Caso do Rei do Lixo expõe escoadouro das emendas
O Globo
Operação da PF desbaratou esquema abrangente
que desviava verbas parlamentares em quatro estados
O avanço nas investigações da Operação Overclean, da Polícia Federal (PF), tem exposto a abrangência de um esquema criminoso suspeito de desviar recursos de emendas parlamentares e convênios por meio de licitações e contratos fraudulentos na área de limpeza urbana. Na decisão em que autorizou nova operação da PF no início do mês, o ministro Kassio Nunes Marques, do Supremo Tribunal Federal (STF), apontou indícios de crimes em municípios de pelo menos quatro estados (Bahia, Tocantins, Goiás e Rio de Janeiro). As revelações expõem de modo eloquente os prejuízos impostos à sociedade pelo descontrole nos repasses de emendas parlamentares.
De acordo com as investigações, o empresário
José Marcos Moura, conhecido como Rei do Lixo, funcionava como articulador
político do grupo e era responsável por conectar operadores do esquema a
agentes públicos e “figuras políticas de expressão”. Os crimes investigados
incluem corrupção ativa e passiva, desvio de recursos (peculato), fraude em
licitações e contratos, além de lavagem de dinheiro.
Impressiona a desenvoltura com que o grupo
agia em diferentes regiões e esferas de poder. Segundo os investigadores, ele
atuava nos municípios de Campo Formoso (BA), Itapetinga (BA), Jequié (BA),
Lauro de Freitas (BA), Barreiras (BA), Senador Canedo (GO) e Salvador (BA).
Eles identificaram gestões para liberar recursos dos ministérios da Integração
Regional e da Agricultura, parte do caminho para repassar o dinheiro das
emendas.
A Overclean foi deflagrada com o objetivo de
apurar desvios de emendas parlamentares destinadas ao Departamento Nacional de
Obras contra as Secas (Dnocs). Ao longo das investigações, expôs cenas que já
integram o compêndio da corrupção nacional. No fim do ano passado, durante ação
da PF, um vereador eleito de Campo Formoso lançou pela janela uma sacola com
mais de R$ 220 mil. Aquela operação investigava o desvio de pelo menos R$ 1,4
bilhão em contratos públicos. A apreensão de mais de cem dispositivos eletrônicos
causou preocupação em Brasília, devido às amplas conexões mantidas pelo grupo.
As incursões do Rei do Lixo por contratos
públicos escancaram mais uma vez a vulnerabilidade das emendas parlamentares à
corrupção. A persistente falta de transparência nos repasses contribui para que
recursos do contribuinte sejam saqueados ao longo do obscuro caminho entre a
fonte e o destino. Cria-se um ambiente favorável à realização de licitações e
contratos fraudulentos, como os investigados na Overclean. É verdade que, por
pressão da sociedade e sucessivas cobranças do Supremo Tribunal Federal, algumas
regras foram aperfeiçoadas para permitir maior transparência e rastreabilidade
do dinheiro, mas não se pode dizer que elas tenham resolvido todos os
problemas.
As investigações da PF precisam ser
aprofundadas. Os fatos revelados até agora parecem ser apenas parte de um
esquema criminoso bem maior, dada a influência política do grupo em diferentes
estados. É fundamental desvendá-lo por completo. Não só para punir os
responsáveis pelos desvios e tentar recuperar o que foi roubado, mas também
para mostrar os prejuízos causados por um sistema de repasses bilionários que
não encontra paralelo noutros países e só faz favorecer o patrimonialismo e a
corrupção.
