sábado, 12 de abril de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Caso do Rei do Lixo expõe escoadouro das emendas

O Globo

Operação da PF desbaratou esquema abrangente que desviava verbas parlamentares em quatro estados

O avanço nas investigações da Operação Overclean, da Polícia Federal (PF), tem exposto a abrangência de um esquema criminoso suspeito de desviar recursos de emendas parlamentares e convênios por meio de licitações e contratos fraudulentos na área de limpeza urbana. Na decisão em que autorizou nova operação da PF no início do mês, o ministro Kassio Nunes Marques, do Supremo Tribunal Federal (STF), apontou indícios de crimes em municípios de pelo menos quatro estados (Bahia, Tocantins, Goiás e Rio de Janeiro). As revelações expõem de modo eloquente os prejuízos impostos à sociedade pelo descontrole nos repasses de emendas parlamentares.

De acordo com as investigações, o empresário José Marcos Moura, conhecido como Rei do Lixo, funcionava como articulador político do grupo e era responsável por conectar operadores do esquema a agentes públicos e “figuras políticas de expressão”. Os crimes investigados incluem corrupção ativa e passiva, desvio de recursos (peculato), fraude em licitações e contratos, além de lavagem de dinheiro.

Impressiona a desenvoltura com que o grupo agia em diferentes regiões e esferas de poder. Segundo os investigadores, ele atuava nos municípios de Campo Formoso (BA), Itapetinga (BA), Jequié (BA), Lauro de Freitas (BA), Barreiras (BA), Senador Canedo (GO) e Salvador (BA). Eles identificaram gestões para liberar recursos dos ministérios da Integração Regional e da Agricultura, parte do caminho para repassar o dinheiro das emendas.

A Overclean foi deflagrada com o objetivo de apurar desvios de emendas parlamentares destinadas ao Departamento Nacional de Obras contra as Secas (Dnocs). Ao longo das investigações, expôs cenas que já integram o compêndio da corrupção nacional. No fim do ano passado, durante ação da PF, um vereador eleito de Campo Formoso lançou pela janela uma sacola com mais de R$ 220 mil. Aquela operação investigava o desvio de pelo menos R$ 1,4 bilhão em contratos públicos. A apreensão de mais de cem dispositivos eletrônicos causou preocupação em Brasília, devido às amplas conexões mantidas pelo grupo.

As incursões do Rei do Lixo por contratos públicos escancaram mais uma vez a vulnerabilidade das emendas parlamentares à corrupção. A persistente falta de transparência nos repasses contribui para que recursos do contribuinte sejam saqueados ao longo do obscuro caminho entre a fonte e o destino. Cria-se um ambiente favorável à realização de licitações e contratos fraudulentos, como os investigados na Overclean. É verdade que, por pressão da sociedade e sucessivas cobranças do Supremo Tribunal Federal, algumas regras foram aperfeiçoadas para permitir maior transparência e rastreabilidade do dinheiro, mas não se pode dizer que elas tenham resolvido todos os problemas.

As investigações da PF precisam ser aprofundadas. Os fatos revelados até agora parecem ser apenas parte de um esquema criminoso bem maior, dada a influência política do grupo em diferentes estados. É fundamental desvendá-lo por completo. Não só para punir os responsáveis pelos desvios e tentar recuperar o que foi roubado, mas também para mostrar os prejuízos causados por um sistema de repasses bilionários que não encontra paralelo noutros países e só faz favorecer o patrimonialismo e a corrupção.

Revolução trazida pelo agronegócio se tornou maior inimigo do MST

O Globo

Discurso do movimento ficou datado, por isso suas invasões têm obtido impacto cada vez menor

O Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) costuma marcar com invasões o mês de abril, em memória dos 21 militantes do movimento mortos em choque com a polícia no município de Eldorado dos Carajás (PA) em 1996. Neste ano, quando o MST completa 40 anos, o Abril Vermelho começou com a ocupação de 11 propriedades em cinco estados: Minas Gerais, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e São Paulo. Depois das invasões, o governo costuma se pronunciar defendendo a negociação entre as partes, os proprietários acionam a Justiça, a polícia é mobilizada, as áreas são evacuadas ou se instala um acampamento para posterior solução. Desde que o PT assumiu o governo, o ciclo se repete, numa tentativa do MST de pressionar seus aliados no poder por concessões. A repercussão tem sido cada vez menor.

