Eleitoral e à perda dos direitos políticos, maior é a desenvoltura dos seus ainda aliados no engajamento da substituição.

Bolsonaro entre quatro muros - Ruy Castro

Folha de S. Paulo

Para quem dizia 'jogar nas quatro linhas', as quatro paredes de uma cela o farão sentir-se em casa

Bolsonaro tanto repetiu que só jogava dentro das quatro linhas que finalmente o levaram a sério. Declarado réu, será investigado e, pela pilha de provas contra ele, será condenado e levado a cumprir pena num recinto limitado por quatro linhas —as quatro paredes de uma cela. Não será uma cela cercada por grades, condizentes com a ferocidade que alardeava nos comícios e motociatas promovidos com dinheiro público. Celas com grades, necessárias para evitar fugas, são para ladrões de galinha ou batedores de carteira. Os grandes criminosos, como ele, merecem regalias.

quinta-feira, 27 de março de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Fatos justificam que Bolsonaro seja considerado réu

O Globo

Apenas as reuniões em que ele tentou aliciar os chefes militares já bastariam para embasar acusações

Tendo usufruído amplo direito de defesa, Jair Bolsonaro é agora réu. Os cinco integrantes da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) foram unânimes em aceitar a denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) contra ele e os demais acusados de tramar um golpe de Estado. O caso é histórico. Nunca antes um ex-mandatário foi acusado formalmente de tentar acabar com o Estado Democrático de Direito. Há provas graves e contundentes. A solidez delas é suficiente para que Bolsonaro seja julgado. Se condenado, a pena máxima poderá chegar a 43 anos de prisão. Desde agora até o julgamento, é preciso sobretudo haver esforço para descontaminar o processo da influência política. O mais sensato é se ater às provas.

Basta rememorar a cronologia dos fatos apurados pela Polícia Federal (PF) para entender a gravidade dos crimes atribuídos ao ex-presidente e àqueles que a PGR incluiu no “núcleo crucial” do golpe — os oito declarados réus. A acusação de que houve tentativa de ruptura democrática está documentada e se apoia, sobretudo, na sequência de reuniões entre Bolsonaro e os então chefes militares em dezembro de 2022. O objetivo das reuniões, segundo a PGR, era convencer os comandantes de Exército, Marinha e Aeronáutica a participar da intentona.

Enfim, réu - Merval Pereira

O Globo

Não culpar Bolsonaro pela tentativa de golpe seria cegueira deliberada, só aceitável para seus seguidores mais fanáticos 

A patética tentativa do ex-presidente Jair Bolsonaro de eximir-se de culpa da tentativa de golpe de Estado de que foi acusado pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) mostra que, finalmente, começa a cair a ficha de que ele está mesmo inelegível e não poderá concorrer à Presidência em 2026. Seu vitimismo chega a ser ridículo. As alegações que brandiu como se estivesse de volta ao cercadinho do Alvorada foram meias verdades contadas por um político acuado pelos fatos. Nada do que falou à guisa de defesa mudou a percepção generalizada de que o golpe de Estado o teve como líder incontestável.

Chegou a insinuar que explicaria por que pensou em editar um ato excepcional como resposta à derrota para Lula nas eleições de 2022, mas não consumou a promessa, talvez por não ter argumentos que justificassem a medida extrema. Não havia razão para estados de exceção pelo simples fato de que seu adversário de esquerda vencera a eleição, a não ser a obsessão de denunciar fraudes na votação eletrônica jamais comprovadas.

Malu Gaspar – A arena agora é política

O Globo

Assim que foi aceita no Supremo a denúncia contra os oito primeiros acusados de participação na trama golpista que redundou no 8 de Janeiro, Jair Bolsonaro deu início à fase seguinte da batalha, com uma entrevista-pronunciamento de quase uma hora que lembrou as falas raivosas do final de seu governo —justamente o período em que ele mobilizava assessores e aliados para tentar achar alguma forma de não passar a faixa a Lula.

Todo o cardápio golpista foi exposto ali, das suspeitas sem fundamento sobre a confiabilidade das urnas eletrônicas ao argumento um tanto esdrúxulo de que “discutir hipóteses de dispositivos constitucionais não é crime”. Além de confirmar os depoimentos dos ex-comandantes do Exército e da Aeronáutica a respeito das tentativas de convencê-los a aderir a um golpe de Estado, Bolsonaro admitiu que queria decretar estado de sítio ou algo parecido no Brasil, logo depois de perder as eleições. Não o fez porque não teve apoio de quem tinha a força armada para mantê-lo no poder.