Revolução trazida pelo agronegócio se tornou
maior inimigo do MST
O Globo
Discurso do movimento ficou datado, por isso
suas invasões têm obtido impacto cada vez menor
O Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST)
costuma marcar com invasões o mês de abril, em memória dos 21 militantes do
movimento mortos em choque com a polícia no município de Eldorado dos Carajás
(PA) em 1996. Neste ano, quando o MST completa 40 anos, o Abril Vermelho
começou com a ocupação de 11 propriedades em cinco estados: Minas Gerais,
Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e São Paulo. Depois das invasões, o
governo costuma se pronunciar defendendo a negociação entre as partes, os
proprietários acionam a Justiça, a polícia é mobilizada, as áreas são evacuadas
ou se instala um acampamento para posterior solução. Desde que o PT assumiu o
governo, o ciclo se repete, numa tentativa do MST de pressionar seus aliados no
poder por concessões. A repercussão tem sido cada vez menor.
O principal motivo é que a retórica do MST
ficou datada. Perdeu o sentido para os próprios partidos de esquerda. Com o
avanço do agronegócio e da agropecuária moderna, a defesa do modelo de
agricultura familiar, o combate ao “latifúndio improdutivo” e o discurso
inspirado nos anos 1950 e 1960 parecem tão atuais quanto os telefones de
baquelite ou os mimeógrafos a álcool. Novas tecnologias difundidas no campo,
como espécies adaptadas ao solo brasileiro, trouxeram um salto de produtividade
às grandes propriedades rurais, criando dificuldades intransponíveis a um
movimento que ainda defende o modelo agrícola baseado no pequeno produtor.
Ao mesmo tempo, os assentamentos rurais
promovidos por sucessivos governos foram reduzindo a população que poderia se
seduzir pelo MST. Nos anos 1990, o movimento já se via obrigado a atrair
adeptos na periferia das cidades. No governo Fernando Henrique Cardoso
(1995-2002), 69,2 mil famílias foram assentadas. Em 2003 e 2004, no primeiro
mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, foram 40,6 mil. Em 2007 e
2008, no segundo, 40,5 mil. Mesmo a gestão Jair Bolsonaro, distante da causa
agrária, distribuiu propriedades a 4,3 mil famílias. Em 2023 e 2024, nos dois
primeiros anos do atual governo Lula, mais 25,8 mil foram assentadas. A
tendência de queda mostra que já houve mais procura por terra.
É certo que ainda há espaço para pequenos e
médios produtores, sobretudo no abastecimento às cidades. Outro exemplo é a
rede de pequenos criadores de suínos e aves desenvolvida no Sul, para fornecer
a grandes frigoríficos. Mas também aí há alta tecnologia envolvida, com
garantia de uniformidade genética e alto padrão de qualidade para carnes e
embutidos. Ainda no Rio Grande do Sul, com apoio de crédito e agrônomos,
pequenas propriedades produzem arroz orgânico, cuja área plantada não chega a
0,6% do total no estado. Essa talvez continue a ser a principal vitrine do MST.
Mas nenhum ideólogo revolucionário do século passado imaginaria que grandes,
pequenos e médios proprietários conviveriam de forma integrada, alimentando
cadeias agroindustriais competitivas e rentáveis.
Com PEC e sem plano, Lula busca um feito na
segurança
Folha de S. Paulo
Texto tem boas ideias que já estão em lei,
mas não em prática; há risco de mudanças pela bancada linha dura do Congresso
Após quase um ano de estudos e debates, o
governo Luiz Inácio Lula da Silva
(PT) enfim enviou formalmente ao Congresso
Nacional sua proposta
de emenda constitucional (PEC) para a segurança pública.
Trata-se de um conjunto de medidas para o
setor, com o qual o governo petista e a esquerda de modo geral têm dificuldade
de lidar. Não à toa, a pauta vem sendo dominada pela agenda conservadora, que
advoga um programa linha dura que não raro descamba para abusos de força.
O texto enfrenta resistência de parte dos
governadores —alguns deles potenciais candidatos à Presidência em 2026.
Ademais, pode ser usado como palanque no Congresso para propostas conservadoras
ou reacionárias que piorem o que já é precário.