O principal motivo é que a retórica do MST ficou datada. Perdeu o sentido para os próprios partidos de esquerda. Com o avanço do agronegócio e da agropecuária moderna, a defesa do modelo de agricultura familiar, o combate ao “latifúndio improdutivo” e o discurso inspirado nos anos 1950 e 1960 parecem tão atuais quanto os telefones de baquelite ou os mimeógrafos a álcool. Novas tecnologias difundidas no campo, como espécies adaptadas ao solo brasileiro, trouxeram um salto de produtividade às grandes propriedades rurais, criando dificuldades intransponíveis a um movimento que ainda defende o modelo agrícola baseado no pequeno produtor.

Ao mesmo tempo, os assentamentos rurais promovidos por sucessivos governos foram reduzindo a população que poderia se seduzir pelo MST. Nos anos 1990, o movimento já se via obrigado a atrair adeptos na periferia das cidades. No governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), 69,2 mil famílias foram assentadas. Em 2003 e 2004, no primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, foram 40,6 mil. Em 2007 e 2008, no segundo, 40,5 mil. Mesmo a gestão Jair Bolsonaro, distante da causa agrária, distribuiu propriedades a 4,3 mil famílias. Em 2023 e 2024, nos dois primeiros anos do atual governo Lula, mais 25,8 mil foram assentadas. A tendência de queda mostra que já houve mais procura por terra.

É certo que ainda há espaço para pequenos e médios produtores, sobretudo no abastecimento às cidades. Outro exemplo é a rede de pequenos criadores de suínos e aves desenvolvida no Sul, para fornecer a grandes frigoríficos. Mas também aí há alta tecnologia envolvida, com garantia de uniformidade genética e alto padrão de qualidade para carnes e embutidos. Ainda no Rio Grande do Sul, com apoio de crédito e agrônomos, pequenas propriedades produzem arroz orgânico, cuja área plantada não chega a 0,6% do total no estado. Essa talvez continue a ser a principal vitrine do MST. Mas nenhum ideólogo revolucionário do século passado imaginaria que grandes, pequenos e médios proprietários conviveriam de forma integrada, alimentando cadeias agroindustriais competitivas e rentáveis.

Com PEC e sem plano, Lula busca um feito na segurança

Folha de S. Paulo

Texto tem boas ideias que já estão em lei, mas não em prática; há risco de mudanças pela bancada linha dura do Congresso

Após quase um ano de estudos e debates, o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) enfim enviou formalmente ao Congresso Nacional sua proposta de emenda constitucional (PEC) para a segurança pública.

Trata-se de um conjunto de medidas para o setor, com o qual o governo petista e a esquerda de modo geral têm dificuldade de lidar. Não à toa, a pauta vem sendo dominada pela agenda conservadora, que advoga um programa linha dura que não raro descamba para abusos de força.

O texto enfrenta resistência de parte dos governadores —alguns deles potenciais candidatos à Presidência em 2026. Ademais, pode ser usado como palanque no Congresso para propostas conservadoras ou reacionárias que piorem o que já é precário.

Em meio a algumas poucas ideias bem-vindas, a PEC é de eficácia duvidosa porque se pressupõe que constitucionalizar o tema mudaria a prática.

Parte dela pode ser implementada sem necessidade de reforma da Carta. A medida, por exemplo, cristaliza no texto constitucional o Sistema Único de Segurança Pública (Susp). Mas ele já consta de lei desde 2018 e, mesmo assim, ainda não apresentou resultados expressivos.

Não é má ideia que protocolos de abordagem de suspeitos, cursos de capacitação de agentes e sistemas de registros de ocorrências sejam padronizados nacionalmente. Isso tudo, porém, também já deveria ter saído do papel sem uma PEC.

Ao menos o trecho sobre a constitucionalização do Fundo Nacional de Segurança Pública e do Fundo Nacional Penitenciário, que integra a proposta, pode tornar mais garantidos os recursos dos dois instrumentos.

O mesmo pode ser dito a respeito das corregedorias e ouvidorias das polícias, cuja implementação pelos estados passaria a ser obrigatória, embora o documento não detalhe as garantias de autonomia dessas instituições.

