domingo, 13 de julho de 2025

Justiça tributária na hora do debate - Míriam Leitão

O Globo

Cobrar mais de quem ganha mais não é dividir o país, mas sim elevar a justiça tributária e a qualidade da democracia

Em um país profunda e historicamente desigual é um bálsamo ouvir no discurso do cineasta Walter Salles que a democracia exige justiça, e parte desse objetivo se atinge buscando a justiça tributária. Houve uma distorção deste debate recentemente. O tema foi tratado como, se de um lado, houvesse um Congresso virtuoso, a favor de todos os contribuintes e, do outro lado, a sanha de um governo cobrador de impostos de todos os cidadãos. Cobrar mais impostos de quem tem renda maior não é dividir o país.

Os fatos estão bem distantes das mistificações feitas na guerra política. É preciso ter sempre em mente que o peso dos impostos é distribuído desigualmente no Brasil e de forma meio anárquica. Os grupos de interesses conquistaram ao longo do tempo o direito de que setores, áreas, produtos, aplicações, atividades pagassem menos impostos do que a maior parte da sociedade. Os pesos da carga tributária são mal distribuídos.

O IOF não é um bom imposto para se falar em justiça tributária, porque ele contamina o custo de todas as operações financeiras, de qualquer valor. As mudanças feitas no projeto se concentraram em operações que não são feitas pelos pobres. Contudo, há outros exemplos de propostas que o governo fez nas quais fica fácil enxergar a justiça tributária.

O projeto em que esse propósito fica evidente é o PL 1087 que isenta quem ganha até R$ 5 mil, compensando essa renúncia fiscal com a cobrança de um imposto mínimo de até 10% de quem tenha renda não tributada. O projeto beneficia 14 milhões de pessoas e cobra imposto de 140 mil pessoas. Dito de outra forma, se essas 140 mil pagarem esse imposto mínimo será o suficiente para cobrir o custo de isentar 14 milhões de contribuintes. Esse projeto vai à votação nessa semana. Quem tem renda não tributada de R$ 600 mil por ano ou mais passaria a pagar em alíquota crescente até chegar a 10% para quem ganha mais de R$ 1, 2 milhão por ano. Isso, repetindo, caso essa renda seja não tributada ou pague imposto efetivo abaixo do que está previsto no projeto.

O deputado Arthur Lira disse que havia uma sobra de dinheiro e ameaçou reduzir a alíquota de 10% para 8%. Estava errado, porque 10% é bem menos do que os 27,5% pagos na fonte por assalariados que tenham a mesma renda. Acabou decidindo melhorar a proposta para a base em vez de poupar o topo. Ampliou de R$ 7 mil para R$ 7.350 a renda de quem será beneficiado com a redução decrescente do imposto de renda.

— A democracia também exige algo que é justiça. Bernard Appy (o secretário especial de Reforma Tributária) estava aqui em cima e eu acho que ele nos lembra que a gente tem a chance de dar um passo importante hoje na construção de um país justo e igualitário, corrigindo as distorções de um sistema que, como a gente sabe, cobra mais de quem tem menos. Então eu queria deixar aqui todo o meu apoio à tributação progressiva. O meu apoio à taxação das grandes fortunas e à democracia com justiça tributária.

O país precisa ter essa discussão de forma serena e informada. O Brasil não é desigual por acaso. É uma longa construção. Uma grande parte dela deriva da distribuição desigual dos tributos. Na MP 1303, a proposta foi que os sites de apostas, as bets, paguem mais impostos, que as grandes fintechs tenham uma redução do benefício fiscal e que os títulos hoje isentos passem a pagar.

Houve uma corrida, nos últimos anos, para esses títulos que não pagam imposto ou que são incentivados, como LCI, LCA, CRI, CRA e debêntures de infraestrutura. O resultado é que os aplicadores nesses papéis deixam de pagar R$ 40 bilhões ao ano. Muitas vezes uma renda que é isenta na origem, como dividendos, é aplicada nesses papéis isentos, escalando o benefício para o mesmo indivíduo.

No Brasil, tributa-se mais o consumo do que a renda e o patrimônio. A renda de uma pessoa pobre é toda gasta no consumo, por isso ela chega a pagar 32% de imposto. Apenas uma parte da renda dos ricos vai para consumo. O resto vira investimento. Assim, pagam muito menos imposto. Nada disso exime o governo de controlar suas despesas, fazer ajuste fiscal e evitar a escalada da dívida pública. Mas eliminar benefícios e isenções tributárias é também cortar gastos.

 

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