Em meio a
algumas poucas ideias bem-vindas, a PEC é de eficácia duvidosa porque se
pressupõe que constitucionalizar o tema mudaria a prática.
Parte dela pode ser implementada sem
necessidade de reforma da Carta. A medida, por exemplo, cristaliza no texto
constitucional o Sistema Único de Segurança Pública (Susp). Mas ele já consta
de lei desde 2018 e, mesmo assim, ainda não apresentou resultados expressivos.
Não é má ideia que protocolos de abordagem de
suspeitos, cursos de capacitação de agentes e sistemas de registros de
ocorrências sejam padronizados nacionalmente. Isso tudo, porém, também já
deveria ter saído do papel sem uma PEC.
Ao menos o trecho sobre a
constitucionalização do Fundo Nacional de Segurança Pública e do Fundo Nacional
Penitenciário, que integra a proposta, pode tornar mais garantidos os recursos
dos dois instrumentos.
O mesmo pode ser dito a respeito das
corregedorias e ouvidorias das polícias, cuja implementação pelos estados
passaria a ser obrigatória, embora o documento não detalhe as garantias de
autonomia dessas instituições.
Outras ações requerem um debate bem mais
aprofundado, e há dúvidas de que isso será feito no atual contexto em que as
peças do jogo eleitoral de 2026 já começam a se movimentar.
É o que se vê nas propostas de expandir a
atuação da Polícia
Rodoviária Federal e de incluir as Guardas Municipais no rol dos
órgãos de segurança —esta segue decisões recentes do Supremo Tribunal Federal (STF). É necessário
estabelecer de forma mais clara, por meio de discussão no Congresso e na
sociedade, os limites dessas novas atribuições.
Já a previsão de que a Polícia
Federal atue no combate a organizações criminosas e milícias privadas
é ponto pacífico.
Entre boas ideias e outras ineficazes, a PEC
não responde à principal pergunta: qual
é a política de segurança pública do governo federal? Em vez de gastar
o rarefeito capital político do presidente da República perante o Legislativo,
seria mais efetivo determinar diretrizes nacionais, indicadores e metas, não
apenas modificar o texto constitucional.
Invasões de abril
Folha de S. Paulo
MST retoma ofensiva de ações ilegais, de novo
contando com boa vontade de Lula; reforma agrária há muito perdeu impulso
Com boa dose de despudor, o Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) reserva um mês
do ano para intensificar as invasões de propriedades rurais, ilegalidades mal
disfarçadas com o nome de ocupações. Trata-se do Abril Vermelho, em curso neste
momento, cujo propósito declarado é pressionar o governo de turno a acelerar a reforma
agrária.
Note-se, entretanto, que a agressividade do
MST não é necessariamente proporcional à má vontade de Brasília com sua causa.
Ao longo dos quatro anos do mandato de Jair
Bolsonaro (PL),
por exemplo, contaram-se 62 invasões de terra. Já nas administrações do PT, partido que é
aliado desde sempre do movimento, as cifras são bem maiores.
Em 2023, primeiro ano do terceiro governo de
Luiz Inácio Lula da
Silva, foram 72, nos cálculos da Confederação Nacional da Agricultura (CNA).
No ano passado, mais 35; neste mês, já
se contam 20 apenas nos primeiros oito dias, no que parece ser um
recrudescimento da ofensiva.
Há muito de teatral nas ações do MST —exceto,
é claro, para quem tem sua propriedade invadida. Sob Lula, a agremiação tem a
oportunidade de recuperar algo de sua relevância política, há muito esvaziada
assim como o apelo da reforma agrária.
Tal política viveu seu auge nos dois
primeiros mandatos do petista (2003-2010), quando foram assentadas 614,1 mil
famílias, e nos do tucano Fernando
Henrique Cardoso (1995-2002), que beneficiou 540,7 mil. Foram tempos,
aliás, em que invasões de terras chegavam à casa das centenas anuais. A partir
de Dilma
Rousseff (PT), na década passada, as cifras caíram drasticamente.
