Política e cultura, segundo uma opção democrática, constitucionalista, reformista, plural.
sábado, 8 de março de 2025
Opinião do dia - Friedrich Engels (nossa herança democrática )
O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões
Alta do PIB está alicerçada em bases movediças
O Globo
Comemoração não deve esconder a realidade:
resultado deriva da política insustentável de gasto público
Depois de crescer 3,2% em 2023, a economia brasileira cresceu ainda mais no ano passado — 3,4%, segundo o dado oficial do IBGE. Trata-se de resultado fora do padrão. O desempenho do Produto Interno Bruto (PIB) nos dois anos iniciais do atual governo de Luiz Inácio Lula da Silva foi superior aos obtidos por Dilma Rousseff e Jair Bolsonaro no mesmo período. A média é igual ou próxima às registradas na metade dos primeiros mandatos de Fernando Henrique Cardoso e do próprio Lula. Nos últimos 30 anos, apenas o início do segundo mandato de Lula apresentou números bem superiores. Poucos previam resultado tão positivo. O desemprego está em nível baixo, 6,5%, a informalidade em queda e o rendimento salarial em alta.
País enfim bate o recorde de 'riqueza' de 2013 - Vinicius Torres Freire
Folha de S. Paulo
PIB per capita de 2024 foi o maior; economia
desacelera mais que o previsto e investe muito pouco
Em 2013, a renda (PIB) por pessoa no
Brasil havia chegado ao nível mais alto da história. Em certa medida e na
média, portanto, os brasileiros jamais haviam sido tão "ricos".
Então, rolamos ladeira abaixo.
Apenas no ano passado, em 2024, o PIB per
capita superou aquele recorde, como pudemos confirmar nesta sexta-feira
(7), com
os dados do crescimento da economia divulgados pelo IBGE.
Foi uma temporada no inferno da Grande
Recessão (2014-2016), da quase estagnação de 2017-2019 e do desastre da
epidemia (2020-2021). Foi uma depressão causada por tolice econômica e
selvageria política em anos de azares para os quais não nos protegemos (secas
terríveis, economia mundial em crises, queda do preço dos produtos que o país
mais exporta).
O ano foi bom, sim. O crescimento do PIB e do PIB per capita foi o maior desde 2011 (a alta do PIB de 2021, de 4,8%, não conta, pois em grande parte foi recuperação do tombo de 3,3% do 2020 da epidemia). E daí?
O país das ressalvas – Alvaro Costa e Silva
Folha de S. Paulo
Estão engatilhadas duas PECS que aumentam a
impunidade de parlamentares
Igual ao governo Lula, a avaliação
negativa do Congresso bate recordes. Ao contrário do presidente, que se
desespera de olho em 2026 e corre o risco de meter ainda mais os pés pelas
mãos, senadores e deputados não estão nem aí. Findo o Carnaval, é hora de
retomar a folia.
A homologação do acordo entre os três Poderes em relação às emendas parlamentares diminuiu a crise aguda de abstinência iniciada em agosto, quando o ministro Flávio Dino, do STF, determinou a suspensão de pagamentos. O dinheiro grosso —mais de R$ 148,9 bilhões nos últimos cinco anos— vai voltar a jorrar, mas com a exigência de ressalvas.
Tribunais dizem que Trump não é rei - Oscar Vilhena Vieira
Folha de S. Paulo
Mas preocupa a omissão do Legislativo,
dominado por um Partido Republicano capturado por Elon Musk
Na política ninguém renuncia ao poder
voluntariamente. Essa premissa levou os arquitetos do constitucionalismo
moderno a engendrarem sistemas de freios e contrapesos, de forma que o
exercício do poder sempre encontre resistência no exercício de outro Poder.
Como os demais populistas de sua cepa, Donald Trump dá sinais claros do seu desconforto com os limites ao exercício do poder estabelecidos pela Constituição. O uso abusivo e sistemático de ordens executivas, driblando a deliberação parlamentar, a postura intimidatória em relação aos servidores públicos e a ameaça de descumprimento de decisões judiciais são expressões de uma disposição de alargar os limites inerentes ao exercício do poder numa democracia liberal.
A Doutrina Trump – Demétrio Magnoli
Folha de S. Paulo
Presidente dos EUA é um
oportunista de convicções políticas fluidas, mas mantém visão de mundo coerente
O Japão nos rouba,
economicamente, e a Europa aproveita-se de nós fazendo com que paguemos por sua
segurança. As duas mensagens apareceram no primeiro anúncio de TV publicado
pelo então incorporador imobiliário Donald Trump, nos idos de 1987. A figura que
hoje ocupa o Salão Oval é um oportunista de convicções políticas fluidas, mas
mantém uma visão de mundo coerente. Dela emana aquilo que deve ser descrito
como Doutrina Trump.