Outras ações requerem um debate bem mais aprofundado, e há dúvidas de que isso será feito no atual contexto em que as peças do jogo eleitoral de 2026 já começam a se movimentar.

É o que se vê nas propostas de expandir a atuação da Polícia Rodoviária Federal e de incluir as Guardas Municipais no rol dos órgãos de segurança —esta segue decisões recentes do Supremo Tribunal Federal (STF). É necessário estabelecer de forma mais clara, por meio de discussão no Congresso e na sociedade, os limites dessas novas atribuições.

Já a previsão de que a Polícia Federal atue no combate a organizações criminosas e milícias privadas é ponto pacífico.

Entre boas ideias e outras ineficazes, a PEC não responde à principal pergunta: qual é a política de segurança pública do governo federal? Em vez de gastar o rarefeito capital político do presidente da República perante o Legislativo, seria mais efetivo determinar diretrizes nacionais, indicadores e metas, não apenas modificar o texto constitucional.

Invasões de abril

Folha de S. Paulo

MST retoma ofensiva de ações ilegais, de novo contando com boa vontade de Lula; reforma agrária há muito perdeu impulso

Com boa dose de despudor, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) reserva um mês do ano para intensificar as invasões de propriedades rurais, ilegalidades mal disfarçadas com o nome de ocupações. Trata-se do Abril Vermelho, em curso neste momento, cujo propósito declarado é pressionar o governo de turno a acelerar a reforma agrária.

Note-se, entretanto, que a agressividade do MST não é necessariamente proporcional à má vontade de Brasília com sua causa. Ao longo dos quatro anos do mandato de Jair Bolsonaro (PL), por exemplo, contaram-se 62 invasões de terra. Já nas administrações do PT, partido que é aliado desde sempre do movimento, as cifras são bem maiores.

Em 2023, primeiro ano do terceiro governo de Luiz Inácio Lula da Silva, foram 72, nos cálculos da Confederação Nacional da Agricultura (CNA). No ano passado, mais 35; neste mês, já se contam 20 apenas nos primeiros oito dias, no que parece ser um recrudescimento da ofensiva.

Há muito de teatral nas ações do MST —exceto, é claro, para quem tem sua propriedade invadida. Sob Lula, a agremiação tem a oportunidade de recuperar algo de sua relevância política, há muito esvaziada assim como o apelo da reforma agrária.

Tal política viveu seu auge nos dois primeiros mandatos do petista (2003-2010), quando foram assentadas 614,1 mil famílias, e nos do tucano Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), que beneficiou 540,7 mil. Foram tempos, aliás, em que invasões de terras chegavam à casa das centenas anuais. A partir de Dilma Rousseff (PT), na década passada, as cifras caíram drasticamente.

Em parte, porque o dinheiro secou, dado que desde então o Orçamento federal tem sido deficitário; em parte, pela influência do ruralismo nos governos Michel Temer (MDB) e Bolsonaro. Mas também, e não menos importante, porque faltam evidências de que aprofundar a reforma agrária seria política social ou de desenvolvimento eficiente.

Decerto há taxas vexatórias de pobreza e desigualdade no país, e no campo em particular, mas cumpre demonstrar a conveniência de ampliar a população rural, a um custo elevado, enquanto a produção agrícola se torna mais mecanizada e produtiva.

O governo petista, como de costume, prestigiará o movimento aliado com discursos, metas e promessas para o setor. Em contrapartida, colherá o desgaste de ser associado, por leniência, a ações ilegais, por vezes violentas, que não são repudiadas somente por radicais da direita.

Nova chance para a segurança pública

O Estado de S. Paulo

Nova versão da PEC da Segurança Pública é bom ponto de partida para que o governo federal, os governos estaduais e o Congresso construam uma política na área que traga paz aos brasileiros

O ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, reuniu-se com o presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), e líderes de partidos para apresentar aos parlamentares a nova versão da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Segurança Pública. Ao que tudo indica, a reunião foi produtiva, ou ao menos a premência de uma questão tão preocupante para a sociedade parece ter unido as legendas a despeito de suas eventuais dissensões ideológico-programáticas. “Há uma convergência e unanimidade sobre a urgência de tratar desse tema na Câmara dos Deputados”, afirmou Motta logo após o encontro, informando ainda que a segurança pública será “pauta prioritária” na agenda da Casa.

