quinta-feira, 3 de julho de 2025

Brics: a busca da agenda concreta - Míriam Leitão

O Globo

Mesmo com a sombra dos conflitos globais, o desejo do Brasil na presidência do bloco é ter uma pauta para enfrentamento de problemas reais

Os negociadores que preparam a reunião de cúpula do Brics estão tentando fechar declarações à parte sobre três assuntos: saúde, clima e inteligência artificial. Isso além da declaração conjunta dos chefes de Estado. O objetivo do Brasil é fortalecer a agenda de desenvolvimento nos debates e buscar avanços concretos. Mesmo assim, a sombra dos conflitos globais estará presente. O presidente do Irã, Masoud Pezeshkian, não virá mais. Ele chegou a confirmar a presença logo após o ataque de Israel, mas quando houve o bombardeio americano, avisou que não poderia deixar o país.

O que o Brasil quer é menos geopolítica e mais agenda de desenvolvimento que foque na natureza econômica do bloco. Um diplomata que está no centro da negociação dos documentos me explicou a visão brasileira.

— Para nós, é essencial discutir o combate às doenças da pobreza, que são negligenciadas, como tuberculose, malária, hanseníase, zika, dengue. Morrem no mundo por ano 700 mil a 800 mil pessoas por malária. Todas essas doenças incidem mais justamente sobre o mundo em desenvolvimento. E não interessam à indústria farmacêutica.

Entre os negociadores, a avaliação é que o encontro preparatório de saúde foi muito positivo e será bem possível que se consiga montar uma parceria da mesma forma que foi feita no G20 com a Aliança Global contra a Fome. Agora seria uma aliança na saúde. No governo, garante-se que não há qualquer vontade do Brasil de que o Brics vire um bloco antiocidental.

— A revista “The Economist” disse que, na presidência do Brasil, o Brics está se concentrando em temas inócuos. Então clima, saúde, inteligência artificial são inócuos? Só tem interesse o tema geopolítico? — argumentou um embaixador brasileiro.

O professor de Relações Internacionais da USP, Feliciano Guimarães, também discorda da revista e acha que houve exagero.

— O Brasil está deste lado do Atlântico, tem ligação histórica com o Ocidente. Não é da nossa intenção fazer do Brics algo diferente daquilo que ele era na sua origem, um grupo de quatro países, depois cinco, insatisfeitos com a governança global. Estar no mesmo bloco aumenta a relação entre os países.

Na questão do clima, a preocupação do Brasil é que o país será a sede da COP e até agora apenas 22 países entregaram as suas NDCs (metas nacionais de corte de emissões) no prazo estabelecido, que era fevereiro. Prorrogou-se para setembro. Mas o desinteresse, somado à saída dos Estados Unidos do Acordo de Paris, incomoda. Aqui dentro os interesses contrariados pela política ambiental estão cada vez mais agressivos, e essa histeria desaba sobre a ministra Marina Silva, que ontem enfrentou mais uma cena grotesca no Congresso.

Outra prioridade do Brasil nesta reunião, e isso tem sido uma orientação direta do presidente da República, é que o Brics seja um instrumento positivo para a sobrevivência do multilateralismo. Vários sistemas internacionais estão sob a ameaça. O sistema multilateral do comércio já não funcionava bem antes do governo Donald Trump, agora com política comercial trumpista que ignora todos os acordos multilaterais, ficou em extremo perigo. O professor Feliciano Guimarães concorda com este alerta.

— Talvez estejamos em um dos momentos mais perigosos para o sistema multilateral de comércio da sua história. A OMC está completamente esvaziada. Está havendo o enfraquecimento das regras multilaterais e um fortalecimento das regras bilaterais. O Brics não tem capacidade de discutir essas regras, mas é um fórum que faz um chamamento de respeito a essas normas multilaterais.

O Brasil busca também alguma governança na inteligência artificial. Não apenas para evitar riscos, mas para promover um bom uso da tecnologia. Por essa razão, se negocia uma declaração sobre o tema.

Quando o Brasil assumiu a presidência do G20 havia um conflito internacional entre Rússia e Ucrânia. Depois, foi a guerra Israel-Hamas. Agora, Israel e Irã. O propósito do Brasil, segundo me informam as fontes diplomáticas, é evitar que esses conflitos contaminem a agenda de enfrentamento dos problemas reais. Por isso, no G20 o Brasil se concentrou na Aliança Global contra a Fome. E no Brics está buscando também uma agenda concreta.

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