A "cidade brilhante no alto da colina" –a expressão, oriunda do sermão laico pronunciado em 1630 por John Winthrop, o puritano fundador de Boston, a bordo do navio Arbella, ressurgiu vezes incontáveis em discursos de presidentes republicanos ou democratas. Historicamente, para o bem ou o mal, os EUA exibiram-se a si mesmos e aos estrangeiros como um farol de reforma do mundo. Trump substitui a visão luminosa da cidade profética pela visão sombria de uma fortaleza em declínio, traída e explorada por pérfidos aliados.
Duas tolices sem tamanho - Bolívar Lamounier
O Estado de S. Paulo
Grande parte dos conflitos e rancores que se formam na sociedade é ortogonal, ou seja, perpendicular ao eixo esquerda x direita
Quem acompanha o dia a dia de Brasília não
precisa de uma lupa para perceber que não estamos voando num céu de brigadeiro.
Sabemos que a economia vai mal, com previsão de que o Produto Interno Bruto (PIB) de 2025 crescerá pouca coisa acima de 2%. Em relação à eleição presidencial de 2026, ainda não estamos cem por cento livres das candidaturas de Lula e Bolsonaro, embora a maioria saiba que a reedição dessa tragicomédia é o caminho mais curto para uma tragédia. E o cenário internacional se desarranja a olhos vistos, em razão do oceano de asnices que desabou sobre a outrora exemplar democracia dos Estados Unidos.
Quando o atravessador é o governo – Carlos Alberto Sardenberg
O Globo
A inflação não é só de alimentos. Está
espalhada. Quando a cada mês aparece um “culpado”, é sinal de que o problema é
geral
Não é a primeira vez que Lula acusa
atravessadores pelo aumento de preços. Ontem o presidente levantou essa
suspeita no caso dos ovos. Antes, havia acusado distribuidores pelo preço dos
combustíveis. A tática é manjada. Trata-se de tirar a responsabilidade do
governo, encontrar um culpado externo e prometer “ir atrás” dele. Disse ontem
que poderia tomar “medidas drásticas”.
Não explicou o que seriam, mas o cardápio é conhecido na história de governos populistas. Uma variável, muito praticada nas gestões peronistas na Argentina, é cobrar imposto sobre os exportadores para encarecer o produto no exterior, de modo que os produtores tenham de vender no mercado interno. Nunca funcionou. O exportador, diante do preço não compensatório, simplesmente deixa de produzir ou produz o mínimo para manter a fazenda funcionando. Fica o pior dos mundos. Negócio ruim para os produtores, perda de divisas para o país, escassez e preço alto para o consumidor.
Trump está em guerra com a universidade – Pablo Ortellado
O Globo
Em vez de fortalecer o pluralismo e o livre
debate, o governo tem promovido repressão seletiva que ameaça a autonomia
universitária e o próprio ideal de educação superior como espaço de pensamento
crítico
O governo Trump declarou guerra às
universidades. Essa é a opinião de 94% dos reitores de cem instituições de
ensino superior que se reuniram em Yale. Trump tem adotado, também na educação
superior, a estratégia de “choque e pavor”, impondo decisões de forma rápida e
avassaladora. A abordagem parte do diagnóstico de que as universidades foram
tomadas pelo esquerdismo woke, precisam ser derrotadas e energicamente
submetidas a novas diretrizes, mais ou menos como Viktor Orbán fez na Hungria.
Uma das primeiras ações de Trump foi congelar o financiamento federal à pesquisa. Além disso, cortou parte do financiamento dos Institutos Nacionais de Saúde, órgão responsável pelo financiamento da pesquisa em biomedicina. A medida retirou US$ 4 bilhões de apoio às instituições nos orçamentos dos projetos de pesquisa.
As melhores intenções – Eduardo Affonso
O Globo
'Ainda estou aqui' é bom por causa do
roteiro, da fotografia, da direção, das interpretações — não pelas boas
intenções
‘Ainda estou aqui’ mereceu todos os prêmios que amealhou mundo afora — o Oscar foi só o mais vistoso. E os mereceu não por contar uma história edificante de “resiliência”, “resistência”, “superação”. Nem por ter como protagonista essa nova Antígona, que luta pelo direito de saber a verdade sobre o desaparecimento do marido, poder enterrar seu corpo, conseguir uma certidão de óbito. Ou — usando uma das muitas metáforas do filme — para fazer pelo companheiro e pai de seus filhos o que fez pelo cachorro atropelado na frente de casa. É uma história forte e cheia de simbolismo, filmada enquanto o país ainda se recupera de um quase desastre institucional. Os prêmios reconheceram que havia ali um bom filme. É isso o que importa. Ou deveria importar.
