terça-feira, 11 de março de 2025

Lula como fiador da soma e da subtração de Gleisi - Maria Cristina Fernandes

Valor Econômico

Antes de tomar posse, Gleisi foi anfitriã da reunião de uma facção do CNB, com a presença de Lula, que bombardeou aquele é tido como seu candidato à presidência do PT

A nova ministra das Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann, tomou posse com um discurso moldado para desfazer a ideia que dela se tem ao ressaltar o respeito aos aliados (“ninguém faz nada sozinho”), o cumprimento de acordos e a abertura a críticas. “Chego para somar”, resumiu, ao destacar a “grandeza da mediação” a serviço tanto do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, quanto da Casa Civil, Rui Costa.

Esta ministra que se propõe a algodão entre cristais no governo foi, até a última noite como presidente do PT, o esteio da combustão. Foi em sua casa que integrantes da CNB, corrente majoritária do PT, se reuniram na quinta-feira, véspera da posse do senador Humberto Costa (PE) como presidente interino do PT até julho quando haverá a eleição para a presidência do partido.

A reunião, noticiada pelo jornalista Lauro Jardim, foi uma declaração de guerra ao ex-prefeito de Araraquara, Edinho Silva. Reuniu o prefeito de Maricá, Washington Quaquá, a tesoureira do partido, Gleide Andrade, os deputados federais Jilmar Tato (SP), José Guimarães (SP) e Odair Cunha (MG), os senadores Beto Faro (PA), além de Humberto Costa e do presidente da Fundação Perseu Abramo, Paulo Okamotto.

Uma campanha interna é apinhada de encontros como este, não fosse pela presença do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Levado por Okamotto, Lula acabou testemunhando a ofensiva de uma facção em guerra para não perder o poder.

Também foi Okamotto, companheiro de Lula no sindicalismo, quem convenceu o presidente a apoiar a resolução do diretório que permite a recondução ilimitada de mandatos, sob o polêmico argumento de que os diretórios municipais, na ausência de novos quadros, ficariam acéfalos. É esta resolução que permitirá a recondução da tesoureira, braço-direito de Gleisi no PT.

A presença de Lula na reunião, seu apoio a uma resolução antirrenovação e a ausência de uma manifestação de apoio a Edinho, liberaram os opositores daquele que, até aqui, parecia ter sido ungido pelo presidente para construir o partido do pós-Lula. Não parece fácil, de fato, abrir mão de um fundo eleitoral de R$ 620 milhões como aquele do qual o partido dispôs em 2024.

O contorno dramático adquirido pela disputa interna do PT sugere que não caiu a ficha no partido do desgaste a que está submetido o presidente. “Não se enganem, não chegamos até aqui com a aliança que construímos para dar errado”, disse Gleisi, no discurso. Será que não?

O partido fundado por Lula o personifica como nenhum outro partido o fez com qualquer outra liderança da história. Não é, porém, capaz de se mostrar um instrumento da virada. Aí fica difícil convencer os aliados. Qual PT vai liderar a reeleição, aquele da convergência, agora pregada por Gleisi Hoffmann, ou aquele cujo diretório nacional, sob seu comando, bombardeou o arcabouço fiscal e avalizou o documento crítico ao “austericídio fiscal” do governo?

Gleisi citou duas vezes Haddad em seu discurso. Na condição de ministra, posição que almeja desde a posse, não deve haver dúvida de que trabalhará por seus projetos no Congresso se este for o desejo do presidente. A dúvida é se ainda é possível salvar a política econômica.

Se a ministra vai participar do arranjo de forças para a reeleição também terá que enfrentar a batalha da PEC da segurança pública sem a qual o presidente não terá como disputar o voto de um eleitor cada vez mais avesso ao seu nome e a seu governo.

É bem verdade que muitos dos buracos nos quais este governo se afundou, como a “taxa das blusinhas” e o Pix não foram cavados pelo PT, mas não se conhecem as contribuições do partido ao tema. A ideia mais mobilizadora surgida na esquerda, a do fim da jornada 6x1, nasceu do Psol.

E, apesar de toda mãe de periferia desejar que o filho saia do ensino médio com uma profissão, o debate do ensino profissionalizante também é interditado no partido. A seguir os centros Paula Souza, iniciativa paulista de ensino técnico, os institutos federais rumam para virar universidades menos inclusivas do que o Brasil precisa. Sem uma profissão, os jovens do “Pé-de-Meia” vão comprar uma moto e virar entregadores.

O apego a velhas teses se firma na convicção dos petistas de que Lula é imbatível, mas a reeleição é um plebiscito sobre o governo. Este que aí está amarga uma rejeição sem teto, refletida na plateia da posse desta segunda. Teve a presença maciça de ministros e escassa de lideranças e presidentes de partidos aliados.

Interlocutores do presidente se dizem impressionados, para não dizer estarrecidos, pelo otimismo com o qual Lula encara a conjuntura. Parece confiar que a oposição não será capaz de se unir em torno de um nome que possa contê-lo, mas não é isso que se observa. Se o ex-presidente Jair Bolsonaro não apoiar o governador de São Paulo, Tarcisio de Freitas, por um indulto, o Centrão, mais do que torcer, vai trabalhar por sua prisão.

Resta ao governo segurar o que lhe resta de MDB, Republicanos e PSD. O ex-presidente José Sarney, que estava na primeira fileira da posse de Gleisi, defendeu, em entrevista a Ivan Martinez-Vargas (“O Globo”), tanto que o político deve se retirar antes da velhice quanto o apoio do MDB a Lula.

A ver, agora, se o líder do MDB, deputado Isnaldo Bulhões (AL), preterido para a Pasta assumida por Gleisi, assumirá a liderança do governo ou se o cargo continuará nas mãos de José Guimarães como prêmio de consolação por não herdar o PT. Se partido e governo se estreitam, ainda não se sabe como vão ampliar o eleitorado.

 

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