O Estado de S. Paulo
É urgente acabar com o fosso da desigualdade
decorrente da concentração inconsequente de riqueza
Nós brasileiros fomos historicamente
divididos em dois blocos de pessoas, como se fossem predestinados a serem
eternamente incompatíveis entre si: um, formado por afortunados, insensíveis na
sua maioria às questões da pobreza, e o outro, constituído pelos desprovidos
das condições mais essenciais de sobrevivência e privados de direitos aos
acessos viabilizadores da dignidade e da emancipação humana.
Afortunados aqui são todos os que arbitram em causa própria, por vias diretas ou indiretas, os acessos para se apropriarem do que é gerado pela coletividade. Como coletividade, estou considerando a somatória dos que vivem sob as mesmas regras, em que uma minoria se apropria da maior parte do que resulta dos processos produtivos, tais como bens, serviços, cultura, lazer, proteção social, e tantos outros que deveriam ser compartilhados entre todos os que contribuem para a sua produção.
Tudo em nome da meritocracia, palavra muito
falada pelos parcos privilegiados que não se julgam pelo mérito, mas pela
hereditariedade e que definem como deve ser a partilha do que é vital para
todos. O rigor no mérito só é cobrado dos outros, daqueles que não são
beneficiados com a equidade nas oportunidades e que, em consequência, ficam
impossibilitados de participarem das verdadeiras competições.
Na forma como essa partilha é feita, poucos
são os aquinhoados com o que resulta da produção realizada pela esmagadora
maioria da população ativa. Empresários têm isenções fiscais de cerca de R$ 587
bilhões, enquanto isso, o maior programa social do Brasil, o Bolsa Família, é
rejeitado pela maioria da minoria; o que dá uma ideia do quão desigual é a
repartição da riqueza produzida no País.
Uma das providências necessárias para reduzir
a apartação social brasileira é acabar de vez com o incentivo fiscal enviesado,
aplicado como muleta ou privilégio. O País não suporta mais essa prática com o
dinheiro desses incentivos gerado por impostos pagos pelo conjunto das empresas
e das pessoas físicas, ricas, pobres e indigentes, como recompensa pelo que o
Estado oferece para assegurar o convívio social, as bases educacionais, a
proteção sanitária e as condições infraestruturais de produção.
Não estou fazendo apologia à igualdade na
distribuição de riqueza nem na posse de bens materiais, mas na igualdade de
oportunidades de acesso aos instrumentos de mobilidade econômica, social e
cultural. A escola do rico tem de ser igual à escola do pobre.
Temos um dilema nessa questão da
desigualdade. Os beneficiários da acumulação da riqueza, geralmente, não
aceitam qualquer medida governamental que retire a mínima fração de seu quinhão
para atenuar a situação dos que nada ou quase nada têm. Até as propostas mais
racionais, como a que visa cobrar um pouco mais de imposto de pessoas com alta
renda, para compensar a isenção do pagamento de Imposto de Renda para quem
ganha até R$ 5 mil vêm sendo combatidas por parlamentares representantes dos
interesses da minoria privilegiada.
O discurso sobre a necessidade de redução de
despesas para equilibrar as contas públicas é reverberado nas instâncias
parlamentares, judiciárias e executivas, mas ninguém quer cortar na própria
carne. Alguns parlamentares não aceitam sequer falar em redução ou
comprometimento da aplicação do dinheiro de emendas de forma coerente com
políticas públicas, membros do Judiciário mudam de assunto quando o tema é
eliminação dos “penduricalhos” e integrantes dos Poderes Executivos, não tomam
medidas efetivas para cortar certos gastos, inclusive determinados benefícios
fiscais.
A defesa destes privilégios assemelha-se a um
banquete em que os comensais se recusam aceitar à mesa quem já não esteja nela
há muito tempo. Fruto de uma mentalidade colonial e escravagista renitente,
esse comportamento só permite aos que estão fora da mesa as migalhas que caiam
dela ou as sobras resultantes do desperdício ostentatório.
Entre os agravantes do processo de
desigualdade está o progressivo aumento da concentração de renda resultante do
rentismo, que nada produz de riqueza real, enquanto enriquece muitos com um
dinheiro estéril. Este é um tipo de sistema que funciona como uma solitária a
comer o corpo por dentro, enfraquecendo o organismo social.
O mundo está diante de uma encruzilhada
formada pela radicalização da disputa geopolítica e pela necessidade de uma
reconciliação que promova o respeito nas relações entre países. É mandatório
controlar os ímpetos que decorrem de conflitos históricos que contaminam
fronteiras e territórios econômicos, culturais e religiosos.
Nesse cenário, o Brasil pode ser um exemplo
de país que tem tudo para promover a inclusão de brasileiros e abrir portas
para imigrantes, como tem feito secularmente. Para isso, é urgente acabar com o
fosso da desigualdade decorrente da concentração inconsequente de riqueza, que
penaliza a imensa maioria de sua população e trava a dinâmica de um
desenvolvimento sustentado, que pode ampliar sua capacidade de fazer a inclusão
dos que já vivem aqui e de acolher a quem venha de fora.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.