Falhas e tensões mal processadas - Marco Aurélio Nogueira
Revista Será?
Não há nada pior para um governo no meio do
mandato do que uma abrupta e consistente queda de popularidade.
Diz a tradição (que remonta a Maquiavel) que
governos devem fazer o “mal”, o mais difícil e impopular, logo em seu início,
para então poder distribuir benesses ao povo na parte final. Maquiavel falava
numa época em que os mandatos não estavam predeterminados e não havia eleições.
Hoje, os governantes não têm mais como seguir o conselho maquiaveliano. A vida
ficou rápida e imprevisível demais, os problemas se acumulam e não há como
programar no calendário as intervenções governamentais. Os governos estão forçados
a seguir as imposições do real. Se forem capacitados, desenham um plano bem
articulado e procuram cumpri-lo, o que não é fácil.
Além disso, em regimes de competição eleitoral permanente, os governos são arrastados por cálculos voltados para as próximas eleições, especialmente quando podem se recandidatar. Condicionam o desempenho governamental aos movimentos eleitorais, o que torna mais difícil fazer “entregas” substantivas à população. Há muita retórica, muitas promessas e pouquíssimo tempo para que frutifiquem. Com isso, o governo se desgasta, se debate com as mãos vazias.
Não há soluções simples para problemas complexos - Marcus Pestana
Fui secretário de saúde de MG (2003/2010), presidente do CONASS (2005/2006) e titular da Comissão de Seguridade Social e Saúde da Câmara dos Deputados (2011/2018), quando conheci o SUS por dentro, sua complexidade, seus desafios e limitações.
Moral e política do petróleo - Cristovam Buarque
O dilema de Lula: olhar para a humanidade ou defender o eleitor?
O presidente Lula tem a chance de levar para a COP30, em Belém, metas ambiciosas para uma economia mundial sem combustíveis fósseis e a inclusão de compromisso com a educação para mudar a base da crise ambiental, em frágil equilíbrio pressionado pela voracidade por consumo e ganância por lucro. O problema: terá de optar entre a moral para cuidar da humanidade e a política para atender aos eleitores locais. A exploração de petróleo provoca desequilíbrios ecológicos, mas a população quer produção de petróleo na “Amazônia Azul”. Apesar da nomeação de André Corrêa do Lago e de Marina Silva, Lula perderá força moral se optar pela política e autorizar a Petrobras a fazer as pesquisas para aumentar, em vez de reduzir, a produção de petróleo. O eleitor não vota por barrar o aumento do nível do mar daqui a vinte anos, quer mais petróleo que permita reduzir o preço da gasolina.
Dolores Ibárruri (La Pasionaria) - Dia Internacional da Mulher
sexta-feira, 7 de março de 2025
O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões
Alcolumbre eleva preço do Congresso para contribuinte
O Globo
Benesses concedidas por presidente do Senado
aumentam custo de um dos legislativos mais caros do mundo
Na sexta-feira anterior ao carnaval, o
presidente do Senado, Davi
Alcolumbre (União-AP), apresentou um pacote repleto de benefícios para
os funcionários da Casa. Os cargos mais graduados do Senado passaram a ter
direito a um dia de folga para cada três trabalhados, até o limite de dez dias
por mês. O vale-refeição dos servidores foi reajustado em 22,2%, para R$
1.784,42. Também foi aumentado o número de servidores com direito a 100% de um
bônus de gratificação. Para completar, Alcolumbre aumentou a cota parlamentar à
disposição dos gabinetes dos senadores.
Logo surgiram pressões para que o presidente
da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), equiparasse os benefícios de lá aos
pagos no edifício vizinho. O Sindicato dos Servidores do Poder Legislativo
(Sindilegis) trabalha para obter as mesmas benesses, a começar pelo aumento do
vale-refeição, hoje de R$ 1.393,11 por mês (a equiparação equivaleria a um
reajuste de 28%).
O dia de folga é um tipo de privilégio comum no Judiciário. Na prática, folgar um dia a cada três equivale a receber um aumento salarial de 33%, pois o valor acaba incorporado como “indenização” em dinheiro para quem não usufrui o descanso. No Senado, o benefício foi concedido a servidores em “função relevante singular”, “em virtude dos ônus e responsabilidades”. A classificação é arbitrária. Na prática, levaram o aumento os funcionários alocados na diretoria-geral, na secretaria geral da Mesa, na advocacia, no gabinete da presidência, na auditoria, nas consultorias legislativa e orçamentária e na secretaria de comunicação.
