segunda-feira, 28 de julho de 2025

Banquete para poucos - Amarílio Macêdo

O Estado de S. Paulo

É urgente acabar com o fosso da desigualdade decorrente da concentração inconsequente de riqueza

Nós brasileiros fomos historicamente divididos em dois blocos de pessoas, como se fossem predestinados a serem eternamente incompatíveis entre si: um, formado por afortunados, insensíveis na sua maioria às questões da pobreza, e o outro, constituído pelos desprovidos das condições mais essenciais de sobrevivência e privados de direitos aos acessos viabilizadores da dignidade e da emancipação humana.

Afortunados aqui são todos os que arbitram em causa própria, por vias diretas ou indiretas, os acessos para se apropriarem do que é gerado pela coletividade. Como coletividade, estou considerando a somatória dos que vivem sob as mesmas regras, em que uma minoria se apropria da maior parte do que resulta dos processos produtivos, tais como bens, serviços, cultura, lazer, proteção social, e tantos outros que deveriam ser compartilhados entre todos os que contribuem para a sua produção.

Tudo em nome da meritocracia, palavra muito falada pelos parcos privilegiados que não se julgam pelo mérito, mas pela hereditariedade e que definem como deve ser a partilha do que é vital para todos. O rigor no mérito só é cobrado dos outros, daqueles que não são beneficiados com a equidade nas oportunidades e que, em consequência, ficam impossibilitados de participarem das verdadeiras competições.

Na forma como essa partilha é feita, poucos são os aquinhoados com o que resulta da produção realizada pela esmagadora maioria da população ativa. Empresários têm isenções fiscais de cerca de R$ 587 bilhões, enquanto isso, o maior programa social do Brasil, o Bolsa Família, é rejeitado pela maioria da minoria; o que dá uma ideia do quão desigual é a repartição da riqueza produzida no País.

Uma das providências necessárias para reduzir a apartação social brasileira é acabar de vez com o incentivo fiscal enviesado, aplicado como muleta ou privilégio. O País não suporta mais essa prática com o dinheiro desses incentivos gerado por impostos pagos pelo conjunto das empresas e das pessoas físicas, ricas, pobres e indigentes, como recompensa pelo que o Estado oferece para assegurar o convívio social, as bases educacionais, a proteção sanitária e as condições infraestruturais de produção.

Não estou fazendo apologia à igualdade na distribuição de riqueza nem na posse de bens materiais, mas na igualdade de oportunidades de acesso aos instrumentos de mobilidade econômica, social e cultural. A escola do rico tem de ser igual à escola do pobre.

Temos um dilema nessa questão da desigualdade. Os beneficiários da acumulação da riqueza, geralmente, não aceitam qualquer medida governamental que retire a mínima fração de seu quinhão para atenuar a situação dos que nada ou quase nada têm. Até as propostas mais racionais, como a que visa cobrar um pouco mais de imposto de pessoas com alta renda, para compensar a isenção do pagamento de Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil vêm sendo combatidas por parlamentares representantes dos interesses da minoria privilegiada.

O discurso sobre a necessidade de redução de despesas para equilibrar as contas públicas é reverberado nas instâncias parlamentares, judiciárias e executivas, mas ninguém quer cortar na própria carne. Alguns parlamentares não aceitam sequer falar em redução ou comprometimento da aplicação do dinheiro de emendas de forma coerente com políticas públicas, membros do Judiciário mudam de assunto quando o tema é eliminação dos “penduricalhos” e integrantes dos Poderes Executivos, não tomam medidas efetivas para cortar certos gastos, inclusive determinados benefícios fiscais.

A defesa destes privilégios assemelha-se a um banquete em que os comensais se recusam aceitar à mesa quem já não esteja nela há muito tempo. Fruto de uma mentalidade colonial e escravagista renitente, esse comportamento só permite aos que estão fora da mesa as migalhas que caiam dela ou as sobras resultantes do desperdício ostentatório.

Entre os agravantes do processo de desigualdade está o progressivo aumento da concentração de renda resultante do rentismo, que nada produz de riqueza real, enquanto enriquece muitos com um dinheiro estéril. Este é um tipo de sistema que funciona como uma solitária a comer o corpo por dentro, enfraquecendo o organismo social.

O mundo está diante de uma encruzilhada formada pela radicalização da disputa geopolítica e pela necessidade de uma reconciliação que promova o respeito nas relações entre países. É mandatório controlar os ímpetos que decorrem de conflitos históricos que contaminam fronteiras e territórios econômicos, culturais e religiosos.

Nesse cenário, o Brasil pode ser um exemplo de país que tem tudo para promover a inclusão de brasileiros e abrir portas para imigrantes, como tem feito secularmente. Para isso, é urgente acabar com o fosso da desigualdade decorrente da concentração inconsequente de riqueza, que penaliza a imensa maioria de sua população e trava a dinâmica de um desenvolvimento sustentado, que pode ampliar sua capacidade de fazer a inclusão dos que já vivem aqui e de acolher a quem venha de fora.

 

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