O réu, os réus e o golpe de Estado - Míriam Leitão

O Globo

O STF quebrou um paradigma no Brasil: o que sempre protegeu os golpistas. Agora Bolsonaro e seus generais são réus

“Nós sabemos o que foi viver com ruído debaixo de nossos pés”, disse a ministra Cármen Lúcia. Ela deu ontem o quarto voto pela aceitação da denúncia que tornou réu o ex-presidente Jair Bolsonaro e seu quartel general. Por “ruído debaixo dos pés”, ela se refere ao golpe sendo gestado. Para entender o que houve no Brasil é preciso ver o filme em ordem inversa, explicou. O 8 de janeiro só é compreensível se voltarmos a fita para ver como a democracia estava sendo desmontada em todos os atos descritos na peça da procuradoria-geral da República. Ao fim de três sessões na Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, por unanimidade, quebrou-se um paradigma no Brasil: o que sempre protegeu golpistas.

Dialética de Fux confronta positivismo de Moraes no julgamento de Bolsonaro - Luiz Carlos Azedo

Correio Braziliense

O ministro do Supremo questionou a dosimetria das penas, a validade da delação premiada de Mauro Cid e o enquadramento a priori de todos os réus nos mesmos crimes

Ao votar na 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), nesta quarta-feira, a favor do relatório do ministro Alexandre de Moraes, que acolheu a denúncia contra o ex-presidente Jair Bolsonaro e mais sete acusados de tentativa de golpe de Estado em 8 de janeiro de 2023, o ministro Luiz Fux fez um novo contraponto ao entendimento da maioria dos colegas e, enigmático, anunciou que fará uma interpretação “dialética” do processo contra os oito réus, entre os quais o ex-presidente e quatro oficiais generais.

Fux também votou a favor da transformação dos acusados do 8 de janeiro de 2023 em réus. São eles Alexandre Ramagem, deputado federal e ex-diretor da Abin; Almir Garnier, ex-comandante da Marinha; Anderson Torres, ex-ministro da Justiça; e os generais de Exército Augusto Heleno, ex-ministro do GSI; Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da defesa; e Braga Netto, ex-ministro da Casa Civil de Bolsonaro, além de Bolsonaro e do tenente-coronel e ex-ajudante de ordens da Presidência do Mauro Cid, que fez delação premiada.

Banco dos réus desnorteia Bolsonaro - Maria Cristina Fernandes

Valor Econômico

Estreitam-se as alternativas para o ex-presidente não mofar na cadeia

O acolhimento da denúncia contra o ex-presidente era tão previsível que a reação desnorteada de Jair Bolsonaro sugere o estreitamento das saídas de que dispõe para não mofar na cadeia.

Depois de sua defesa militar na ausência de vínculos entre Bolsonaro e a tentativa de golpe, o ex-presidente confirmou reunião com os comandantes militares para discutir a minuta golpista, apresentada pelo ministro Alexandre de Moraes nesta quarta como indício de materialidade da denúncia.

Dos EUA, o blogueiro Paulo Figueiredo, foragido da Justiça brasileira e elo dos bolsonaristas com a extrema-direita americana, lamentou o “comportamento errático” do ex-presidente: “[Bolsonaro] cag... tudo (...) É um ótimo homem, mas um péssimo estrategista. Não é à toa que estamos nessa m... de dar gosto”.

O julgamento ainda vai tomar seis meses, mas uma condenação deixaria três saídas para Bolsonaro: a eleição de um aliado que o indulte, a eleição de uma bancada de senadores que alcance o quórum de 2/3 para o impeachment de ministros do STF e uma pressão americana redobrada contra a Corte.

Incerteza global e custos mais caros da dívida - Assis Moreira

Valor Econômico

Custos de refinanciamento da dívida dos governos e das empresas estão aumentando

As tensões geopolíticas e as enormes incertezas provocadas por Donald Trump de volta à Casa Branca impactam também nas perspectivas já difíceis dos mercados mundiais de títulos da dívida, soberana ou corporativa. Os níveis de endividamento dos governos e das empresas aumentaram - assim como o custo da dívida está ficando mais salgado. E isso quando as grandes tendências macroeconômicas exigem um volume de investimento sem precedentes, que em grosso será financiado por endividamento.