Em parte, porque o dinheiro secou, dado que
desde então o Orçamento federal tem sido deficitário; em parte, pela influência
do ruralismo nos governos Michel Temer (MDB) e Bolsonaro.
Mas também, e não menos importante, porque faltam evidências de que aprofundar
a reforma agrária seria política social ou de desenvolvimento eficiente.
Decerto há taxas vexatórias de pobreza e
desigualdade no país, e no campo em particular, mas cumpre demonstrar a
conveniência de ampliar a população rural, a um custo elevado, enquanto a
produção agrícola se torna mais mecanizada e produtiva.
O governo petista, como de costume, prestigiará o movimento aliado com discursos, metas e promessas para o setor. Em contrapartida, colherá o desgaste de ser associado, por leniência, a ações ilegais, por vezes violentas, que não são repudiadas somente por radicais da direita.
Nova chance para a segurança pública
O Estado de S. Paulo
Nova versão da PEC da Segurança Pública é bom
ponto de partida para que o governo federal, os governos estaduais e o
Congresso construam uma política na área que traga paz aos brasileiros
O ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski,
reuniu-se com o presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta
(Republicanos-PB), e líderes de partidos para apresentar aos parlamentares a
nova versão da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Segurança Pública. Ao
que tudo indica, a reunião foi produtiva, ou ao menos a premência de uma
questão tão preocupante para a sociedade parece ter unido as legendas a
despeito de suas eventuais dissensões ideológico-programáticas. “Há uma
convergência e unanimidade sobre a urgência de tratar desse tema na Câmara dos
Deputados”, afirmou Motta logo após o encontro, informando ainda que a
segurança pública será “pauta prioritária” na agenda da Casa.
Tal como fora apresentada originalmente no
ano passado pelo governo federal, a PEC da Segurança Pública tinha problemas
que inviabilizavam seu avanço, a começar pelo principal deles, a imposição de
uma profunda repactuação federativa. De acordo com aquele texto, a União
passaria a ter mais poderes para agir em uma seara que há décadas está a cargo
dos Estados, razão pela qual a proposta não foi acolhida, a despeito de todo o
esforço de Lewandowski e do presidente Lula da Silva para engajar o Congresso e
os governos estaduais. Muitos governadores não aceitaram perder um naco do
poder que, a bem da verdade, a Constituição de 1988 lhes deu para formular e
implementar políticas de segurança em seus Estados.
À época, a PEC da Segurança Pública foi
vendida ao distinto público como a panaceia, como uma espécie de “bala de
prata” do governo Lula da Silva para resolver um problema para o qual,
historicamente, nem o presidente da República nem o PT jamais deram a
importância – ou, quando deram, foi no exato limite das conveniências
eleitorais de ocasião. Nada disso mudou essencialmente, afinal, não há vivalma
em Brasília que não considere que o tema da segurança pública será central na
campanha eleitoral de 2026.
Ademais, aos petistas não é dado o benefício
da dúvida de que teriam acordado para uma mazela que aflige milhões de
brasileiros e, enfim, passaram a pensar em soluções reais para diminuir a
percepção de insegurança que altera a vida nas grandes cidades brasileiras. Mas
agora há, sim, uma nova chance para que Executivo e Legislativo amadureçam o
texto e ofereçam ao País uma política de segurança verdadeiramente capaz de
trazer paz aos brasileiros.
O primeiro passo para que isso aconteça é o
abandono do que o presidente da Câmara chamou de “preconceito” e “vício de
iniciativa”, referindo-se à resistência de parlamentares da base e da oposição
a propostas legislativas não pelo que representam, mas em razão de quem as
propõe. Em prol do País e da segurança dos brasileiros que só querem sair de
casa, tocar suas vidas e voltar em segurança, governo federal, governos
estaduais e Congresso precisam se unir pela construção de uma política nacional
de segurança pública que a um tempo respeite as competências da União e dos
Estados e dê conta de enfrentar uma criminalidade cada vez mais sofisticada e
poderosa, bélica e financeiramente. O Estado brasileiro precisa ser mais
inteligente e incisivo do que aqueles que gastam somas inimagináveis de
dinheiro para subverter suas leis para auferir ganhos ainda mais substanciais.
