Valor Econômico
Votos de deputados e senadores para anular
uma medida do Executivo mostram que as eleições de 2026 estão no comando dos
fatos
Mais do que o aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), o decreto legislativo baixado pelo Congresso Nacional na semana passada parece ter revogado o ano de 2025. Os votos de deputados e senadores para anular uma medida do Executivo mostram que as eleições de 2026 estão no comando dos fatos. Ontem, contrariando os conselhos da turma do “deixa disso” que quer preservar o diálogo com o Legislativo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva recorreu à Justiça para combater o que julga ser uma invasão de suas prerrogativas constitucionais no caso do IOF. O modo embate segue acionado.
O detalhe é que as eleições estão longe.
Enquanto isso, o tema das contas públicas vai continuar em cena, até porque
existe uma legislação a ser cumprida. Em algum momento deste ano, governo e
Congresso precisarão voltar à mesa de negociação.
No próximo dia 22, o governo apresenta a nova
edição do Relatório de Avaliação de Receitas e Despesas Primárias (RARDP), mais
conhecido como “bimestral”. O documento atualiza as projeções de receitas e
despesas deste ano e, por consequência, diz quanto precisa ser congelado para
que seja cumprida a meta fiscal de déficit zero, com margem de tolerância de R$
31 bilhões.
Se fosse editado hoje, o bimestral teria de
incorporar um buraco de R$ 10 bilhões nas receitas, por falta do aumento do
IOF. Por consequência, seria preciso contingenciar mais despesas, inclusive as
decorrentes de emendas de parlamentares ao Orçamento.
Até o dia 22, fatos novos poderão surgir.
Acionado, o Supremo pode decidir favoravelmente ao governo e restaurar o
aumento do IOF que o Congresso derrubou. Além disso, está no radar uma receita
extra de cerca de R$ 15 bilhões com a venda de excedentes do pré-sal, aprovada
ontem pelo Senado.
A dúvida é se haverá tempo para realizar o
leilão do óleo ainda este ano, para incluir os recursos nas projeções de
receitas de 2025.
Mesmo sem IOF e sem pré-sal, governo e
mercado enxergam condições de a meta fiscal deste ano ser cumprida, recorrendo
ao uso da margem de tolerância e aos descontos com pagamentos de precatórios. O
buraco pode ser coberto com o recolhimento de mais dividendos de bancos
públicos, por exemplo.
Para 2026, porém, o quadro é mais complicado,
porque só a ausência do IOF e da Medida Provisória (MP) 1.303, que entre outras
coisas eleva a tributação sobre bets e fintechs e corre risco no Congresso,
abriria uma lacuna de cerca de R$ 40 bilhões.
A meta fixada para o ano é um superávit de
0,25% do Produto Interno Bruto (PIB). A resposta sobre como será alcançada
precisará ser dada até o dia 31 de agosto, prazo para o envio, ao Congresso
Nacional, do Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) de 2026.
Apesar da dificuldade, mudar a meta não está
nos planos da equipe econômica.
No momento, a ideia é manter o tripé
formulado para navegar em 2025 e 2026: aumento do IOF, MP 1.303 e corte em
gastos tributários.
Se um pilar do tripé falhar, outro será
ajustado para compensar, disse um integrante da área econômica. Assim, o corte
em gastos tributários ainda não foi proposto, pois pode ser necessário
recalibrá-lo. A equação pode ser completada ainda com novas fontes de receitas,
mais congelamento de gastos e cortes de despesas com os quais o Congresso
concorde.
Nesse cenário, é possível que o PLOA 2026
seja composto por receitas ainda pendentes de aprovação. Não será uma novidade.
É a forma como o Executivo comunica que precisa de ajuda para atingir os
objetivos da política fiscal.
“Eu acredito que, ao colocar o dedo na ferida
de que nós precisamos recuperar o Orçamento público no Brasil, eu estou
comprometendo o país inteiro com isso”, disse o ministro da Fazenda, Fernando
Haddad, ao Valor “Não
é só o Executivo; é uma forma de chamar a atenção do Judiciário, para não ter
outra ‘tese do século’, e do Legislativo, de que não dá para brincar com
‘jabuti’ a essa altura do campeonato.”
Originalmente, disse o ministro, o governo
pretendia cortar R$ 40 bilhões em gastos tributários. O plano foi apresentado à
cúpula do Congresso na noite do dia 8 de junho. Os líderes partidários
indicaram ser impossível mexer em itens como a Zona Franca de Manaus e o
Simples Nacional. Assim, a proposta que ficou sobre a mesa é um corte da ordem
de R$ 15 bilhões, sobre incentivos não estabelecidos na Constituição.
A pergunta que fica é se será possível cortar
os demais programas, mesmo considerando que o corte de gastos tributários tem
sido defendido pelo presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta
(Republicanos-PB).
O Congresso precisará discutir o Orçamento de
2026 e seus dilemas. Não há como torná-lo factível sem a aprovação de novas
medidas que dependem do Legislativo.
No momento, porém, o ambiente segue
envenenado, com tênues acenos à paz.
Haddad disse a este jornal, na tarde de
segunda-feira, que queria retomar o diálogo e preservar a amizade com Motta.
Naquela mesma hora, porém, Lula decidia recorrer ao Supremo.
No entanto, o governo optou por pedir à corte
que declare constitucional o aumento do IOF. É uma abordagem menos agressiva do
que argumentar que a decisão do Congresso é inconstitucional.
Haddad tem repetido que há um encontro
marcado entre governo e Congresso para discutir cortes de despesas. Foi o
combinado com os líderes. Mas, passados 24 dias, a mesa de negociações segue
vazia.
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