O Estado de S. Paulo
EUA vivem nostalgia, que olha com receio para
o passado, em vez de mirar o futuro com confiança
Estamos tributando todo o país para subsidiar os 8% que trabalham com manufatura
Quando Donald Trump tomou posse, pela maioria
dos indicadores, os EUA eram a economia mais forte do mundo. O crescimento era
robusto, o desemprego estava um pouco acima do mínimo histórico, a inflação
havia caído para um nível controlável e a produtividade – elixir da economia –
havia aumentado. Trump pegou a economia em expansão e a derrubou com aumentos
de tarifas. Já houve algo parecido antes?
Bem, nada tão autodestrutivo, mas as tarifas
Smoot-Hawley também foram impostas depois de uma década de crescimento
inebriante. Vale a pena relembrar essa história, porque há paralelos
surpreendentes com a situação atual.
Lembramos a década de 1920 como os “loucos anos 20”. Em termos econômicos, isso é apropriado. A taxa de crescimento anual foi superior a 4%. O desemprego permaneceu baixo durante a maior parte dela. Inovações revolucionárias definiram o período, permitindo a produção em massa de carros, aviões, telefones, rádios e filmes. A televisão nasceu nessa época, assim como os band aids, que muitos consideraram a melhor coisa desde o pão fatiado, também inventado nessa época.
Henry Ford aperfeiçoou o sistema de produção
em massa que definiu a manufatura moderna por décadas. O sentimento em relação
aos anos 20 era de celebração pela criação de uma nova economia, assim como as
décadas de 1990 e 2000.
Mas havia outra história sobre aquela década,
que tratava do esvaziamento de um setor americano central, da remessa de
empregos para o exterior e da perda da alma do país. A agricultura estava no
centro da economia americana, respondendo pela maior parte da força de trabalho
até o fim do século 19.
Mesmo em 1900, 40% da força de trabalho
americana estava no setor agrícola. O país era definido por seus fazendeiros.
Cada um dos primeiros presidentes americanos – Washington, Adams, Jefferson –
possuía fazendas. Mas o aumento da produção industrial resultou na erosão desse
cenário.
MUDANÇA. Em 1920, mais da metade do país
havia se mudado para as cidades, e só 26% dos americanos trabalhavam na
agricultura. O estilo de vida americano estava em perigo.
O primeiro grande movimento populista dos EUA
nasceu no final do século 19, em resposta ao declínio da agricultura. Por um
breve período, ele conquistou o Partido Democrata, com o ardente orador
populista William Jennings Bryan tornando-se três vezes o candidato do partido
à presidência.
Na década de 1920, o movimento havia se
enfraquecido e se movido para facções minoritárias de democratas e
republicanos. Ele voltou a ganhar terreno quando a agricultura foi atingida
durante a década de 1920. Isso aconteceu porque após os anos de expansão da 1.ª
Guerra – quando os EUA alimentaram uma Europa em guerra – houve uma queda
acentuada na demanda quando as fazendas da Europa voltaram a produzir.
O establishment republicano se opôs aos
subsídios e à lei de apoio aos preços que beneficiava a agricultura. Calvin
Coolidge vetou medidas que ajudavam os agricultores nos anos 1920. Mas, em
1930, após o crash da bolsa, os republicanos de Estados agrícolas estavam
convencidos de que os agricultores precisavam de apoio.
Eles se aliaram a legisladores que queriam
proteger o setor industrial e produziram um “grande e belo projeto de lei” que
aumentava as tarifas industriais e agrícolas. Mais de mil economistas
escreveram uma carta aberta ao presidente Herbert Hoover pedindo que ele não
assinasse o projeto, porque aumentaria os preços e prejudicaria as exportações.
Mas Hoover assinou.
A reação global foi semelhante à atual. Os
países ficaram indignados, muitos retaliaram e aqueles com laços econômicos
mais estreitos com os EUA responderam com mais força. As tarifas abalaram as
relações com o Canadá. O surto de protecionismo enfureceu os canadenses, que
retaliaram com suas próprias tarifas. O nacionalismo canadense aumentou e, nas
eleições daquele ano – um paralelo assustador – o partido visto como o mais
antiamericano venceu.
NOSTALGIA. Os estudiosos discordam sobre os
efeitos das tarifas Smoot-Hawley. Atualmente, poucos argumentam, como no
passado, que elas causaram a Grande Depressão, mas muitos dizem que elas a
exacerbaram. O que ninguém discute é que elas não preservaram os empregos dos
agricultores. Hoje, a agricultura emprega 1% da força de trabalho do país.
No século 20, considerávamos a agricultura
como algo especial. É importante cultivar coisas. Por isso, tributamos o país
inteiro para proteger os agricultores. No século 21, temos opiniões semelhantes
sobre a manufatura. É importante fabricar coisas.
Portanto, estamos tributando todo o país, mais de 80% do qual trabalha com serviços, para subsidiar os 8% que trabalham com manufatura. É uma política de nostalgia, que olha com receio para o passado, em vez de mirar o futuro com confiança.
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