Nesse sentido, a apresentação da nova versão
da PEC da Segurança Pública pode ser um bom ponto de partida para essa
concertação republicana, que, independentemente de colorações partidárias, deve
opor apenas os que estão ao lado das leis àqueles que vivem de rasgá-las.
Dito isso, nem a melhor política de segurança
do mundo irá produzir os resultados benfazejos que dela se espera se as forças
policiais, tanto as polícias ostensivas como as polícias judiciárias, não
estiverem rigorosamente comprometidas com as leis, a Constituição e os direitos
humanos, além de bem treinadas, equipadas e remuneradas. E garantir isso é e
continuará sendo, seja qual for o destino da PEC da Segurança Pública, uma
atribuição dos governadores.
Bolsonaro atrapalha o Brasil
O Estado de S. Paulo
As forças políticas deveriam se preocupar com
a crise global, e não com a ‘anistia’ a Bolsonaro. Está na hora de deixar a
Justiça cuidar do ex-presidente. O Brasil tem mais o que fazer
Jair Bolsonaro – aquele que é, segundo seus
bajuladores, o “grande líder da direita no Brasil”, timoneiro do PL, o maior
partido da Câmara – não tem nada a dizer sobre a profunda crise mundial
deflagrada pelo presidente dos EUA, Donald Trump. Nada. Seu único assunto é a
tal de “anistia” para os golpistas do 8 de Janeiro – e, por extensão, para si
mesmo. Enquanto o mundo derrete em meio à escabrosa confusão criada por Trump,
aliás ídolo de Bolsonaro, o ex-presidente mobiliza forças políticas para
encontrar meios de driblar a lei e a Constituição e livrar da cadeia os que
conspiraram para destruir a democracia depois das eleições de 2022, sob sua
liderança e inspiração.
Admita-se que talvez seja melhor mesmo que
Bolsonaro não dê palpite sobre o que está acontecendo, em primeiro lugar porque
ele não saberia o que dizer nem o que propor quando o assunto é relações
internacionais. Recorde-se que, em sua vergonhosa passagem como chefe de Estado
em encontros no exterior, ele só conseguia falar com os garçons. Mas o
ex-presidente poderia, neste momento de graves incertezas, ao menos mostrar
algum interesse pelo destino do país que ele diz estar “acima de tudo”. No
entanto, como sabemos todos os que acompanhamos sua trajetória política desde
os tempos em que era sindicalista militar, o Brasil nunca foi sua prioridade.
Mas o Brasil deveria ser prioridade de todos
os demais. O tema da “anistia” não deveria nem sequer ser discutido por gente
séria frente não só às turbulências globais do momento, mas a problemas
brasileiros incontornáveis que afligem de fato a população – como a inflação, a
violência, a saúde pública, os desafios educacionais, os caminhos para
assegurar desenvolvimento em bases sustentáveis ou os efeitos das mudanças
climáticas sobre a vida nas florestas e nas cidades.
Infelizmente, num Congresso que se mobiliza
de verdade quase sempre apenas para assegurar verbas e cargos, Bolsonaro está
em seu meio. Parece intuir que a liderança que exerce sobre sua numerosa base
popular basta para submeter os políticos pusilânimes a seus caprichos pessoais,
e é por isso que o ex-presidente dobrou a aposta, lançando repto às
instituições, reafirmando-se como candidato à Presidência – apesar de sua
inelegibilidade – e convocando os potenciais herdeiros políticos a se tornarem
cúmplices de seus ataques à democracia.
