O Globo
Mesmo com a sombra dos conflitos globais, o
desejo do Brasil na presidência do bloco é ter uma pauta para enfrentamento de
problemas reais
Os negociadores que preparam a reunião de
cúpula do Brics estão
tentando fechar declarações à parte sobre três assuntos: saúde, clima e
inteligência artificial. Isso além da declaração conjunta dos chefes de Estado.
O objetivo do Brasil é fortalecer a agenda de desenvolvimento nos debates e
buscar avanços concretos. Mesmo assim, a sombra dos conflitos globais estará
presente. O
presidente do Irã, Masoud Pezeshkian, não virá mais. Ele chegou a
confirmar a presença logo após o ataque de Israel, mas quando
houve o bombardeio americano, avisou que não poderia deixar o país.
O que o Brasil quer é menos geopolítica e mais agenda de desenvolvimento que foque na natureza econômica do bloco. Um diplomata que está no centro da negociação dos documentos me explicou a visão brasileira.
— Para nós, é essencial discutir o combate às
doenças da pobreza, que são negligenciadas, como tuberculose, malária,
hanseníase, zika, dengue. Morrem no mundo por ano 700 mil a 800 mil pessoas por
malária. Todas essas doenças incidem mais justamente sobre o mundo em
desenvolvimento. E não interessam à indústria farmacêutica.
Entre os negociadores, a avaliação é que o
encontro preparatório de saúde foi muito positivo e será bem possível que se
consiga montar uma parceria da mesma forma que foi feita no G20 com a Aliança
Global contra a Fome. Agora seria uma aliança na saúde. No governo, garante-se
que não há qualquer vontade do Brasil de que o Brics vire um bloco
antiocidental.
— A revista “The Economist” disse que, na
presidência do Brasil, o Brics está se concentrando em temas inócuos. Então
clima, saúde, inteligência artificial são inócuos? Só tem interesse o tema
geopolítico? — argumentou um embaixador brasileiro.
O professor de Relações Internacionais da
USP, Feliciano Guimarães, também discorda da revista e acha que houve exagero.
— O Brasil está deste lado do Atlântico, tem
ligação histórica com o Ocidente. Não é da nossa intenção fazer do Brics algo
diferente daquilo que ele era na sua origem, um grupo de quatro países, depois
cinco, insatisfeitos com a governança global. Estar no mesmo bloco aumenta a
relação entre os países.
Na questão do clima, a preocupação do Brasil
é que o país será a sede da COP e até agora apenas 22 países entregaram as suas
NDCs (metas nacionais de corte de emissões) no prazo estabelecido, que era
fevereiro. Prorrogou-se para setembro. Mas o desinteresse, somado à saída dos
Estados Unidos do Acordo de Paris, incomoda. Aqui dentro os interesses
contrariados pela política ambiental estão cada vez mais agressivos, e essa
histeria desaba sobre a ministra Marina Silva,
que ontem enfrentou mais uma cena grotesca no Congresso.
Outra prioridade do Brasil nesta reunião, e
isso tem sido uma orientação direta do presidente da República, é que o Brics
seja um instrumento positivo para a sobrevivência do multilateralismo. Vários
sistemas internacionais estão sob a ameaça. O sistema multilateral do comércio
já não funcionava bem antes do governo Donald Trump,
agora com política comercial trumpista que ignora todos os acordos
multilaterais, ficou em extremo perigo. O professor Feliciano Guimarães
concorda com este alerta.
— Talvez estejamos em um dos momentos mais
perigosos para o sistema multilateral de comércio da sua história. A OMC está
completamente esvaziada. Está havendo o enfraquecimento das regras
multilaterais e um fortalecimento das regras bilaterais. O Brics não tem
capacidade de discutir essas regras, mas é um fórum que faz um chamamento de
respeito a essas normas multilaterais.
O Brasil busca também alguma governança na
inteligência artificial. Não apenas para evitar riscos, mas para promover um
bom uso da tecnologia. Por essa razão, se negocia uma declaração sobre o tema.
Quando o Brasil assumiu a presidência do G20
havia um conflito internacional entre Rússia e Ucrânia. Depois,
foi a guerra Israel-Hamas. Agora, Israel e Irã. O propósito do
Brasil, segundo me informam as fontes diplomáticas, é evitar que esses
conflitos contaminem a agenda de enfrentamento dos problemas reais. Por isso,
no G20 o Brasil se concentrou na Aliança Global contra a Fome. E no Brics está
buscando também uma agenda concreta.
Nenhum comentário:
Postar um comentário