Tal como fora apresentada originalmente no ano passado pelo governo federal, a PEC da Segurança Pública tinha problemas que inviabilizavam seu avanço, a começar pelo principal deles, a imposição de uma profunda repactuação federativa. De acordo com aquele texto, a União passaria a ter mais poderes para agir em uma seara que há décadas está a cargo dos Estados, razão pela qual a proposta não foi acolhida, a despeito de todo o esforço de Lewandowski e do presidente Lula da Silva para engajar o Congresso e os governos estaduais. Muitos governadores não aceitaram perder um naco do poder que, a bem da verdade, a Constituição de 1988 lhes deu para formular e implementar políticas de segurança em seus Estados.

À época, a PEC da Segurança Pública foi vendida ao distinto público como a panaceia, como uma espécie de “bala de prata” do governo Lula da Silva para resolver um problema para o qual, historicamente, nem o presidente da República nem o PT jamais deram a importância – ou, quando deram, foi no exato limite das conveniências eleitorais de ocasião. Nada disso mudou essencialmente, afinal, não há vivalma em Brasília que não considere que o tema da segurança pública será central na campanha eleitoral de 2026.

Ademais, aos petistas não é dado o benefício da dúvida de que teriam acordado para uma mazela que aflige milhões de brasileiros e, enfim, passaram a pensar em soluções reais para diminuir a percepção de insegurança que altera a vida nas grandes cidades brasileiras. Mas agora há, sim, uma nova chance para que Executivo e Legislativo amadureçam o texto e ofereçam ao País uma política de segurança verdadeiramente capaz de trazer paz aos brasileiros.

O primeiro passo para que isso aconteça é o abandono do que o presidente da Câmara chamou de “preconceito” e “vício de iniciativa”, referindo-se à resistência de parlamentares da base e da oposição a propostas legislativas não pelo que representam, mas em razão de quem as propõe. Em prol do País e da segurança dos brasileiros que só querem sair de casa, tocar suas vidas e voltar em segurança, governo federal, governos estaduais e Congresso precisam se unir pela construção de uma política nacional de segurança pública que a um tempo respeite as competências da União e dos Estados e dê conta de enfrentar uma criminalidade cada vez mais sofisticada e poderosa, bélica e financeiramente. O Estado brasileiro precisa ser mais inteligente e incisivo do que aqueles que gastam somas inimagináveis de dinheiro para subverter suas leis para auferir ganhos ainda mais substanciais.

Nesse sentido, a apresentação da nova versão da PEC da Segurança Pública pode ser um bom ponto de partida para essa concertação republicana, que, independentemente de colorações partidárias, deve opor apenas os que estão ao lado das leis àqueles que vivem de rasgá-las.

Dito isso, nem a melhor política de segurança do mundo irá produzir os resultados benfazejos que dela se espera se as forças policiais, tanto as polícias ostensivas como as polícias judiciárias, não estiverem rigorosamente comprometidas com as leis, a Constituição e os direitos humanos, além de bem treinadas, equipadas e remuneradas. E garantir isso é e continuará sendo, seja qual for o destino da PEC da Segurança Pública, uma atribuição dos governadores.

Bolsonaro atrapalha o Brasil

O Estado de S. Paulo

As forças políticas deveriam se preocupar com a crise global, e não com a ‘anistia’ a Bolsonaro. Está na hora de deixar a Justiça cuidar do ex-presidente. O Brasil tem mais o que fazer

Jair Bolsonaro – aquele que é, segundo seus bajuladores, o “grande líder da direita no Brasil”, timoneiro do PL, o maior partido da Câmara – não tem nada a dizer sobre a profunda crise mundial deflagrada pelo presidente dos EUA, Donald Trump. Nada. Seu único assunto é a tal de “anistia” para os golpistas do 8 de Janeiro – e, por extensão, para si mesmo. Enquanto o mundo derrete em meio à escabrosa confusão criada por Trump, aliás ídolo de Bolsonaro, o ex-presidente mobiliza forças políticas para encontrar meios de driblar a lei e a Constituição e livrar da cadeia os que conspiraram para destruir a democracia depois das eleições de 2022, sob sua liderança e inspiração.