Bolsonaro está a todo vapor: além de
mobilizar parlamentares da oposição e fazer atos públicos e declarações quase
diárias sobre o tema, reuniu-se fora da agenda oficial com o presidente da
Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), para pressioná-lo a colocar em votação a
tal “anistia”. Embora esteja resistindo, o presidente da Câmara iniciou
conversas com integrantes do governo e do Supremo Tribunal Federal (STF),
pregando uma solução negociada entre os Poderes para reduzir a pena dos
condenados pelo 8 de Janeiro com o objetivo de “pacificar” o País. Como
demonstra não se preocupar de fato com a massa de vândalos do 8 de Janeiro e
sim com a própria absolvição, Bolsonaro chegou a minimizar a importância de uma
eventual revisão da dosimetria pelo STF. Disse que só lhe interessa a “anistia
ampla, geral e irrestrita” – obviamente uma piada de mau gosto.
Já que a maioria dos brasileiros é contra a
anistia, segundo recentes pesquisas, as patranhas do ex-presidente seriam
apenas irrelevantes caso se resumissem a ele e ao clã Bolsonaro. Mas é
perturbador observar que algumas das principais autoridades do Brasil estão
realmente se dedicando ao tema. O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas,
por exemplo, encontrou tempo em sua decerto atarefada rotina para ligar
pessoalmente a todos os deputados do seu partido com o objetivo de convencê-los
a assinar o requerimento de urgência para o projeto de anistia, como se isso
fosse de fato relevante para os paulistas.
Não é. Se Bolsonaro for condenado e preso, e
se os golpistas forem todos punidos, rigorosamente nada vai mudar no País. No
entanto, se as forças políticas do Brasil não se mobilizarem rapidamente para
enfrentar o novo e turbulento mundo que acaba de surgir, aí, sim, os
brasileiros sofreremos todos. Está na hora de deixar a Justiça cuidar de
Bolsonaro e seguir adiante. O Brasil tem mais o que fazer.
Suprema Corte freia Trump
O Estado de S. Paulo
Revés do presidente no caso de um deportado
por ‘engano’ mostra seus limites
A Suprema Corte dos EUA endossou a decisão de
uma juíza distrital do Estado de Maryland e determinou que o governo de Donald
Trump “facilite” o retorno de um imigrante deportado “por engano” para El
Salvador, país governado pelo populista Nayib Bukele, um admirador do
presidente americano.
Kilmar Abrego Garcia, que vivia e trabalhava
legalmente nos EUA, foi detido por agentes de imigração no início de março. Uma
ordem judicial de 2019 supostamente o protegia de ser deportado para seu país
de origem, justamente El Salvador, agora convertido em depósito dos imigrantes
que Trump expulsa sob a controvertida política de limpar a América de gente de
“gene ruim”.
Embora Trump enxergue a maioria dos
imigrantes como uma classe inferior e predisposta ao crime, eles obviamente não
são. E mesmo aquela minoria que é de fato criminosa tem direitos, que a atual
gestão insiste em ignorar.
O caso de Garcia, contudo, é ainda mais
estarrecedor porque o próprio governo, que primeiro acusou o deportado de ter
envolvimento com uma das perigosas gangues salvadorenhas, admitiu que a
deportação ocorreu por um “erro administrativo”, ressaltando, porém, que nada
mais poderia fazer a respeito.
É justamente isso o que a decisão da Suprema
Corte – que, lembre-se, é formada por uma maioria conservadora – busca reparar.
Após idas e vindas, os juízes do mais alto tribunal do país impuseram, por
unanimidade, um freio aos arroubos do presidente, que nesta segunda passagem
pela Casa Branca vem se notabilizando por ações extremamente mais erráticas e
impetuosas que aquelas que caracterizaram seu primeiro governo.