Trump enfim acorda a Europa? - Vinicius Torres Freire
Folha de S. Paulo
Com PIB estagnado e sob ameaça de Putin, novo
governo alemão pensa em guinada econômica e militar
A inflação nos Estados
Unidos vai aumentar por causa dos aumentos
de impostos de importação de Donald Trump?
A economia americana vai crescer menos por causa da balbúrdia de Trump?
São
perguntas importantes. Mas são questões ainda quase apenas americanas,
que dominam o noticiário e o debate mais corriqueiro, se por mais não fosse
porque vemos o mundo com olhos e ouvidos americanos.
O que já se passa em países como, por
exemplo, a Alemanha,
a terceira maior economia do mundo?
Os alemães estão prestes a dar uma guinada na política econômica, a maior em mais de 30 anos, e de defesa, talvez a maior desde a Segunda Guerra. O novo comando do país pretende endividar o governo a fim de estimular a economia, refazer a infraestrutura e aparelhar suas forças armadas.
Trump destruirá o capitalismo? - Hélio Schwartsman
Folha de S. Paulo
Presidente americano desfere golpes contra
dois princípios fundamentais da economia de mercado
Minha geração cresceu aprendendo a
identificar os norte-americanos, aos quais nos referíamos como
"ianques", a agentes do "capitalismo". Não é, portanto, sem
assombro que vemos agora Donald Trump,
o líder ianque, desferindo facadas em dois dos mais fundamentais princípios do
"capitalismo", que são a especialização do trabalho e a utilização de
vantagens comparativas.
Ao impor tarifas a produtos estrangeiros, Trump desliga mecanismos que vêm historicamente permitindo a consumidores obter produtos cada vez melhores e mais baratos. Isso ocorre não só porque a tecnologia avança mas também porque as coisas são fabricadas de forma mais eficiente por quem consegue fazer mais gastando menos. Se os EUA "exportaram" alguns bons empregos para países com vantagens como salários menores, o troco veio pelo barateamento de vários itens, de comida e eletrodomésticos a peças de vestuário.
A velha opinião formada sobre tudo – Dora Kramer
Folha de S. Paulo
Hoje resistente a mudanças, Lula soube se
reinventar para ganhar sua primeira eleição em 2002
É corrente a constatação de que o cidadão
Luiz Inácio da Silva é um ser analógico que não se adaptou aos novos tempos e,
por isso, o presidente amarga uma impopularidade com
a qual não estava acostumado.
Também evidente é a dificuldade dele em lidar
com a situação e sua resistência a mudanças. Nem sempre foi assim. O
político Lula (PT) anos atrás
invocou Raul
Seixas para se autodenominar uma "metamorfose
ambulante".
Na época, 2007, usou a expressão para explicar uma tentativa (fracassada) de ressuscitar a CPMF, o malfadado imposto do cheque. Antes disso, porém, já havia demonstrado que sabia se transformar se necessário.
A guinada de Lula - Eliane Cantanhêde
O Estado de S. Paulo
Com a confirmação de que São Sidônio não faz
milagre, o governo arregaçou as mangas para dar boas notícias e recuperar a
popularidade do presidente Lula. Exemplo: medidas para conter os preços
abusivos dos alimentos, decreto para evitar 6% de aumento nas contas de luz,
liberação do FGTS de quem tinha optado pelo saque-aniversário e a ampliação do
empréstimo consignado para o setor privado, enquanto dá prioridade à aprovação
da isenção do IR até R$ 5.000 no Congresso.
Sendo ou não realmente necessárias, são medidas populistas, ou populares, e coincidem com um recuo de Fernando Haddad no palco, a entrada em cena de Gleisi Hoffmann, Lula se preservando e o vice e ministro Geraldo Alckmin assumindo a liderança nos dois principais temas do momento: além da inflação dos alimentos, as negociações com os EUA sobre a taxação de aço e alumínio.
A ‘guinada à esquerda’ de Lula veio para ficar? - Vera Magalhães
O Globo
Ameaças de debandada do Centrão por conta de
reforma cheiram mais a tentativa dos partidos de explorar momento de baixa
popularidade do presidente
Existe em Brasília certa perplexidade com as
primeiras escolhas de Lula na ainda inacabada reforma ministerial. Desde que
foi confirmada a nomeação de Gleisi Hoffmann para a articulação política do
governo, a avaliação corrente é que o presidente optou por uma guinada à
esquerda e que essa será a escolha do figurino para enfrentar as urnas em 2026
— com o próprio Lula como candidato ou com outro designado por ele.
Sim, porque a decisão de tornar o Palácio do Planalto ainda mais petista é, para muitos caciques de partidos que de alguma maneira integram hoje a base aliada, sinal de que Lula cogita pela primeira vez a possibilidade de não se candidatar a um novo mandato, encerrando sua carreira política com uma “volta às raízes”.
