Folha de S. Paulo
Livro rememora eventos do governo Bolsonaro,
recuperando a dimensão do ataque à civilidade que aqueles anos representaram
"Que Não se Repita", do meu
amigo Eugênio
Bucci, é um livro que dá o que pensar. Ou melhor, que dá o que rememorar.
A memória é um troço traiçoeiro. Confiamos
demais nela e por isso nem vemos certas armadilhas que ela nos prepara. A
leitura de "Que Não se Repita" nos poupa de pelo menos uma dessas
arapucas mnemônicas.
Jair Bolsonaro deixou a Presidência há menos de três anos. Ninguém minimamente informado esqueceu a tentativa de golpe, pela qual o capitão reformado está sendo julgado, nem os 700 mil mortos que sua gestão delinquente da pandemia ajudou a produzir —crime que as instituições preferiram "deixar passar".
Vários outros delitos e agressões perpetrados
pelo ex-presidente, embora não tenham sido exatamente esquecidos, perderam
saliência. Quando provocados, nos lembramos deles, mas eles deixaram de ser
presença constante em nossas mentes. Essa diminuição da saliência é um fenômeno
esperado, mas que nos faz perder um pouco a dimensão do assalto à civilidade
que foram os anos Bolsonaro.
"Que Não se Repita", ao nos fazer
repassar mentalmente esse período sombrio, recalibra as memórias, permitindo
que a real gravidade dos desatinos de Bolsonaro volte a aflorar.
Bucci começa com contexto. Lembra que um dos
acusados da trama golpista, o general Augusto Heleno, foi ajudante de ordens de
Sylvio Frota, o general da linha dura que, em 1977, tentou dar o golpe dentro
do golpe. E segue destacando alguns dos piores feitos do mau militar (palavras
de Geisel) que foi Bolsonaro. Termina alertando para o perigo que ainda
corremos, já que as forças extremistas que alçaram o golpista impenitente ao
poder não deixaram de atuar.
O livro traz passagens memoráveis, como a
defesa que Bucci faz da caneta Bic pelos abusos que ela sofreu sob Bolsonaro ou
a incongruência interna do dístico "Brasil acima de tudo; Deus acima de
todos" (ou Brasil está acima de Deus, ou Deus acima do Brasil; em qualquer
caso, a lógica naufraga).
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