segunda-feira, 25 de agosto de 2025

Sanção a Moraes é absurda, por Carlos Alberto Sardenberg

O Globo

A Lei Magnitsky foi o caminho encontrado pelo legislador dos Estados Unidos para perseguir a bandidagem internacional

O objetivo da Lei Magnitsky, aprovada no Congresso americano em 2012, é apanhar criminosos e ditadores. Sim, é o resumo de uma situação complexa, mas esse é o espírito da regra: bloquear a lavagem de dinheiro obtido de maneira ilegal por traficantes, corruptos, ditadores e seus associados, que enriquecem saqueando seus próprios países e cometendo graves violações de direitos humanos.

Promulgada pelo presidente Barack Obama, a lei fazia parte de um esforço para combater crimes internacionais pela maneira mais eficaz — o bloqueio do dinheiro sujo e das manobras para torná-lo limpo. O traficante de drogas em algum momento precisa colocar seus recursos no sistema financeiro legal. Considerando o grau de globalização das finanças, fica difícil para as autoridades “seguir o dinheiro” mundo afora. Assim, o dinheiro do traficante colombiano, obtido na venda de cocaína nos Estados Unidos, circulava por bancos de diversos países.

O dinheiro sonegado nos Estados Unidos também. O dinheiro roubado por ditadores ou mesmo por governantes eleitos — em obras superfaturadas — também precisava ser lavado no sistema financeiro global. Lembram-se da Lava-Jato? Lembram-se de como corruptos tinham dinheiro escondido em outros países, desde a conservadora Suíça até os conhecidos paraísos fiscais?

A Lei Magnitsky foi o caminho encontrado pelo legislador dos Estados Unidos para perseguir a bandidagem internacional em sua passagem por instituições americanas ou ligadas a elas. Trata-se, portanto, de legislação nacional. Mas de alcance global, uma vez que quase tudo passa pelo sistema financeiro americano e pelo dólar.

O modo prático: definir uma lista de pessoas, empresas e governos com que as instituições americanas não podem ter relações comerciais. Essa é a tal lista do Escritório de Controle de Ativos Externos do Departamento do Tesouro americano. Relaciona os “sancionados”, que não podem fazer negócios nos Estados Unidos. O ditador Maduro, por exemplo, não pode comprar jatinho nos Estados Unidos nem depositar dinheiro em banco americano. A instituição que fizer o negócio está sujeita a penalidades que começam com multas e vão até o congelamento e confisco de ativos. Tudo dentro dos Estados Unidos.

Como isso chega a outros países? Pela figura do “facilitador”. Se uma empresa americana oferece um cartão de crédito a alguém sujeito a sanção, de qualquer país, entende-se que ela facilita negócios daquela pessoa. A punição é sempre na empresa instalada nos Estados Unidos. Por isso, não faz sentido dizer que os bancos brasileiros não podem seguir automaticamente uma legislação estrangeira. É óbvio. Eles seguem a lei brasileira.

Mas, se o banco tem filiais ou faz negócios nos Estados Unidos, essas atividades estão submetidas às leis de lá. Por isso um banco brasileiro não pode fornecer cartão de crédito de bandeira americana a um cliente brasileiro. Quer dizer, até pode, mas, pela legislação americana, cai na figura de facilitador, submetido a punições nos Estados Unidos. Todos os grandes bancos brasileiros têm filiais, instituições associadas e fazem negócios no sistema financeiro americano. Portanto, podem ser alvos, lá, da Lei Magnitsky. Essa é a situação.

Por aí se conclui como é totalmente absurda a colocação do ministro Alexandre de Moraes na lista dos alvos de sanção. Há, pelos relatos, cerca de cem brasileiros nessa relação. São bandidos, traficantes, ladrões. Um dos autores da Lei Magnitsky, o deputado democrata Jim McGovern, considerou “vergonhosa” a imposição de sanções a Moraes, “de maneira contrária ao propósito” da norma. É o resultado dessa combinação Trump/Bolsonaro.

Mas, por mais absurda que seja a situação, há aí um enorme problema para os bancos brasileiros. Agravado por outro fato: o governo brasileiro não tem qualquer interlocução com a Casa Branca. Por isso os bancos, como as empresas afetadas pelo tarifaço, tentam negociar diretamente em Washington. E torcem para que não haja uma escalada nas relações entre os dois governos.

Não se pode esperar bom senso de Trump, muito menos de Bolsonaro. Que haja pelo menos por aqui.

 

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