Admita-se que talvez seja melhor mesmo que Bolsonaro não dê palpite sobre o que está acontecendo, em primeiro lugar porque ele não saberia o que dizer nem o que propor quando o assunto é relações internacionais. Recorde-se que, em sua vergonhosa passagem como chefe de Estado em encontros no exterior, ele só conseguia falar com os garçons. Mas o ex-presidente poderia, neste momento de graves incertezas, ao menos mostrar algum interesse pelo destino do país que ele diz estar “acima de tudo”. No entanto, como sabemos todos os que acompanhamos sua trajetória política desde os tempos em que era sindicalista militar, o Brasil nunca foi sua prioridade.

Mas o Brasil deveria ser prioridade de todos os demais. O tema da “anistia” não deveria nem sequer ser discutido por gente séria frente não só às turbulências globais do momento, mas a problemas brasileiros incontornáveis que afligem de fato a população – como a inflação, a violência, a saúde pública, os desafios educacionais, os caminhos para assegurar desenvolvimento em bases sustentáveis ou os efeitos das mudanças climáticas sobre a vida nas florestas e nas cidades.

Infelizmente, num Congresso que se mobiliza de verdade quase sempre apenas para assegurar verbas e cargos, Bolsonaro está em seu meio. Parece intuir que a liderança que exerce sobre sua numerosa base popular basta para submeter os políticos pusilânimes a seus caprichos pessoais, e é por isso que o ex-presidente dobrou a aposta, lançando repto às instituições, reafirmando-se como candidato à Presidência – apesar de sua inelegibilidade – e convocando os potenciais herdeiros políticos a se tornarem cúmplices de seus ataques à democracia.

Bolsonaro está a todo vapor: além de mobilizar parlamentares da oposição e fazer atos públicos e declarações quase diárias sobre o tema, reuniu-se fora da agenda oficial com o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), para pressioná-lo a colocar em votação a tal “anistia”. Embora esteja resistindo, o presidente da Câmara iniciou conversas com integrantes do governo e do Supremo Tribunal Federal (STF), pregando uma solução negociada entre os Poderes para reduzir a pena dos condenados pelo 8 de Janeiro com o objetivo de “pacificar” o País. Como demonstra não se preocupar de fato com a massa de vândalos do 8 de Janeiro e sim com a própria absolvição, Bolsonaro chegou a minimizar a importância de uma eventual revisão da dosimetria pelo STF. Disse que só lhe interessa a “anistia ampla, geral e irrestrita” – obviamente uma piada de mau gosto.

Já que a maioria dos brasileiros é contra a anistia, segundo recentes pesquisas, as patranhas do ex-presidente seriam apenas irrelevantes caso se resumissem a ele e ao clã Bolsonaro. Mas é perturbador observar que algumas das principais autoridades do Brasil estão realmente se dedicando ao tema. O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, por exemplo, encontrou tempo em sua decerto atarefada rotina para ligar pessoalmente a todos os deputados do seu partido com o objetivo de convencê-los a assinar o requerimento de urgência para o projeto de anistia, como se isso fosse de fato relevante para os paulistas.

Não é. Se Bolsonaro for condenado e preso, e se os golpistas forem todos punidos, rigorosamente nada vai mudar no País. No entanto, se as forças políticas do Brasil não se mobilizarem rapidamente para enfrentar o novo e turbulento mundo que acaba de surgir, aí, sim, os brasileiros sofreremos todos. Está na hora de deixar a Justiça cuidar de Bolsonaro e seguir adiante. O Brasil tem mais o que fazer.

Suprema Corte freia Trump

O Estado de S. Paulo

Revés do presidente no caso de um deportado por ‘engano’ mostra seus limites

A Suprema Corte dos EUA endossou a decisão de uma juíza distrital do Estado de Maryland e determinou que o governo de Donald Trump “facilite” o retorno de um imigrante deportado “por engano” para El Salvador, país governado pelo populista Nayib Bukele, um admirador do presidente americano.

Kilmar Abrego Garcia, que vivia e trabalhava legalmente nos EUA, foi detido por agentes de imigração no início de março. Uma ordem judicial de 2019 supostamente o protegia de ser deportado para seu país de origem, justamente El Salvador, agora convertido em depósito dos imigrantes que Trump expulsa sob a controvertida política de limpar a América de gente de “gene ruim”.

