sábado, 19 de abril de 2025

Trump repete erro da década de 1930 - Fareed Zakaria

O Estado de S. Paulo

EUA vivem nostalgia, que olha com receio para o passado, em vez de mirar o futuro com confiança

Estamos tributando todo o país para subsidiar os 8% que trabalham com manufatura

Quando Donald Trump tomou posse, pela maioria dos indicadores, os EUA eram a economia mais forte do mundo. O crescimento era robusto, o desemprego estava um pouco acima do mínimo histórico, a inflação havia caído para um nível controlável e a produtividade – elixir da economia – havia aumentado. Trump pegou a economia em expansão e a derrubou com aumentos de tarifas. Já houve algo parecido antes?

Bem, nada tão autodestrutivo, mas as tarifas Smoot-Hawley também foram impostas depois de uma década de crescimento inebriante. Vale a pena relembrar essa história, porque há paralelos surpreendentes com a situação atual.

Lembramos a década de 1920 como os “loucos anos 20”. Em termos econômicos, isso é apropriado. A taxa de crescimento anual foi superior a 4%. O desemprego permaneceu baixo durante a maior parte dela. Inovações revolucionárias definiram o período, permitindo a produção em massa de carros, aviões, telefones, rádios e filmes. A televisão nasceu nessa época, assim como os band aids, que muitos consideraram a melhor coisa desde o pão fatiado, também inventado nessa época.

Henry Ford aperfeiçoou o sistema de produção em massa que definiu a manufatura moderna por décadas. O sentimento em relação aos anos 20 era de celebração pela criação de uma nova economia, assim como as décadas de 1990 e 2000.

Mas havia outra história sobre aquela década, que tratava do esvaziamento de um setor americano central, da remessa de empregos para o exterior e da perda da alma do país. A agricultura estava no centro da economia americana, respondendo pela maior parte da força de trabalho até o fim do século 19.

Mesmo em 1900, 40% da força de trabalho americana estava no setor agrícola. O país era definido por seus fazendeiros. Cada um dos primeiros presidentes americanos – Washington, Adams, Jefferson – possuía fazendas. Mas o aumento da produção industrial resultou na erosão desse cenário.

MUDANÇA. Em 1920, mais da metade do país havia se mudado para as cidades, e só 26% dos americanos trabalhavam na agricultura. O estilo de vida americano estava em perigo.

O primeiro grande movimento populista dos EUA nasceu no final do século 19, em resposta ao declínio da agricultura. Por um breve período, ele conquistou o Partido Democrata, com o ardente orador populista William Jennings Bryan tornando-se três vezes o candidato do partido à presidência.

Na década de 1920, o movimento havia se enfraquecido e se movido para facções minoritárias de democratas e republicanos. Ele voltou a ganhar terreno quando a agricultura foi atingida durante a década de 1920. Isso aconteceu porque após os anos de expansão da 1.ª Guerra – quando os EUA alimentaram uma Europa em guerra – houve uma queda acentuada na demanda quando as fazendas da Europa voltaram a produzir.

O establishment republicano se opôs aos subsídios e à lei de apoio aos preços que beneficiava a agricultura. Calvin Coolidge vetou medidas que ajudavam os agricultores nos anos 1920. Mas, em 1930, após o crash da bolsa, os republicanos de Estados agrícolas estavam convencidos de que os agricultores precisavam de apoio.

Eles se aliaram a legisladores que queriam proteger o setor industrial e produziram um “grande e belo projeto de lei” que aumentava as tarifas industriais e agrícolas. Mais de mil economistas escreveram uma carta aberta ao presidente Herbert Hoover pedindo que ele não assinasse o projeto, porque aumentaria os preços e prejudicaria as exportações. Mas Hoover assinou.

A reação global foi semelhante à atual. Os países ficaram indignados, muitos retaliaram e aqueles com laços econômicos mais estreitos com os EUA responderam com mais força. As tarifas abalaram as relações com o Canadá. O surto de protecionismo enfureceu os canadenses, que retaliaram com suas próprias tarifas. O nacionalismo canadense aumentou e, nas eleições daquele ano – um paralelo assustador – o partido visto como o mais antiamericano venceu.

NOSTALGIA. Os estudiosos discordam sobre os efeitos das tarifas Smoot-Hawley. Atualmente, poucos argumentam, como no passado, que elas causaram a Grande Depressão, mas muitos dizem que elas a exacerbaram. O que ninguém discute é que elas não preservaram os empregos dos agricultores. Hoje, a agricultura emprega 1% da força de trabalho do país.

No século 20, considerávamos a agricultura como algo especial. É importante cultivar coisas. Por isso, tributamos o país inteiro para proteger os agricultores. No século 21, temos opiniões semelhantes sobre a manufatura. É importante fabricar coisas.

Portanto, estamos tributando todo o país, mais de 80% do qual trabalha com serviços, para subsidiar os 8% que trabalham com manufatura. É uma política de nostalgia, que olha com receio para o passado, em vez de mirar o futuro com confiança.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.