Craque do diálogo, Lula quase não conversa mais - Andrea Jubé
Valor Econômico
“Só faltou uma conversa”. A frase foi
projetada num cartaz na Praça do Povo, no município de Canudos, na Bahia, na
primeira semana de dezembro de 2002, durante um evento que celebrou os 100 anos
da publicação de “Os Sertões”, de Euclides da Cunha. O episódio é citado pelo
professor da Universidade de São Paulo (USP) Willi Bolle na obra
“grandesertão.br”. A afirmação é atribuída ao morador João de Régis, falecido
naquele ano, aos 95 anos. Ao longo da vida, ele ouviu relatos sobre a Guerra de
Canudos, ocorrida entre novembro de 1896 e outubro de 1897: o conflito entre
seguidores de Antonio Conselheiro e o exército da nova República, que resultou
num saldo de mais de 20 mil mortos.
“Foi a falta de diálogo entre os representantes da então recente República brasileira e os rebeldes de Canudos que acabou levando àquela guerra fratricida”, analisou Bolle. “É a ausência de um verdadeiro diálogo entre os donos do poder e o povo que caracteriza também a nossa época”, acrescentou na mesma obra.
Décadas em semanas? - Armando Castelar Pinheiro
Valor Econômico
Primeiras semanas do segundo mandato de Donald Trump aceleraram bastante o processo de se criar uma nova ordem econômica global
Li em um relatório esta semana a citação a
uma frase de Vladimir Lênin que não via há tempos: “Há décadas em que nada
acontece e há semanas em que décadas acontecem”. O foco, claro, são as últimas
sete semanas, as primeiras do segundo mandato de Donald Trump, quando se
acelerou bastante o processo de se criar uma nova ordem econômica global. Muita
coisa importante aconteceu em muito pouco tempo.
Chamam a atenção a dimensão e a abrangência das mudanças sendo implementadas pela nova administração americana. A forte alta das tarifas de importação, até aqui focada nas mercadorias oriundas de Canadá, China e México, é o destaque, revertendo uma longa tradição dos Estados Unidos de manter uma economia relativamente aberta.
A importância de ainda estar aqui - José de Souza Martins -
Valor Econômico
O acolhimento internacional ao filme de
Walter Salles indica uma ação de difusão de consciência crítica contra a
consciência bufa e a governação rastaquera
O Oscar de melhor filme internacional para
“Ainda Estou Aqui”, de Walter Salles, não é apenas o reconhecimento do
excepcional talento e da competência do diretor e dos atores do filme e de
todos que a ele, em diferentes campos, se dedicaram. A premiação se situa num
conjunto de reconhecimentos pela concessão de vários outros prêmios de cinema,
que ressaltam a enorme relevância da obra e o excepcional talento de Fernanda
Torres no papel principal.
“Ainda Estou Aqui” tem dimensões ocultas que tocam em outras cordas da sensibilidade cultural das populações esclarecidas no mundo. A reação altamente positiva ao filme tem outras motivações além do apreço pela obra-prima da cinematografia brasileira. Inspirado num livro biográfico do filho da heroína do filme, Eunice Paiva, é desdobramento de uma narrativa testemunhal que pedia o complemento de uma modalidade de expressão que alargasse o alcance do texto original. São obras de criatividades diferentes que se completam, o livro de Marcelo Rubens Paiva e o filme de Walter Salles.
A polêmica tem nome – Flávia Oliveira
O Globo
O carnaval chegou
ao fim, tiremos a fantasia. Existe um nome para a polêmica sobre os desfiles
das escolas de samba do Grupo Especial. Sete letras. Começa com “R”, termina
com “ismo”, o sufixo que denota doutrinas, sistemas, ideologias e
doenças. Racismo.
A discriminação racial no Brasil se dá de muitas formas, várias camadas, como
se diz hoje em dia. Uma delas é disfarçar o incômodo com o protagonismo preto,
negro, afro-brasileiro, periférico, favelado com discursos relacionados à
monotonia, chatice, irrelevância, falta de liberdade, cerceamento à liberdade
de expressão e até incompreensão. Balela. O nome é racismo.
Começou com a entrevista do carnavalesco da Unidos de Vila Isabel, escola de samba da maior qualidade, vinculada pelo nome ao filho mais ilustre, mestre Martinho. O presidente de honra da Vila é um artista negro com imensa contribuição para a valorização da cultura e da identidade afros, bem como para a integração do Brasil com países do Atlântico Negro, Angola em particular. Paulo Barros, quatro troféus por desfiles no Grupo Especial do Rio de Janeiro, disse à Folha de S.Paulo: “A maioria dos enredos deste ano são afros, tudo que já foi visto e revisto, e posso te garantir que 90% de quem está assistindo ao desfile não vai entender nada”.
