quarta-feira, 2 de julho de 2025

Não é possível revogar o ano de 2025 - Lu Aiko Otta

Valor Econômico

Votos de deputados e senadores para anular uma medida do Executivo mostram que as eleições de 2026 estão no comando dos fatos

Mais do que o aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), o decreto legislativo baixado pelo Congresso Nacional na semana passada parece ter revogado o ano de 2025. Os votos de deputados e senadores para anular uma medida do Executivo mostram que as eleições de 2026 estão no comando dos fatos. Ontem, contrariando os conselhos da turma do “deixa disso” que quer preservar o diálogo com o Legislativo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva recorreu à Justiça para combater o que julga ser uma invasão de suas prerrogativas constitucionais no caso do IOF. O modo embate segue acionado.

O detalhe é que as eleições estão longe. Enquanto isso, o tema das contas públicas vai continuar em cena, até porque existe uma legislação a ser cumprida. Em algum momento deste ano, governo e Congresso precisarão voltar à mesa de negociação.

No próximo dia 22, o governo apresenta a nova edição do Relatório de Avaliação de Receitas e Despesas Primárias (RARDP), mais conhecido como “bimestral”. O documento atualiza as projeções de receitas e despesas deste ano e, por consequência, diz quanto precisa ser congelado para que seja cumprida a meta fiscal de déficit zero, com margem de tolerância de R$ 31 bilhões.

Se fosse editado hoje, o bimestral teria de incorporar um buraco de R$ 10 bilhões nas receitas, por falta do aumento do IOF. Por consequência, seria preciso contingenciar mais despesas, inclusive as decorrentes de emendas de parlamentares ao Orçamento.

Até o dia 22, fatos novos poderão surgir. Acionado, o Supremo pode decidir favoravelmente ao governo e restaurar o aumento do IOF que o Congresso derrubou. Além disso, está no radar uma receita extra de cerca de R$ 15 bilhões com a venda de excedentes do pré-sal, aprovada ontem pelo Senado.

A dúvida é se haverá tempo para realizar o leilão do óleo ainda este ano, para incluir os recursos nas projeções de receitas de 2025.

Mesmo sem IOF e sem pré-sal, governo e mercado enxergam condições de a meta fiscal deste ano ser cumprida, recorrendo ao uso da margem de tolerância e aos descontos com pagamentos de precatórios. O buraco pode ser coberto com o recolhimento de mais dividendos de bancos públicos, por exemplo.

Para 2026, porém, o quadro é mais complicado, porque só a ausência do IOF e da Medida Provisória (MP) 1.303, que entre outras coisas eleva a tributação sobre bets e fintechs e corre risco no Congresso, abriria uma lacuna de cerca de R$ 40 bilhões.

A meta fixada para o ano é um superávit de 0,25% do Produto Interno Bruto (PIB). A resposta sobre como será alcançada precisará ser dada até o dia 31 de agosto, prazo para o envio, ao Congresso Nacional, do Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) de 2026.

Apesar da dificuldade, mudar a meta não está nos planos da equipe econômica.

No momento, a ideia é manter o tripé formulado para navegar em 2025 e 2026: aumento do IOF, MP 1.303 e corte em gastos tributários.

Se um pilar do tripé falhar, outro será ajustado para compensar, disse um integrante da área econômica. Assim, o corte em gastos tributários ainda não foi proposto, pois pode ser necessário recalibrá-lo. A equação pode ser completada ainda com novas fontes de receitas, mais congelamento de gastos e cortes de despesas com os quais o Congresso concorde.

Nesse cenário, é possível que o PLOA 2026 seja composto por receitas ainda pendentes de aprovação. Não será uma novidade. É a forma como o Executivo comunica que precisa de ajuda para atingir os objetivos da política fiscal.

“Eu acredito que, ao colocar o dedo na ferida de que nós precisamos recuperar o Orçamento público no Brasil, eu estou comprometendo o país inteiro com isso”, disse o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, ao Valor “Não é só o Executivo; é uma forma de chamar a atenção do Judiciário, para não ter outra ‘tese do século’, e do Legislativo, de que não dá para brincar com ‘jabuti’ a essa altura do campeonato.”

Originalmente, disse o ministro, o governo pretendia cortar R$ 40 bilhões em gastos tributários. O plano foi apresentado à cúpula do Congresso na noite do dia 8 de junho. Os líderes partidários indicaram ser impossível mexer em itens como a Zona Franca de Manaus e o Simples Nacional. Assim, a proposta que ficou sobre a mesa é um corte da ordem de R$ 15 bilhões, sobre incentivos não estabelecidos na Constituição.

A pergunta que fica é se será possível cortar os demais programas, mesmo considerando que o corte de gastos tributários tem sido defendido pelo presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB).

O Congresso precisará discutir o Orçamento de 2026 e seus dilemas. Não há como torná-lo factível sem a aprovação de novas medidas que dependem do Legislativo.

No momento, porém, o ambiente segue envenenado, com tênues acenos à paz.

Haddad disse a este jornal, na tarde de segunda-feira, que queria retomar o diálogo e preservar a amizade com Motta. Naquela mesma hora, porém, Lula decidia recorrer ao Supremo.

No entanto, o governo optou por pedir à corte que declare constitucional o aumento do IOF. É uma abordagem menos agressiva do que argumentar que a decisão do Congresso é inconstitucional.

Haddad tem repetido que há um encontro marcado entre governo e Congresso para discutir cortes de despesas. Foi o combinado com os líderes. Mas, passados 24 dias, a mesa de negociações segue vazia.

 

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