O Globo
Ameaças de debandada do Centrão por conta de
reforma cheiram mais a tentativa dos partidos de explorar momento de baixa
popularidade do presidente
Existe em Brasília certa perplexidade com as
primeiras escolhas de Lula na ainda inacabada reforma ministerial. Desde que
foi confirmada a nomeação de Gleisi Hoffmann para a articulação política do
governo, a avaliação corrente é que o presidente optou por uma guinada à
esquerda e que essa será a escolha do figurino para enfrentar as urnas em 2026
— com o próprio Lula como candidato ou com outro designado por ele.
Sim, porque a decisão de tornar o Palácio do Planalto ainda mais petista é, para muitos caciques de partidos que de alguma maneira integram hoje a base aliada, sinal de que Lula cogita pela primeira vez a possibilidade de não se candidatar a um novo mandato, encerrando sua carreira política com uma “volta às raízes”.
A verdade é que o próprio Lula ainda não
falou claramente a respeito das razões por que optou pelo nome da atual
presidente do PT. O presidente não gosta, mas, na ausência de declarações, seus
interlocutores costumam aventar hipóteses e vazar o que ouvem de conversas de
bastidores.
A principal razão da nomeação seria premiar a
lealdade a toda prova com que Gleisi se portou nos piores momentos de Lula e do
PT, incansável em sua defesa. Não há dúvida de que esse é um dos atributos mais
desejáveis quando se escolhe uma equipe, mas a política, da forma como está
polarizada, permite cada vez menos nuances nas avaliações, e a imagem mais
consolidada de Gleisi é de alguém que se opõe fortemente à política fiscal que
Fernando Haddad definiu em 2023 e vem tentando implementar a duras penas nestes
dois anos e pouco de gestão de Lula.
Por isso, a despeito das ponderações, todas
reais, de que Gleisi é hoje alguém com bom trânsito entre os partidos do
Centrão — a ponto de o presidente da Câmara, Hugo Motta, ter feito um périplo
junto a bolsonaristas próximos a ele pedindo para não bombardearem sua escolha
—, sua imagem pública ainda é de alguém com uma visão de esquerda e contrária
ao ministro da Fazenda. E mais: que, com sua chegada, o Planalto contará com
uma dobradinha sistemática contra qualquer nova tentativa de ajuste de gastos que
Haddad venha a propor.
Daí por que as legendas do Centrão, mesmo
tendo bom trânsito com Gleisi, estejam na muda diante das sinalizações dadas
pela reforma de Lula. Ainda mais porque seus dirigentes não foram sequer
chamados pelo presidente, que não disse nem ao menos se pretende, de fato,
tentar contemplá-los de forma a contar com eles no palanque no ano que vem. Em
resumo: está todo mundo no escuro.
Numa coalizão em que a maioria dos partidos
não tem afinidade programática nem ideológica com o presidente, e os arranjos
se dão todos na base de cargos e emendas, momentos assim são propícios ao que
está na praça neste pós-Carnaval: as ameaças de debandada, muitas delas blefes
à espera de ainda mais cargos e mais emendas.
Resta saber se Lula pagará para ver. No seu
núcleo mais próximo, muitos observam que ele não acredita que, ainda que
agracie os partidos do Centrão com pastas vistosas e cheias de verbas, obterá
deles uma promessa antecipada de apoio à reeleição.
Pelo óbvio: essa escolha só se dará lá na
frente e estará condicionada a uma série de variáveis, que vão da escolha do
nome (ou dos nomes) da direita para enfrentá-lo à sua avaliação no começo do
ano que vem, quando as decisões são tomadas para valer.
Lula vem agindo na base da tentativa e
(muito) erro para enfrentar a crise de popularidade que se agravou neste
primeiro trimestre, mas há quem veja um problema mais de fundo, de desconexão
entre ele e o eleitorado que o elegeu em 2022. A tal guinada à esquerda não
ajuda e, pelo contrário, pode fazer de todos os esforços pontuais até aqui
letra morta caso se cristalize a ideia de que a frente ampla ficou mesmo para
trás, e agora é a hora de só a “companheirada”, outro termo que voltou a
circular fortemente nos gabinetes da capital, definir os rumos do governo.
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