Eunice por Eunice - Bernardo Mello Franco
O Globo
Em documentário restaurado, Eunice Paiva fala
de prisão e assassinato do marido na ditadura: 'Verdadeiro absurdo'
Homenageada pelo primeiro filme brasileiro a
ganhar o Oscar, Eunice Paiva deve ressurgir em breve nos cinemas. Desta vez,
sem o auxílio luxuoso da atriz Fernanda Torres.
Em 1978, a viúva de Rubens Paiva contou sua
história ao documentarista Joatan Vilela Berbel. O depoimento está em “Eunice,
Clarice, Thereza”, que acaba de ganhar versão digital em alta definição.
O filme dá voz às mulheres de três vítimas da
ditadura: Eunice, viúva do engenheiro e ex-deputado Rubens Paiva; Clarice,
viúva do jornalista Vladimir Herzog; e Thereza de Lourdes, viúva do operário
Manoel Fiel Filho.
Eunice é a primeira a falar no curta-metragem. Descreve a rotina da família como “uma alegria total” até 20 de janeiro de 1971, quando militares bateram à porta para prender seu marido. “A empregada entra, muito assustada: ‘Doutor, tem uns homens na porta querendo falar com o senhor’. (...) Entraram seis homens com metralhadoras”, recorda.
Não haveria transição pacífica à democracia no Brasil sem anistia - Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense
As Forças Armadas nunca admitiram a
existência de um sistema de tortura e desaparecimento, porém se comprometeram
com o respeito à ordem democrática da Constituição de 1988
A conquista do Oscar de Melhor Filme
Internacional por Ainda estou aqui, dirigido por Walter Salles Junior, tendo
como protagonista Fernanda Torres no papel de Eunice, viúva do ex-deputado
Rubens Paiva, assassinado nas dependências de um quartel do Exército no Rio de
Janeiro, em 1971, suscitou um novo debate sobre a “anistia recíproca” concedida
pelo presidente João Figueiredo em 1979.
Ao mesmo tempo em que eleva a autoestima nacional e a cultura brasileira, o filme também realimenta a tese de que os crimes cometidos em relação aos “desaparecidos” devem ser revistos e seus responsáveis, punidos. Na anistia de 1979, os presos políticos e exilados foram beneficiados pelo perdão, assim como os agentes dos órgãos de segurança responsáveis por sequestros, torturas e assassinatos.
A farra fiscal solapa a democracia - José Pastore *
Correio Braziliense
No passado, as democracias eram derrubadas
por grupos armados. Hoje, elas são minadas por dentro pela força das
desigualdades
O Brasil é uma das sociedades mais desiguais. São várias causas. Uma está ligada às próprias leis, muitas das quais criam desigualdades insuperáveis. É o caso, por exemplo, do enorme diferencial de aposentadoria entre servidores públicos e trabalhadores do setor privado. Outra decorre das leis que sancionam os supersalários e penduricalhos de agentes públicos. São leis extrativistas que atendem o interesse de privilegiados, extraindo os recursos dos mais pobres. Há ainda o exemplo da régua única do seguro-desemprego, que atende com o mesmo valor um desempregado solteiro e um chefe de família com cinco filhos.
Emendas remendadas - José Sarney
Correio Braziliense
É inacreditável o que ocorre agora no
Congresso Nacional: predominantemente, só se fala em dinheiro, dinheiro das
emendas
Quando fui presidente havia três orçamentos:
o orçamento fiscal, o das estatais e o do Banco Central. Na verdade, dos três
orçamentos, não tínhamos nenhum, pois cada um apresentava um quantitativo
diferenciado, como ocorre hoje quando o ministro Flávio Dino procura o nome do
parlamentar autor de emendas ao orçamento, o seu valor e destino e seus
objetivos. Naquele tempo, tínhamos uma leitura mais simplificada e não sabíamos
qual dos três orçamentos era o verdadeiro. Beaucoup de lois, pas de lois, dizia
Montesquieu.
A ideia da existência do parlamento foi consolidada na Inglaterra quando, no século 12, alguns endinheirados desejaram participar das regras de tributação nos tempos do Rei João, o João Sem Terra, que proclamou os direitos civis na Grã-Bretanha, que não possui uma Constituição escrita, seguindo as regras consuetudinárias que permanecem válidas até hoje — e ninguém as contesta.