O excesso de voluntarismo, contudo, começa a
despertar vozes críticas mesmo entre as fileiras trumpistas. Foi o que se viu
recentemente entre bilionários que apoiaram a campanha presidencial do
republicano, mas que diante da sangria dos mercados, por conta da imposição de
tarifas protecionistas draconianas, permitiram-se deixar claro que a
impetuosidade de Trump custará caro, em especial aos norte-americanos.
Não é que as vozes dissonantes entre os
apoiadores de Trump discordem por completo do presidente, mas elas deixaram
óbvio que perder dinheiro não é um desvario que estejam dispostas a tolerar
silenciosamente.
Agora é a Suprema Corte – que na visão de
Trump está lá apenas para referendar seus caprichos – que sinaliza que há
limites que não podem ser ultrapassados. A deportação de um cidadão com status
legal e protegido por ordem judicial não é algo que se corrige só com a
admissão de “erro”, mas com o retorno imediato do deportado.
Por se tratar de Trump, notório por fazer o
lhe dá na telha, é esperado que, mesmo com a determinação da Suprema Corte,
instituições aparelhadas como o Departamento de Justiça protelem o retorno de
Garcia.
Ainda assim, ao ignorar apoiadores no mercado financeiro e tratar decisões judiciais como chacota, o presidente amplia fissuras em sua própria base. Não há manual de guerra que chancele essa estratégia.
Supersafra pode mitigar tarifaço
Correio Braziliense
A combinação de uma safra recorde e a
reconfiguração do comércio global devido à guerra tarifária entre EUA e China
possibilita ao Brasil fortalecer sua presença no mercado internacional de
commodities agrícolas
Muita calma nessa hora. O dito popular
sintetiza a forma equilibrada e prudente com que o governo brasileiro vem
atuando desde o tarifaço do presidente Donald Trump, que deflagrou uma guerra
comercial com a China cujos efeitos ainda são imprevisíveis para a economia
mundial. Há bons motivos para a cautela, porque a posição geopolítica do Brasil
e nossa vocação natural de produtor de alimentos e minérios nas cadeias de
valor do comércio mundial podem mitigar efeitos negativos dessa crise, que
também gera oportunidades.
No caso dos alimentos, essa oportunidade é
real, uma vez que o tarifaço oferece uma vantagem competitiva para o Brasil
como exportador de grãos e proteínas. Ainda mais diante da supersafra
(2024/2025) prevista pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). A
expectativa é de que o país chegue a um recorde de 330,3 milhões de toneladas,
representando um aumento de 10,9% em relação ao ciclo anterior. Esse
crescimento é impulsionado por uma maior área plantada e condições climáticas
favoráveis, especialmente para a soja, cuja produção está projetada em 167,9
milhões de toneladas: 20,1 milhões a mais do que na safra passada.
A combinação de uma safra recorde e a
reconfiguração do comércio global devido à guerra tarifária entre EUA e China
possibilita ao Brasil fortalecer sua presença no mercado internacional de
commodities agrícolas, especialmente na soja. Essa guerra já tem gerado
oportunidades para o agronegócio brasileiro. Recentemente, processadores
chineses adquiriram cerca de 40 navios de soja do Brasil em apenas três dias,
volume equivalente a um mês e meio de comércio habitual entre os dois países.
Além disso, a China respondeu por 77% das exportações brasileiras de soja em
março, totalizando 15,7 milhões de toneladas. As projeções para 2025 indicam um
potencial de exportação de até 110 milhões de toneladas, o que representaria um
recorde histórico para o país.
Além da China, o agronegócio brasileiro pode
mirar outros mercados estratégicos para diversificar suas exportações,
aproveitando o novo cenário global. A Índia, com a maior população do mundo e
crescente demanda por alimentos, especialmente grãos, óleo vegetal e carnes, é
um potencial comprador de milho, soja, açúcar e etanol brasileiros. Os indianos
também buscam diversificar fornecedores.
