domingo, 27 de julho de 2025

Que não se repita - Hélio Schwartsman

Folha de S. Paulo

Livro rememora eventos do governo Bolsonaro, recuperando a dimensão do ataque à civilidade que aqueles anos representaram

"Que Não se Repita", do meu amigo Eugênio Bucci, é um livro que dá o que pensar. Ou melhor, que dá o que rememorar.

A memória é um troço traiçoeiro. Confiamos demais nela e por isso nem vemos certas armadilhas que ela nos prepara. A leitura de "Que Não se Repita" nos poupa de pelo menos uma dessas arapucas mnemônicas.

Jair Bolsonaro deixou a Presidência há menos de três anos. Ninguém minimamente informado esqueceu a tentativa de golpe, pela qual o capitão reformado está sendo julgado, nem os 700 mil mortos que sua gestão delinquente da pandemia ajudou a produzir —crime que as instituições preferiram "deixar passar".

Vários outros delitos e agressões perpetrados pelo ex-presidente, embora não tenham sido exatamente esquecidos, perderam saliência. Quando provocados, nos lembramos deles, mas eles deixaram de ser presença constante em nossas mentes. Essa diminuição da saliência é um fenômeno esperado, mas que nos faz perder um pouco a dimensão do assalto à civilidade que foram os anos Bolsonaro.

"Que Não se Repita", ao nos fazer repassar mentalmente esse período sombrio, recalibra as memórias, permitindo que a real gravidade dos desatinos de Bolsonaro volte a aflorar.

Bucci começa com contexto. Lembra que um dos acusados da trama golpista, o general Augusto Heleno, foi ajudante de ordens de Sylvio Frota, o general da linha dura que, em 1977, tentou dar o golpe dentro do golpe. E segue destacando alguns dos piores feitos do mau militar (palavras de Geisel) que foi Bolsonaro. Termina alertando para o perigo que ainda corremos, já que as forças extremistas que alçaram o golpista impenitente ao poder não deixaram de atuar.

O livro traz passagens memoráveis, como a defesa que Bucci faz da caneta Bic pelos abusos que ela sofreu sob Bolsonaro ou a incongruência interna do dístico "Brasil acima de tudo; Deus acima de todos" (ou Brasil está acima de Deus, ou Deus acima do Brasil; em qualquer caso, a lógica naufraga).

 

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