Parece-me essencial separar
o que há de jogo político e ideológico nesta história da esfera objetiva dos
interesses e objetivos econômicos.
Achar que tudo que estamos vivendo - às vezes mais parece mistura de realismo fantástico com uma ópera bufa - é fruto apenas de um personagem inusitado, imprevisível, exótico, destemperado, grosseiro, mentiroso, ousado, autoritário, me parece no mínimo superficial e equivocado. Embora Donald Trump mereça cada um desses adjetivos.
Trump ressurgiu, em 2024, com
o perfil de um super-herói, que colocaria os EUA em primeiro lugar e faria a
América grande novamente. Para isto não disfarça seus ímpetos imperialistas; o
uso da chantagem aberta; o desconforto com os ritos democráticos e republicanos
de compartilhamento do poder com o Congresso e o Poder Judiciário; a retórica
ufanista e o uso de fake news e bravatas.
Precisa permanentemente
alimentar a bolha de fiéis seguidores, que enxergam nele o mensageiro de uma
nova hegemonia americana e o supremo líder da direita conservadora autoritária
mundial.
Por outro lado, os EUA ainda são a maior
economia do mundo. No entanto, têm um mega déficit fiscal de mais de US$ 1,9
trilhões ao ano; uma dívida de 120,9% de seu PIB, em veloz crescimento; e, a
perspectiva de agravamento com o último pacote de corte de impostos e gastos,
proposto por Trump e aprovado por exígua maioria pelo Congresso americano, que
resultará num desequilíbrio adicional de US$ 3,3 trilhões, em 10 anos. A
arrecadação com as novas tarifas estão, inclusive, ajudando a amenizar esse
rombo fiscal.
Além disso, os EUA têm um
déficit comercial que bateu nos US$ 918,4, em 2024. Os dois déficits gêmeos
exigem a manutenção do dólar como moeda padrão nas transações internacionais.
Por isso, as tratativas no âmbito dos BRICs sobre vias alternativas incomodam
tanto.
Também a defesa das empresas
americanas, como as Big Techs, e a obstrução à construção de uma futura
hegemonia chinesa são objetivos centrais na estratégia de Trump. A postura do
governo e do judiciário brasileiros frente as grandes empresas do mundo digital
e a prática do multilateralismo e a busca de parcerias alternativas pela
diplomacia brasileira estão também por trás da reação americana.
Nada justifica, no entanto,
a quebra de uma aliança histórica; ameaçar nossa soberania; imiscuir-se em
questões institucionais e políticas internas; usar tarifas de comercio exterior
como ferramentas de chantagem. No caso brasileiro, tudo é injustificável, já
que o Brasil, há anos, acumula déficits comerciais contra os EUA.
Cautela, firmeza, habilidade
e diálogo com segmentos da economia americana afetados pelas verdadeiras
sanções impostas ao Brasil é o caminho. Pode haver deflação, juros menores,
desemprego, queda das exportações, aqui. Pode haver inflação e desorganização
de alguns segmentos lá. Mas não é cancelando o visto de sete membros de nosso
STF ou impondo tarifas de importação absurdas ao Brasil, que reconstruiremos os
laços históricos de cooperação entre Brasil e EUA.
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