No Sudeste Asiático (Indonésia, Vietnã,
Tailândia e Filipinas), as economias em acelerado processo de modernização e
crescimento demandam o consumo de proteínas e óleos vegetais, o que também
favorece nossos produtores de soja, milho, carnes (aves e suínos), algodão e
óleo de soja. No Oriente Médio e na África, inclusive a Subsaariana, igualmente
surgem oportunidades para exportação de milho, trigo, açúcar, carnes, feijão e
arroz.
Apesar das duras restrições ambientais,
avançam as negociações com a União Europeia para celebração do acordo com o
Mercosul, do qual o Brasil é grande artífice. Mercado exigente, com alto poder
aquisitivo, tem enorme potencial de destino para produtos certificados e
sustentáveis, como café, cacau, carnes premium e orgânicos. México e Canadá
também são fronteiras que se tornaram economicamente mais próximas para nossos
produtos, principalmente milho, soja, carne de frango, açúcar e café.
Por tudo isso, há que se ter calma e perspicácia para enxergar alternativas positivas num ambiente de muita confusão.
PL mantém em pauta discussão da anistia
O Povo
Precisa ficar esclarecido que não pode haver
impunidade para quem praticou atentados contra a democracia
O Partido Liberal (PL) garante já ter
conseguido o número suficiente de assinaturas para apresentar o pedido de
tramitação, em regime de urgência, do projeto que anistia os participantes dos
atos golpistas de 8 de janeiro de 2023. Segundo o presidente do PL na Câmara,
Sóstenes Cavalcante, a petição já tem mais de 257 assinaturas, o número mínimo
exigido para o partido requerer o pedido de urgência.
No entanto, o direito de apresentar o pedido
não significa que a urgência será automática. Para que isso aconteça, será
necessário que o presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta
(Republicanos-PB), paute o requerimento para que seja votado em plenário, que
precisará também de 257 votos para confirmar o regime de urgência. Se for à
votação, certamente haverá pressão do governo sobre deputados da base que
assinaram o pedido de urgência, um número calculado entre 70 e 100
parlamentares.
Mas, sem dúvida, o PL conseguiu dar mais um
passo na campanha que move para anistiar aqueles que participaram de uma
tentativa de golpe de Estado.
O ex-presidente Jair Bolsonaro comemorou o
feito do PL, mas criticou "alguns que falam em modular a pena",
afirmando à CNN que "o caminho é a anistia". A declaração de
Bolsonaro soa como uma resposta a Hugo Motta, que resiste em pautar a anistia,
mas defende que a pena aos que praticaram os atos de vandalismo sejam
reduzidas. Ele já teria discutido o assunto com Lula e com ministros do Supremo
Tribunal Federal (STF).
Hugo Motta tem um argumentos fortes para
rejeitar a tramitação do projeto de anistia. Para ele, essa é uma pauta que não
unifica o país, travando votações importantes no Congresso Nacional, que fica
girando em falso em torno desse tema. Além disso, pesquisa, divulgada em 7/4,
mostra que a maioria da população manifesta-se contra a anistia aos golpistas.
Segundo levantamento do instituto Datafolha, 56% dos brasileiros são contra a
anistia, e 53% entendem que o ex-presidente Jair Bolsonaro deveria ser preso por
tentativa de golpe de Estado.
Outro obstáculo que se põe para que o projeto
da anistia entre em pauta é que Hugo Motta não quer indispor-se com o STF. Caso
seja aprovado na Câmara, certamente haverá recurso ao Judiciário, sob o
argumento que seria inconstitucional o perdão a quem participou de uma
tentativa de golpe de Estado. E há indicativos fortes que a maioria do STF
concorda com essa tese.
O fato é que a anistia parece uma proposta
fadada a naufragar, mas, reconheça-se, o PL consegue manter à tona essa
discussão. No entanto, o que precisa ficar ainda mais cristalino, é que não
pode haver impunidade para quem pratica atentados contra a democracia.
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