quarta-feira, 27 de agosto de 2025

Do discurso à prática na estratégia de Trump, por Fernando Exman

Valor Econômico

Tarifas são usadas como uma alavanca para atingir objetivos políticos

À espera de um provável recrudescimento das relações entre Brasil e Estados Unidos, pode ser útil a leitura de um discurso feito recentemente pelo secretário de Estado americano, Marco Rubio, durante jantar de gala no “think tank” conservador American Compass. Ocorrida em junho, a fala não repercutiu no Brasil. Mas joga luz sobre a estratégia do governo Donald Trump, suas origens e potenciais consequências. É o novo estilo de vida americano.

Rubio se mostra convencido de que uma das razões pelas quais a história se repete é porque a natureza humana não muda. E uma das características do ser humano é o desejo de pertencimento, o qual evoluiu e se vê representado no conceito de Estado-nação. Isso molda cada vez mais como as decisões geopolíticas são tomadas, argumenta.

Criticando o fato de que o fim da Guerra Fria levou muitos a imaginar que o mundo inteiro iria virar uma democracia de livre mercado e que o conceito de nação já não importava mais para a economia, disparou contra a globalização. Chamou de irrealista e destrutiva a ideia de que perder uma fábrica não seria prejudicial, uma vez que os trabalhadores poderiam aprender a programar códigos e ganhar mais dinheiro. Responsabilizou-a por fechar empregos, destruir comunidades inteiras e minar a capacidade industrial americana. Capacidade essa, frisou, que sempre foi uma questão de segurança nacional.

Para ele, depois de décadas de negligência, os EUA vivem uma situação em que não apenas têm uma economia mais debilitada como também apresentam uma posição mais fraca no mundo. Como exemplo, mencionou a dependência de matérias-primas e da indústria de países que podem ser adversários, sobretudo a China. “Isso virou vulnerabilidade geopolítica”, sublinhou, acrescentando que exatamente por isso uma prioridade do governo Trump é reorientar as políticas doméstica e externa para assegurar que os EUA não se tornem reféns em questões essenciais, como alimentos e indústrias estratégicas.

Segundo o chefe da diplomacia americana, no passado os EUA às vezes aceitaram desvantagens comerciais para fortalecer aliados contra o comunismo. Mas isso tornou-se um padrão até mesmo com países desenvolvidos, que agora será corrigido.

Portanto, assim como fazem outras nações, a política externa deve priorizar sempre o interesse nacional dos EUA. “Isso não é isolacionismo. É bom senso”, disse, acrescentando que, quando os interesses dos EUA não se alinharem com os de outros países, que cada um siga seu caminho - de preferência de forma pacífica. “Esse é o trabalho da diplomacia.”

Essas palavras abrem caminho para algumas conclusões.

Sim, como pontuou nessa terça-feira (26) o chanceler Mauro Vieira, a ordem mundial está sendo desmontada pelos EUA. E é isso o que eles querem. Não é porque formularam e sustentaram até agora a ordem vigente que isso significa que o governo Trump se comprometerá a mantê-la. Ele elegeu-se com um discurso contrário a ela, cercando-se de pessoas comprometidas a executar essa plataforma. Já demonstrou disposição de utilizar todos os meios possíveis para moldar a máquina pública a fim de atingir seu objetivo, seja demitindo servidores públicos ou intervindo em órgãos federais.

É um fato que a pressão empresarial, em articulação com a diplomacia brasileira, obteve sucesso ao assegurar a exclusão de quase 700 itens da lista de produtos que passaram a pagar 50% de taxa. Mas não adianta o Brasil argumentar que o tarifaço irá gerar mais inflação nos EUA: o que está sendo perseguido por Washington é um conjunto de resultados de longo prazo, mesmo que surjam durante esse percurso efeitos negativos, como uma alta temporária dos preços. Tudo indica que tentar dar aula de economia à Casa Branca não irá funcionar.

Com uma decisão centralizada no próprio presidente, as tarifas são usadas por Trump como uma alavanca para atingir objetivos políticos. Ele não dá sinais de que irá recuar e, diante da iminência do julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), a expectativa é que as relações bilaterais se deteriorem ainda mais.

A esquerda menosprezou a capacidade da direita se articular no exterior e não está encontrando espaço para emplacar uma narrativa alternativa que comova a opinião pública. Diante disso, o próprio ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes fez suas investidas ao dar entrevistas, mas a eficácia dessa tática ainda precisará ser observada na prática.

Nesse contexto, é estratégia de quem anuncia sanções fazê-lo de forma genérica. Como era de se esperar, bancos e empresas brasileiros não sabem exatamente o que fazer para cumprir a Lei Magnitsky, aplicada, por enquanto, contra Moraes. E não receberão um manual. Interessa a quem aplica uma sanção que as partes interessadas façam um esforço máximo de “compliance” logo de saída, até porque monitorar mundo afora todos os sancionados demanda tempo e recursos humanos.

Retratação

Na semana passada, esta coluna asseverou que o vento começava favorável para o governo na CPMI do INSS. Como se soube depois, enquanto aquele texto era escrito, uma silenciosa e bem-sucedida articulação era feita pela oposição para tomar o controle da comissão.

Brasília tem enfrentado vendavais capazes de surpreender qualquer meteorologista. Até mesmo a célebre frase do ex-presidente da Câmara dos Deputados Ulysses Guimarães, segundo a qual “CPI a gente sabe como começa, mas não sabe como termina”, tem enfrentado dificuldades para sobreviver às intempéries. Não se sabe mais nem como uma CPI irá começar.

 

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