Para combater inflação, governo zera tarifa de importação de alimentos como carne e açúcar
Por Fabio Murakawa, Rafael Walendorff, Anaïs Fernandes e Marta Watanabe / Valor Econômico
Pacote do Executivo também inclui iniciativas regulatórias e incentivos para a produção de itens da cesta básica no próximo Plano Safra
O governo anunciou ontem uma série de medidas
para tentar combater a inflação de alimentos, com destaque para a redução a
zero do Imposto de Importação sobre produtos como café, açúcar e carnes. O
pacote inclui iniciativas regulatórias e incentivos para a produção de itens da
cesta básica no próximo Plano Safra, num momento em que a alta de preços da
comida afeta a popularidade do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Além
disso, o Executivo vai pedir aos governos estaduais para que o ICMS seja
eliminado na comercialização de produtos da alimentação básica.
O anúncio foi feito pelo vice-presidente, Geraldo Alckmin, após uma tarde de reuniões com ministros e representantes do setor privado no Palácio do Planalto. O governo ainda não tem cálculo do impacto na arrecadação tributária. Alckmin afirmou que serão zeradas as alíquotas de importação de carne (atualmente em 10,8%), café (9%), açúcar (14%), milho (7,2%), óleo de girassol (9%), azeite de oliva (9%), sardinha (32%), biscoitos (16,2%) e massas alimentícias (14,4%). No caso do milho, Alckmin disse que a isenção terá “grandes reflexos nos custos dos ovos e proteínas animais, as carnes”. Ele também anunciou a ampliação da cota para importação isenta de óleo de palma, de 65 mil para 150 mil toneladas. O ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, disse que vai conceder a equivalência do Sistema Brasileiro de Inspeção de Produtos de Origem Animal (Sisbi) aos produtores de leite, ovos e mel fiscalizados pelo Sistema de Inspeção Municipal (SIM) por um ano. Com isso, esses produtos poderão ser comercializados em todo o país e não apenas na cidade em que são produzidos.
quinta-feira, 6 de março de 2025
O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões
Trump faz renascer riscos que todos julgavam superados
O Globo
No mundo da fantasia de seu discurso, ele
assume papel de salvador. Na realidade, é a maior fonte de tensão
No primeiro pronunciamento ao Congresso desde
a posse em janeiro, Donald Trump demonstrou
estar disposto a cumprir suas piores ameaças de campanha. Em discurso de cem
minutos, pintou um mundo de fantasia em que se apresenta como salvador de um
país em apuros. Na realidade, seu governo se tornou a maior fonte de incerteza
e tensão do planeta. Trump fez renascer riscos que todos acreditavam superados.
Não bastasse o alinhamento à Rússia (em detrimento da Ucrânia) que já lançou os
países europeus numa nova era de rearmamento, não bastasse o caos imposto ao
setor público com cortes inconsequentes ou ilegais, ele deflagrou uma guerra
comercial cujos desdobramentos serão nocivos para a economia global e para seu
próprio país.
Em fevereiro, anunciou tarifas sobre aço e alumínio. Nesta semana, os produtos importados de Canadá e México começaram a pagar 25% de alíquota na alfândega. A taxa sobre produtos chineses subiu 20 pontos percentuais. Em resposta, China e Canadá retaliaram. Depois do naufrágio do mercado acionário, autoridades americanas afirmaram ser viável um acordo para reduzir as tarifas (as montadoras obtiveram um adiamento). Trump, contudo, se mostra irredutível — e citou o Brasil entre os alvos. Na primeira semana de abril serão impostas barreiras a produtos agrícolas. É dado como certo que o etanol brasileiro estará na lista.
Lula começa reforma pela ‘cozinha’ e dá prioridade à isenção do IR
Por Valor Econômico
Petista deve fazer mais mexidas na Esplanada
e prepara envio de projetos ao Congresso
Passado o Carnaval, o presidente Luiz Inácio
Lula da Silva deve concluir nas próximas semanas a reforma ministerial. As
trocas começaram na cozinha do Palácio do Planalto, com Sidônio Palmeira na
Secom (Secretaria Especial de Comunicação Social) e Gleisi Hoffmann na
Secretaria de Relações Institucionais (SRI) no lugar de Alexandre Padilha, que
vai para a Saúde. Nas últimas horas, aumentaram os rumores da nomeação de
Guilherme Boulos (Psol-SP) para substituir de Márcio Macêdo, na
Secretaria-Geral, outro ministério palaciano.
Em meio à lentidão de Lula para fazer as mexidas, há apenas uma certeza entre os auxiliares do presidente: o PSD da Câmara deve ganhar um ministério. A sigla já sinalizou ao presidente que não se interessa por Ciência e Tecnologia, atualmente com Luciana Santos (PCdoB). O partido de Gilberto Kassab pode ser contemplado com o Turismo, hoje ocupado por Celso Sabino (União Brasil). A legenda de Sabino e do presidente do Senado, Davi Alcolumbre, pode ir para Ciência e Tecnologia.