Embora Trump enxergue a maioria dos imigrantes como uma classe inferior e predisposta ao crime, eles obviamente não são. E mesmo aquela minoria que é de fato criminosa tem direitos, que a atual gestão insiste em ignorar.

O caso de Garcia, contudo, é ainda mais estarrecedor porque o próprio governo, que primeiro acusou o deportado de ter envolvimento com uma das perigosas gangues salvadorenhas, admitiu que a deportação ocorreu por um “erro administrativo”, ressaltando, porém, que nada mais poderia fazer a respeito.

É justamente isso o que a decisão da Suprema Corte – que, lembre-se, é formada por uma maioria conservadora – busca reparar. Após idas e vindas, os juízes do mais alto tribunal do país impuseram, por unanimidade, um freio aos arroubos do presidente, que nesta segunda passagem pela Casa Branca vem se notabilizando por ações extremamente mais erráticas e impetuosas que aquelas que caracterizaram seu primeiro governo.

O excesso de voluntarismo, contudo, começa a despertar vozes críticas mesmo entre as fileiras trumpistas. Foi o que se viu recentemente entre bilionários que apoiaram a campanha presidencial do republicano, mas que diante da sangria dos mercados, por conta da imposição de tarifas protecionistas draconianas, permitiram-se deixar claro que a impetuosidade de Trump custará caro, em especial aos norte-americanos.

Não é que as vozes dissonantes entre os apoiadores de Trump discordem por completo do presidente, mas elas deixaram óbvio que perder dinheiro não é um desvario que estejam dispostas a tolerar silenciosamente.

Agora é a Suprema Corte – que na visão de Trump está lá apenas para referendar seus caprichos – que sinaliza que há limites que não podem ser ultrapassados. A deportação de um cidadão com status legal e protegido por ordem judicial não é algo que se corrige só com a admissão de “erro”, mas com o retorno imediato do deportado.

Por se tratar de Trump, notório por fazer o lhe dá na telha, é esperado que, mesmo com a determinação da Suprema Corte, instituições aparelhadas como o Departamento de Justiça protelem o retorno de Garcia.

Ainda assim, ao ignorar apoiadores no mercado financeiro e tratar decisões judiciais como chacota, o presidente amplia fissuras em sua própria base. Não há manual de guerra que chancele essa estratégia.

Supersafra pode mitigar tarifaço

Correio Braziliense

A combinação de uma safra recorde e a reconfiguração do comércio global devido à guerra tarifária entre EUA e China possibilita ao Brasil fortalecer sua presença no mercado internacional de commodities agrícolas

Muita calma nessa hora. O dito popular sintetiza a forma equilibrada e prudente com que o governo brasileiro vem atuando desde o tarifaço do presidente Donald Trump, que deflagrou uma guerra comercial com a China cujos efeitos ainda são imprevisíveis para a economia mundial. Há bons motivos para a cautela, porque a posição geopolítica do Brasil e nossa vocação natural de produtor de alimentos e minérios nas cadeias de valor do comércio mundial podem mitigar efeitos negativos dessa crise, que também gera oportunidades.

No caso dos alimentos, essa oportunidade é real, uma vez que o tarifaço oferece uma vantagem competitiva para o Brasil como exportador de grãos e proteínas. Ainda mais diante da supersafra (2024/2025) prevista pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). A expectativa é de que o país chegue a um recorde de 330,3 milhões de toneladas, representando um aumento de 10,9% em relação ao ciclo anterior. Esse crescimento é impulsionado por uma maior área plantada e condições climáticas favoráveis, especialmente para a soja, cuja produção está projetada em 167,9 milhões de toneladas: 20,1 milhões a mais do que na safra passada.

A combinação de uma safra recorde e a reconfiguração do comércio global devido à guerra tarifária entre EUA e China possibilita ao Brasil fortalecer sua presença no mercado internacional de commodities agrícolas, especialmente na soja. Essa guerra já tem gerado oportunidades para o agronegócio brasileiro. Recentemente, processadores chineses adquiriram cerca de 40 navios de soja do Brasil em apenas três dias, volume equivalente a um mês e meio de comércio habitual entre os dois países. Além disso, a China respondeu por 77% das exportações brasileiras de soja em março, totalizando 15,7 milhões de toneladas. As projeções para 2025 indicam um potencial de exportação de até 110 milhões de toneladas, o que representaria um recorde histórico para o país.

