sábado, 12 de abril de 2025

A conspiração dos infiltrados – Pablo Ortellado

O Globo

Ideia de que ativistas foram atraídos para uma armadilha orquestrada pelo governo Lula para criminalizar a direita é forte

O 8 de Janeiro segue dividindo a sociedade brasileira. Uma pesquisa inédita (ver abaixo) mostra que, para 45,8% dos eleitores de Bolsonaro, a violência e o vandalismo do 8 de Janeiro foram causados por infiltrados de esquerda. Entre os brasileiros em geral, a concordância é de 23,8%, um quarto da população adulta. A adesão gigantesca à tese conspiratória mostra o tamanho do problema em que estamos metidos.

Essa teoria da conspiração sustenta que, no 8 de Janeiro, ativistas foram atraídos para uma armadilha orquestrada pelo governo Lula para criminalizar a direita. É a tese geral que Bolsonaro enunciou, mais de uma vez. A partir daí, surgem variantes: o governo teria sido alertado com antecedência sobre a manifestação da direita pelos serviços de inteligência e não se organizou para proteger a Praça dos Três Poderes; as poucas forças policiais presentes teriam feito corpo mole, favorecendo a entrada dos manifestantes e induzindo o vandalismo; o ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional de Lula, general Gonçalves Dias, teria auxiliado a entrada de vândalos pelos fundos do Planalto; imagens das câmeras internas do Ministério da Justiça teriam sido apagadas, de maneira suspeita. Tudo aponta, segundo essa teoria, para uma cilada.

Ainda que tais pontos tenham sido exaustivamente analisados e desmentidos, seguem alimentando as suspeitas de grande parcela dos brasileiros. Parte disso se deve a erros de fato cometidos no 8 de Janeiro; parte à intensa e persistente campanha de desinformação que se seguiu.

As forças policiais foram mesmo lenientes com os manifestantes violentos. Porém a leniência não se deveu a um ardil do governo Lula, mas à polícia do Distrito Federal, sob o comando de Anderson Torres, ex-ministro da Justiça do governo Bolsonaro. O general Gonçalves Dias não foi flagrado auxiliando manifestantes, mas retirando-os com cuidado, pois seus agentes estavam em número reduzido. O Ministério da Justiça foi descuidado e não preservou as imagens das câmeras internas, mas as das câmeras externas — mais relevantes — foram preservadas.

Além disso, as imagens das câmeras de segurança dos outros edifícios foram mantidas e fornecidas às investigações. Inúmeras imagens de vândalos, erroneamente apontados como infiltrados de esquerda, revelaram, na verdade, apoiadores violentos do ex-presidente Jair Bolsonaro, como o mecânico Antônio Cláudio Ferreira, de Uberlândia (MG), que destruiu um relógio do século XVII.

A difusão das teorias da conspiração também encontrou terreno fértil na forma frágil como o 8 de Janeiro foi caracterizado tanto no relatório da Polícia Federal quanto na denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR). As reportagens da imprensa trouxeram bem mais detalhes e elementos do que os documentos oficiais. Sabemos das convocações para a “festa da Selma”, das campanhas para levar ônibus a Brasília, das ações dos “kids pretos”, da derrubada de torres de transmissão, dos bloqueios a refinarias de petróleo e rodovias. Todos esses fatos — que evidenciam o caráter golpista e articulado da ação por parte de apoiadores radicalizados de Bolsonaro —simplesmente não aparecem nas denúncias. Não se sabe se isso se deve a incompetência ou a alguma estratégia jurídica — talvez porque as evidências levem a outros líderes de que não se encontrou conexão direta nem com Bolsonaro, nem com os generais.

A persistência da tese dos infiltrados revela não apenas a eficácia das campanhas de desinformação bolsonaristas, mas também um paradoxo nas respostas institucionais. A denúncia da PGR, em vez de construir uma caracterização robusta do caráter golpista dos atos do 8 de Janeiro, parece mais empenhada em vincular os ataques a Bolsonaro. Essa estratégia pode até fazer sentido do ponto de vista político, mas, ao enfraquecer a descrição detalhada da intentona e ignorar seus articuladores operacionais, corre o risco de favorecer a impunidade dos envolvidos e alimentar ainda mais as narrativas conspiratórias. Ao priorizar o foco em Bolsonaro, a denúncia deixa de nomear e responsabilizar líderes intermediários e organizações que atuaram na mobilização e execução dos atos golpistas. Superar essa fragilidade exige, por parte das instituições, compromisso mais firme com o esclarecimento público, com a verdade factual e com a transparência.

A pesquisa foi encomendada pela More in Common à Quaest em fevereiro. Foram entrevistadas 3.338 pessoas, com margem de erro de 2 pontos percentuais, para mais ou para menos, dentro de um intervalo de confiança de 95%.

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.