sexta-feira, 25 de julho de 2025

Irregularidade isolada - Eliane Cantanhêde

O Estado de S. Paulo

Trump deu uma boia para Lula, Alexandre de Moraes deu para Jair Bolsonaro. E depois recuou

Alexandre de Moraes está sendo para Jair Bolsonaro o que Donald Trump foi para Lula, pelo menos no primeiro momento da guerra do tarifaço de 50%: uma boia de salvação, ou a chance de ouro para sair do fundo do poço, ganhar apoio, visibilidade, propaganda e o discurso da união.

Quanto mais o relator da trama do golpe endurece contra o réu, mais o réu se passa por vítima e até chora, de olho no Congresso e nas próximas pesquisas de opinião. Nas últimas, ele foi o que mais caiu, enquanto Lula foi o que mais ganhou pontos após as investidas de Trump e já até articula reação em todos os continentes – ainda mais com os EUA de olho grande nos minerais críticos do Brasil.

Ao determinar medidas cautelares para Bolsonaro, como tornozeleira, horários de saída de casa e veto ao uso da internet e a conversas com o filho, Alexandre de Moraes se baseou na PF e na PGR, que detectaram risco de fuga e obstrução da Justiça. Afinal, o ex-presidente já se escondera antes numa embaixada e, já réu, ampliou seus contatos nos EUA e mandou R$ 2 milhões para o filho, que se diz “exilado” no país.

O questionamento à decisão de Moraes foi quanto à oportunidade: no dia seguinte à carta abusada de Trump para Lula, mas o que complicou para Moraes e facilitou para Bolsonaro foi quando o ministro ameaçou o ex-presidente de prisão por “descumprir as cautelares”. Foi um presentão para a defesa, para quem que não houve descumprimento e deu um xeque-mate: que controle Bolsonaro tem sobre o destino de suas entrevistas a rádios, jornais, TVs e sites? Como ele poderia impedir que fossem parar nas redes? A saída de Moraes seria proibir as próprias entrevistas. Uma não saída, porque caracterizaria censura – palavrinha fácil nos ataques bolsonaristas ao STF – e abriria uma frente de batalha com a mídia.

A ameaça de prisão teve efeito bumerangue até na Primeira Turma do STF, que julga o golpe: o ministro Luiz Fux abriu dissidência e quebrou a unanimidade, questionando, inclusive, o ponto central das cautelares. Segundo ele, PF e PGR não deram “novas provas” de tentativa real de fuga. Mais do que isso, Moraes engrossou as críticas a ele e à Corte e reforçou o discurso de “perseguição política”, reanimando a militância e a bancada bolsonaristas.

Moraes acusou o golpe, demorou muito a responder aos questionamentos da defesa de Bolsonaro e deu explicações tão confusas que nem os especialistas compreenderam. Ao descartar a prisão e resumir os descumprimentos das cautelares a uma “irregularidade isolada”, ele deixou claro: foi obrigado a recuar, mas não queria. Para um ego como o dele, deve ter doído, mas foi necessário.

 

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