Além da China, o agronegócio brasileiro pode mirar outros mercados estratégicos para diversificar suas exportações, aproveitando o novo cenário global. A Índia, com a maior população do mundo e crescente demanda por alimentos, especialmente grãos, óleo vegetal e carnes, é um potencial comprador de milho, soja, açúcar e etanol brasileiros. Os indianos também buscam diversificar fornecedores.

No Sudeste Asiático (Indonésia, Vietnã, Tailândia e Filipinas), as economias em acelerado processo de modernização e crescimento demandam o consumo de proteínas e óleos vegetais, o que também favorece nossos produtores de soja, milho, carnes (aves e suínos), algodão e óleo de soja. No Oriente Médio e na África, inclusive a Subsaariana, igualmente surgem oportunidades para exportação de milho, trigo, açúcar, carnes, feijão e arroz.

Apesar das duras restrições ambientais, avançam as negociações com a União Europeia para celebração do acordo com o Mercosul, do qual o Brasil é grande artífice. Mercado exigente, com alto poder aquisitivo, tem enorme potencial de destino para produtos certificados e sustentáveis, como café, cacau, carnes premium e orgânicos. México e Canadá também são fronteiras que se tornaram economicamente mais próximas para nossos produtos, principalmente milho, soja, carne de frango, açúcar e café.

Por tudo isso, há que se ter calma e perspicácia para enxergar alternativas positivas num ambiente de muita confusão. 

PL mantém em pauta discussão da anistia

O Povo

Precisa ficar esclarecido que não pode haver impunidade para quem praticou atentados contra a democracia

O Partido Liberal (PL) garante já ter conseguido o número suficiente de assinaturas para apresentar o pedido de tramitação, em regime de urgência, do projeto que anistia os participantes dos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023. Segundo o presidente do PL na Câmara, Sóstenes Cavalcante, a petição já tem mais de 257 assinaturas, o número mínimo exigido para o partido requerer o pedido de urgência.

No entanto, o direito de apresentar o pedido não significa que a urgência será automática. Para que isso aconteça, será necessário que o presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), paute o requerimento para que seja votado em plenário, que precisará também de 257 votos para confirmar o regime de urgência. Se for à votação, certamente haverá pressão do governo sobre deputados da base que assinaram o pedido de urgência, um número calculado entre 70 e 100 parlamentares.

Mas, sem dúvida, o PL conseguiu dar mais um passo na campanha que move para anistiar aqueles que participaram de uma tentativa de golpe de Estado.

O ex-presidente Jair Bolsonaro comemorou o feito do PL, mas criticou "alguns que falam em modular a pena", afirmando à CNN que "o caminho é a anistia". A declaração de Bolsonaro soa como uma resposta a Hugo Motta, que resiste em pautar a anistia, mas defende que a pena aos que praticaram os atos de vandalismo sejam reduzidas. Ele já teria discutido o assunto com Lula e com ministros do Supremo Tribunal Federal (STF).

Hugo Motta tem um argumentos fortes para rejeitar a tramitação do projeto de anistia. Para ele, essa é uma pauta que não unifica o país, travando votações importantes no Congresso Nacional, que fica girando em falso em torno desse tema. Além disso, pesquisa, divulgada em 7/4, mostra que a maioria da população manifesta-se contra a anistia aos golpistas. Segundo levantamento do instituto Datafolha, 56% dos brasileiros são contra a anistia, e 53% entendem que o ex-presidente Jair Bolsonaro deveria ser preso por tentativa de golpe de Estado.

Outro obstáculo que se põe para que o projeto da anistia entre em pauta é que Hugo Motta não quer indispor-se com o STF. Caso seja aprovado na Câmara, certamente haverá recurso ao Judiciário, sob o argumento que seria inconstitucional o perdão a quem participou de uma tentativa de golpe de Estado. E há indicativos fortes que a maioria do STF concorda com essa tese.

O fato é que a anistia parece uma proposta fadada a naufragar, mas, reconheça-se, o PL consegue manter à tona essa discussão. No entanto, o que precisa ficar ainda mais cristalino, é que não pode haver impunidade para quem pratica atentados contra a democracia. 

 

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