Valor Econômico
Antes de tomar posse, Gleisi foi anfitriã da reunião de uma facção do CNB, com a presença de Lula, que bombardeou aquele é tido como seu candidato à presidência do PT
A nova ministra das Relações Institucionais,
Gleisi Hoffmann, tomou posse com um discurso moldado para desfazer a ideia que
dela se tem ao ressaltar o respeito aos aliados (“ninguém faz nada sozinho”), o
cumprimento de acordos e a abertura a críticas. “Chego para somar”, resumiu, ao
destacar a “grandeza da mediação” a serviço tanto do ministro da Fazenda,
Fernando Haddad, quanto da Casa Civil, Rui Costa.
Esta ministra que se propõe a algodão entre cristais no governo foi, até a última noite como presidente do PT, o esteio da combustão. Foi em sua casa que integrantes da CNB, corrente majoritária do PT, se reuniram na quinta-feira, véspera da posse do senador Humberto Costa (PE) como presidente interino do PT até julho quando haverá a eleição para a presidência do partido.
A reunião, noticiada pelo jornalista Lauro
Jardim, foi uma declaração de guerra ao ex-prefeito de Araraquara, Edinho
Silva. Reuniu o prefeito de Maricá, Washington Quaquá, a tesoureira do partido,
Gleide Andrade, os deputados federais Jilmar Tato (SP), José Guimarães (SP) e
Odair Cunha (MG), os senadores Beto Faro (PA), além de Humberto Costa e do
presidente da Fundação Perseu Abramo, Paulo Okamotto.
Uma campanha interna é apinhada de encontros
como este, não fosse pela presença do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Levado por Okamotto, Lula acabou testemunhando a ofensiva de uma facção em
guerra para não perder o poder.
Também foi Okamotto, companheiro de Lula no
sindicalismo, quem convenceu o presidente a apoiar a resolução do diretório que
permite a recondução ilimitada de mandatos, sob o polêmico argumento de que os
diretórios municipais, na ausência de novos quadros, ficariam acéfalos. É esta
resolução que permitirá a recondução da tesoureira, braço-direito de Gleisi no
PT.
A presença de Lula na reunião, seu apoio a
uma resolução antirrenovação e a ausência de uma manifestação de apoio a
Edinho, liberaram os opositores daquele que, até aqui, parecia ter sido ungido
pelo presidente para construir o partido do pós-Lula. Não parece fácil, de
fato, abrir mão de um fundo eleitoral de R$ 620 milhões como aquele do qual o
partido dispôs em 2024.
O contorno dramático adquirido pela disputa
interna do PT sugere que não caiu a ficha no partido do desgaste a que está
submetido o presidente. “Não se enganem, não chegamos até aqui com a aliança
que construímos para dar errado”, disse Gleisi, no discurso. Será que não?
O partido fundado por Lula o personifica como
nenhum outro partido o fez com qualquer outra liderança da história. Não é,
porém, capaz de se mostrar um instrumento da virada. Aí fica difícil convencer
os aliados. Qual PT vai liderar a reeleição, aquele da convergência, agora
pregada por Gleisi Hoffmann, ou aquele cujo diretório nacional, sob seu
comando, bombardeou o arcabouço fiscal e avalizou o documento crítico ao
“austericídio fiscal” do governo?
Gleisi citou duas vezes Haddad em seu
discurso. Na condição de ministra, posição que almeja desde a posse, não deve
haver dúvida de que trabalhará por seus projetos no Congresso se este for o
desejo do presidente. A dúvida é se ainda é possível salvar a política
econômica.
Se a ministra vai participar do arranjo de
forças para a reeleição também terá que enfrentar a batalha da PEC da segurança
pública sem a qual o presidente não terá como disputar o voto de um eleitor
cada vez mais avesso ao seu nome e a seu governo.
É bem verdade que muitos dos buracos nos
quais este governo se afundou, como a “taxa das blusinhas” e o Pix não foram
cavados pelo PT, mas não se conhecem as contribuições do partido ao tema. A
ideia mais mobilizadora surgida na esquerda, a do fim da jornada 6x1, nasceu do
Psol.
E, apesar de toda mãe de periferia desejar
que o filho saia do ensino médio com uma profissão, o debate do ensino
profissionalizante também é interditado no partido. A seguir os centros Paula
Souza, iniciativa paulista de ensino técnico, os institutos federais rumam para
virar universidades menos inclusivas do que o Brasil precisa. Sem uma
profissão, os jovens do “Pé-de-Meia” vão comprar uma moto e virar entregadores.
O apego a velhas teses se firma na convicção
dos petistas de que Lula é imbatível, mas a reeleição é um plebiscito sobre o
governo. Este que aí está amarga uma rejeição sem teto, refletida na plateia da
posse desta segunda. Teve a presença maciça de ministros e escassa de
lideranças e presidentes de partidos aliados.
Interlocutores do presidente se dizem
impressionados, para não dizer estarrecidos, pelo otimismo com o qual Lula
encara a conjuntura. Parece confiar que a oposição não será capaz de se unir em
torno de um nome que possa contê-lo, mas não é isso que se observa. Se o
ex-presidente Jair Bolsonaro não apoiar o governador de São Paulo, Tarcisio de
Freitas, por um indulto, o Centrão, mais do que torcer, vai trabalhar por sua
prisão.
Resta ao governo segurar o que lhe resta de
MDB, Republicanos e PSD. O ex-presidente José Sarney, que estava na primeira
fileira da posse de Gleisi, defendeu, em entrevista a Ivan Martinez-Vargas (“O
Globo”), tanto que o político deve se retirar antes da velhice quanto o apoio
do MDB a Lula.
A ver, agora, se o líder do MDB, deputado
Isnaldo Bulhões (AL), preterido para a Pasta assumida por Gleisi, assumirá a
liderança do governo ou se o cargo continuará nas mãos de José Guimarães como
prêmio de consolação por não herdar o PT. Se partido e governo se estreitam,
ainda não se sabe como vão ampliar o eleitorado.
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