Hollywood, o altar que nos define - Eugênio Bucci
O Estado de S. Paulo
Um longa-metragem veio nos devolver um sentimento de nação, a lembrança dos direitos humanos e a sede de justiça
É claro que eu vi a cerimônia do Oscar. Noite
de domingo, carnaval longínquo e eu no sofá, de frente para a televisão. É
claro que me entediei com a torrente de breguices, mas nem foram tantas. É
claro que explodi em vibração futebolística quando Ainda Estou Aqui, de Walter
Salles, ganhou como melhor filme internacional. É claro que desliguei de raiva
quando não deram o prêmio de melhor atriz a Fernanda Torres. Achei aquilo uma
ignomínia, mesmo sem nunca ter visto o filme da outra lá, que foi chamada ao palco.
Nem sei o nome. É claro que liguei de novo a TV. Ainda peguei a moça
agradecendo. É claro que não gostei.
O que não é claro é o resto. Vale um artigo. Walter Salles não se engalanou com um smoking. Preferiu um terno preto sumário. Fina estampa sem cores. Na segunda-feira, seu sorriso tropical encimado pelos olhos apertados carimbou a capa dos jornais. Aplaudi outra vez. Ele merece as mais altas condecorações da República. É um herói da cultura.
Trump contra o mundo inteiro - Míriam Leitão
O Globo
Donald Trump atirou contra Canadá, México e China e colocou outros países na alça de mira, entre eles, o Brasil
A guerra
aberta de Donald Trump contra o comércio internacional fará ainda
muito estrago na economia americana e global. Na terça, os tambores rufaram de
lado a lado, com Canadá, México e China anunciando
retaliações ao aumento generalizado de tarifas disparado por Trump. No discurso
no Congresso, no fim do dia, ele disse que outros países também estão na alça
de mira, entre eles, o Brasil. Ontem, o
recuo em relação às montadoras foi um alívio. Temporário.
Canadá, México e China juntos representam US$ 1,4 trilhão das importações americanas. Os importadores terão que pagar mais pelos seus produtos e isso vai para o preço final, mesmo que possa ser em parte absorvido dentro da cadeia produtiva americana. O resultado é mais inflação e menos crescimento.
O Brasil e seu umbigo - William Waack
O Estado de S. Paulo
A ferocidade primitiva de Trump expõe vulnerabilidades brasileiras
Donald Trump ouviu as preces, vindas também
do Brasil, e está empenhado em destruir a pax americana (“pax”, nesse contexto,
significa “ordem”). Azar nosso, pois ironicamente o mundo que está indo embora
servia melhor a uma potência média e vulnerável como o Brasil se comparado à
situação que está se desenhando rapidamente.
O problema que se apresenta já não é mais manter a necessária equidistância entre China e Estados Unidos, sendo bastante conhecida nossa dependência de mercados na Ásia e de insumos vindos de países ocidentais. Uma das lições centrais deixadas por Trump no tratamento da questão da Ucrânia é a de que ele considera que as potências “menores” não têm opções – só as que ele determina.
A mentira como verdade – Ruy Castro
Folha de S. Paulo
Os que hoje gritam cinicamente por liberdade
de expressão querem usá-la justamente para suprimi-la
O principal canal de Donald Trump para disseminar mentiras chama-se Truth Social —Confederação da Verdade ou algo assim. É a rede social fundada por ele em 2021, destinada a disparar textos, posts e arquivos para os lorpas americanos. Mas, se a extrema direita acha que essa tática de fazer da mentira a verdade é de sua invenção, engana-se. Foi usada com grande sucesso pela União Soviética de 1917 a 1991, através de seu jornal oficial, Pravda, editado pelo Partido Comunista com a função de encobrir os crimes do Estado. Pravda, em português, quer dizer verdade.
A revolução do ‘senso comum’ de Trump - Vinicius Torres Freire
Folha de S. Paulo
Elite do mundo trata de guerra comercial;
americano elogia sua 'revolução do bom senso'
A "opinião pública" convencional
passou a terça-feira (4) a discutir
"tarifas" e escaramuças da guerra
comercial. No fim do dia, Donald Trump foi
ao Congresso falar de sua "revolução do bom senso".
Tratou de "tarifas" também, palavra que apareceu depois de
transcorrido um terço de um discurso
de 100 minutos.
Antes e por quase o tempo todo, Trump falou
de preocupações compreensíveis e comuns e dos objetivos de um governo
que começa como o "melhor da história" (o segundo é o de
George Washington).
Começou por enumerar feitos e, assim, a listar inimigos do povo: imigrantes, tecnocracia, "wokes", verdes, instituições multilaterais, países que barram produtos americanos.